Sobre

A construção do conceito de individuação só se tornou possível quando se conseguiu sair dos quadros de uma filosofia do Ser e se começou a pensar em termos de uma filosofia do Devir e do Porvir.

O pensamento da individuação psíquica e colectiva (Simondon) representa uma grandiosa reabertura da questão inaugural do Uno e do Múltiplo dos pré-socráticos que surge nos primórdios da polis grega. Esta revisitação do nó do Uno e do Múltiplo procura reconstituir uma época sintética da filosofia, após o domínio do pensamento analítico desde Descartes.

A individuação é um processo, um processo essencialmente inacabado que pode ter ou deixar de ter por resultado, a construção de um indivíduo, isto é, uma singularidade.

A obra de Simondon que data dos anos 50, só muito recentemente começou a ser objecto da atenção que merece, designadamente por parte de Bernard Stiegler que veio prolongar a construção do conceito de individuação psíquica e colectiva, acrescentando-lhe a individuação técnica, como terceiro ramo da trança onde se processa uma individuação que é, ao mesmo tempo,psíquica, colectiva e técnica.

Para Stiegler, o que enlaça a individuação psíquica e colectiva é um meio pré-individual cujas condições positivas de efectividade pertencem aos aparatos retencionais que emergem do meio técnico que é condição necessária do encontro dos egos entre si, pelo que a individuação psíquica e colectiva é também a individuação do sistema técnico.

Porque a individuação é essencialmente um processo meta-estável, está sempre em risco de falhar e converter-se em desinviduação, que é uma gregarização ou uma proletarização, pelo que a individuação nem sempre produz indivíduos singulares. A conquista da singularidade é uma batalha interminável onde nada está garantido, uma luta incessante contra a imbelicidade que nos rodeia, nos fascina e nos corrompe.

A singularidade, que é a meta infinita da individuação, só pode emergir como um processo auto-poiético de criação que não obedece a nenhuma necessidade natural ou histórica.

A singularidade só pode ser uma emergência da liberdade pública, em que consiste aquilo a que os gregos chamaram a cidadania.