Falamos da deiscência, da deslocação intrínseca, da diferença, da destinerrância, etc. Alguns podem dizer: mas, justamente, isso a que chamamos «sujeito» não é a origem absoluta, a vontade pura, a identidade a si ou presença a si de uma consciência, antes essa não coincidência consigo. Eis uma resposta à qual teremos de retornar. Com que direito se chama a isso sujeito? Inversamente, com que direito se proibiria chamar a isso «sujeito»? Penso naqueles que, actualmente, querem reconstruir um discurso sobre o sujeito que não seja pré-desconstrutivo, sobre um sujeito que já não tem a figura do domínio de si, da adequação a si, centro e origem do mundo, etc., que define o sujeito como experiência finita da não-identidade a si, da interpelação inderivável enquanto provém de outrem, do vestígio do outro, com os paradoxos ou as aporias do ser-perante-a-lei, etc.
Derrida, «Il faut bien manger» ou le calcul du sujet
Nuno Melim
Questão entre outras ou questão antes de outras, en souffrance ou em permanência, de filosofia primeira ou segundo a filosofia, a questão do sujeito, o sujeito em questão, é um veio, uma veia talvez, da filosofia e sua história.
Quanto à sua história, é bastante pensar na substância – hypokeimenon – pensada por Aristóteles. Substância posteriormente traduzida/traída pelo subiectum ou substratum presentes, por exemplo, na meditação cartesiana de um homem, ego cogito sum, "primeiro e verdadeiro subjectum".
Contudo, curiosamente, é na contemporaneidade que o sujeito (ou a subjectividade) mais profusamente se problematiza e irradia. Pense-se, por exemplo, em A Ideia de Fenomenologia ou nas Meditações Cartesianas de Husserl, Ser e Tempo de Heidegger, A transcendência do Ego de Sartre, As Palavras e as Coisas de Foucault ou Si próprio como um outro de Ricœur… e temos toda uma série de obras, de lugares, onde o sujeito se pensa ou força o pensar. Curiosamente… o sujeito em questão e a questão do sujeito manifestam-se melhor na época, no mundo, no espírito do que passa por ser a crise de um «Raios partam o sujeito…»
O objectivo do Seminário Lógicas do Sujeito é simples: pensar, repensar, isso a que se chama o sujeito, isso que chama o sujeito, isso que o sujeito chama, etc. O etc. é significativo. Apesar de tudo, trata-se de ter em conta, pesar, uma pluralidade de discursos – lógicas, no mais indigente dos seus sentidos –, de perspectivas sobre… não, não podemos dizer sobre a mesma «coisa», «assunto», «objecto», «sujeito»... Esta pluralidade de discursos, lógicas, não pensa o mesmo sujeito, um sujeito uno, até porque não pensa do mesmo jeito. Como raios disparados de um centro, projectados em várias direcções, que desenham vaga e incertamente ao longe um círculo, uma circunferência… Raios partam, pois, o sujeito…