PELA FILOSOFIA DA CIÊNCIA NA FUTURA UNIVERSIDADE DE LISBOA
Os Reitores da Universidade de Lisboa (UL) e da Universidade Técnica de Lisboa (UTL) decidiram iniciar um processo de fusão que conduzisse à criação de uma grande Universidade. Apesar de ser uma ideia de duas pessoas, António Nóvoa e António Cruz Serra, a ideia fez o seu caminho. Depois de um debate interno e de uma discussão pública alargada, a fusão foi largamente consensual nos vários órgãos representativos da UL e da UTL. E, no dia 2 e Agosto, foi assinado um protocolo entre as duas Universidades e o Ministério de Educação e Ciência. O decreto-lei que vai definir a fusão das universidades de Lisboa e Técnica de Lisboa será publicado em Setembro. Esse mesmo protocolo sublinha o facto de a nova universidade de Lisboa vir a ter um orçamento de 300 milhões de euros, cerca de 46.000 alunos e 3.000 professores. E os meios de comunicação anunciaram mesmo o início dessa nova Universidade para Setembro de 2013.
Segundo o documento assinado no dia 2 de Agosto, a razão principal para a criação de uma nova Universidade reside "na possibilidade de expandir a capacidade de investigação e de ensino, de potenciar a fertilização mútua entre as disciplinas e os temas de fronteira, trabalhando em áreas interdisciplinares do conhecimento e em temáticas de convergência, na linha das melhores práticas internacionais".
Independentemente da opinião que cada um de nós possa ter sobre o sentido desta fusão, temos que reconhecer que, para além das vantagens de escala no interior do ranking global, e mais do que a simplificação e economia dos procedimentos administrativos, pode estar em jogo uma reforma profunda das nossas práticas como professores e como investigadores. Depois da redefinição do conceito de ensino superior que resultou dos acordos de Bolonha - e cujo sentido estamos ainda longe de confirmar - esta fusão será provavelmente a primeira grande oportunidade para pensar colectivamente a nossa universidade. É que, ao contrário do que aconteceu com a discussão do modelo de Bolonha, não estamos agora condicionados por equilíbrios geoestratégicos ou pressionados por discussões que terminaram antes mesmo de termos percebido que se tinham iniciado, nem temos que respeitar prazos impossíveis na tentativa de encontrar soluções partilhadas. Apesar das dificuldades orçamentais que cada vez mais marcam a vida das nossas instituições, acreditamos que esta fusão pode ser determinada por exigências sobretudo cognitivas: procuramos a ideia de uma universidade perfeita. E o nosso calendário é suficientemente alargado para tomarmos em consideração todos os factores envolvidos na fusão entre duas das maiores instituições universitárias de Lisboa.
O Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa pensa ter condições específicas para contribuir para esta refundação da nossa Universidade. Somos, por natureza, um lugar multidisciplinar. Os nossos membros são originários de Departamentos tão diversos como Matemática, Física, Biologia, Química, Engenharia, Ciências da Informação, Filosofia, História, Psicologia, Medicina, Farmácia, Ciência Política, Gestão, Inteligência Artificial, Teatro, Literatura ou Economia. Contamos com um diversificado leque de colaboradores da UTL (em especial, do IST, ISEG, ISCSP, ISCTE e Faculdade de Arquitectura). O trabalho que temos realizado, desde a nossa criação em 2003, procura pensar as condições epistemológicas, institucionais e mesmo estéticas da construção, legitimação, transmissão e divulgação do conhecimento. Nos colóquios e conferências que fomos organizando ou em que participámos, assim como nas nossas publicações, temos enfrentado, não apenas questões gerais como os conceitos de “verdade”, “justificação”, “prova”, “causalidade”, “complexidade”, “aleatoriedade”, mas também problemas de fundamentação (por exemplo, os que dizem respeito aos pressupostos metafísicos de alguns modelos de física quântica ou aos diferentes conceitos de “intuição” nos fundamentos da matemática), problemas relativos às aplicações técnicas e tecnológicas da ciência (por exemplo, na robótica ou nas nanotecnologias) ou ainda problemas relativos à ética aplicada, como a bioética, bioengenharia, a ética ambiental ou a ética da experimentação. Outros encontros têm convocado investigadores de áreas muito diversas para pensar aspectos emergentes, como os relativos ao uso das imagens em ciência, aos debates sobre o neodarwinismo e os seus efeitos epistemológicos em outras áreas do conhecimento, ao estudo de conceitos como o de emergência e não linearidade, ao lugar das enciclopédias na construção e unificação da ciência, aos vícios e virtudes do WWW nos processos de ensino e de pesquisa.
Sabemos que muitos destes problemas invadem quotidianamente tanto a prática científica como as aulas de muitos dos nossos colegas. E, talvez por isso, existem cada vez mais planos curriculares a incluir programas de fundamentação teórica, e cada vez mais projectos de investigação multidisciplinar que enfrentam os grandes temas da filosofia do conhecimento. A leitura dos depoimentos das várias Faculdades é eloquente. Todos eles sublinham a existência, mais ou menos recente, de práticas de cruzamento entre disciplinas, de estruturas curriculares interdepartamentais e interuniversitárias, projectos de investigação interdisciplinares. E todos eles assinalam também a necessidade de pesnar atentamente essas novas práticas. Quase se pode dizer que se foi criando uma imensa comunidade invisível de professores e de investigadores que praticam modos espontâneos de filosofia da ciência. E essa comunidade está disseminada por todos os Departamentos da Universidade de Lisboa e da Universidade Técnica de Lisboa. Pensamos que a filosofia da ciência poderia contribuir de forma relevante, não só para potenciar as competências dessa comunidade invisível, como para aprofundar os enredos epistemológicos que se jogam nesta fusão.
Com este propósito, o Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa propõe-se organizar um conjunto de encontros entre professores e investigadores das duas Universidades. Esses encontros poderão ter configurações muito diversas, desde elaboração de documentos de trabalho, ciclos de conversas, workshops temáticos, até à realização de um encontro global.
Nesse sentido, e depois de consultar vários docentes das duas Universidades, decidimos realizar três workshops sobre articulações entre a Filosofia da Ciência e as diferentes áreas disciplinares das UL e UTL. O primeiro desses workshops terá lugar, na manhã do dia 13 de Novembro de 2012, na Faculdade de Direito da UL e a sua realização estará a cargo da Profª. Maria Fernanda Palma. O segundo workshop será no IST, a 12 de Dezembro, coordenado pelo Prof. Pedro Lima, e o terceiro na FCUL, a 15 de Janeiro, da responsabilidade do Prof. Jorge Marques da Silva. Na sequência deste conjunto de workshops, faremos um Colóquio como encontro global de balanço, com a presença já confirmada dos Reitores das duas Universidades, bem como de um conjunto alargado de professores e investigadores da UL e da UTL. O colóquio terá o título "O papel da Filosofia da Ciência na nova Universidade de Lisboa", e terá lugar nos dias 14 de Fevereiro de 2013, no Anfiteatro do Complexo Interdisciplinar do Instituto Superior Tecnico da UTL e no dia 15 de Fevereiro no Salão Nobre da Reitoria da Universidade de Lisboa.