Câmara quer, afinal, intervir mais na Colina de Santana

por • 5 Fevereiro, 2014 • ActualidadeComentários (2)877

O vereador do Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa (CML), Manuel Salgado, anunciou, no final da tarde desta terça-feira, uma mudança da postura da autarquia face à mega-urbanização prevista para a Colina de Santana. O município terá maior peso nas mudanças em perspectiva, promete. E anunciou que foi suspensa a apreciação dos Pedidos de Informação Prévia que a Estamo apresentou, no ano passado, à câmara para iniciar os processos de loteamento dos terrenos dos hospitais de São José, Capuchos, Miguel Bombarda e Santa Marta.

 

Numa intervenção que não estava prevista, no terceiro dos cinco debates organizados pela Assembleia Municipal de Lisboa sobre a grande operação montada para a colina entre as avenidas da Liberdade e de Almirante Reis, o ex-número dois da CML, aparentemente reagindo ao coro de críticas ouvido nas três sessões, defendeu uma intervenção urbanística assente num “programa consertado” entre a Câmara, a Universidade de Lisboa e o dono dos grandes conjuntos a lotear, a empresa de capitais públicos Estamo.

 

Caso a negociação seja bem sucedida, a intervenção nesta área deverá ser coordenada por um gabinete próprio e ter como instrumento de ordenamento um Plano de Acção Territorial (PAT), defendeu o vereador que chefia o pelouro do Urbanismo. Seria neste quadro que se aplicaria um “plano de salvaguarda” para a Colina de Santana, explicou. Salgado considerou que o facto de áreas tão grandes – cerca de 15 hectares, para onde estão projectados 700 novos fogos – estarem nas mãos de um único dono “é uma oportunidade”, que deve ser aproveitada pelo município.

 

O autarca disse ainda que é urgente tomar uma posição. E, para o provar, deu um exemplo. O Hospital de Arroios já foi vendido pela Estamo – Participações Imobiliárias, em 2004, encontrado-se o edifício degradado e desaparecidos os seus azulejos do século XVIII. Depois disso, houve uma tentativa falhada de vender o Hospital do Desterro.

 

Nesta terceira sessão de debates – dedicada ao tema do impacto urbanístico, social e habitacional da operação imobiliária –, foram retomadas as críticas ao município por ser levado a reboque de um processo que “começou ao contrário, do fim para o princípio”, nas palavras de Helena Roseta, presidente da Assembleia Municipal. Já Fernando Nunes da Silva, ex-vereador de António Costa no mandato anterior e agora deputado da assembleia eleito nas listas socialistas, criticou o que vê como o exemplo de “uma inversão completa do planeamento”.

 

Como foi repetidamente referido nesta terça-feira, o documento de estratégia municipal para a Colina de Santana foi elaborado muito depois dos projectos dos loteamentos e, mesmo ele, colhe em seu redor reticências abrangentes à operação urbanística.

 

O fecho dos hospitais da zona, em nome do financiamento do futuro Hospital de Todos os Santos, em Marvila, que não se sabe quando abrirá, e o loteamento dos seus terrenos foram assim resumidos por Helena Carqueijeiro, uma arquitecta residente na zona: “Quer-se fazer uma substituição do espaço público pelo privado”. Para mostrar como os planos da Estamo são um conjunto de projectos isolados, a que falta uma visão integrada que contemple uma melhoria dos bairros da colina, acrescentou que, neles, “não há propostas concretas que venham melhorar a vida das pessoas. Bastava propor uma estação ou uma ligação ao Metropolitano”, disse.

 

A proposta da empresa poderá conseguir “bolsas de requalificação”, mas desligadas da envolvente, disse, por outro lado, um membro do painel de oradores convidados, Mário Moreira, arquitecto.

 

A requalificação do edificado existente é urgente, a julgar pela intervenção da deputada municipal e ex-vereadora Margarida Saavedra (PSD). Disse ela que, nos estudos divulgados pelo dono dos terrenos, não se conhecem referências ao risco sísmico da colina, quando os cerca de 550 edifícios em mau estado, e nomeadamente os da Calçada de Santana, mostram indícios de assentamento das fundações em resultado de movimentos deslizantes de terras. “É preciso um plano de salvaguarda para estas habitações”, avisou.

 

“Isto vai contra o interesse público”, acusou, a dada altura, o responsável da secção de Ordenamento do Território da Sociedade de Geografia de Lisboa, Pompeu dos Santos. Este engenheiro começou por dizer que o argumento dos “custos elevados” dos hospitais ainda por fechar peca por ter sido o próprio Estado a aumentar os gastos, quando os vendeu à Estamo e se obrigou a pagar-lhe rendas de seis milhões de euros por ano. Nos três minutos que lhe couberam, disse ainda que não há estudos credíveis que digam ser melhor substituir os actuais hospitais da zona por um novo.

 

Argumenta-se – acrescentou Pompeu dos Santos – “que estão velhos, mas no seu sítio já podem surgir hotéis ou casas novas. Por que não fazer, então, obras nos hospitais existentes?”, perguntou. E defendeu a “suspensão imediata dos processos de licenciamento” [dos quatro hospitais] entregues da Câmara, a anulação do processo de construção do novo hospital e um inquérito para “identificação de eventuais irregularidades” no polémico rearranjo da estrutura hospitalar de Lisboa.

 

O deputado municipal comunista Modesto Navarro (PCP) chamou-lhe “uma tramóia” congeminada com o Governo para fazer dinheiro e baixar o défice. E perguntou se o que a CML quer é “a expulsão dos actuais moradores” e “construção de condomínios de luxo, hotéis de charme e silos-auto”.

 

O debate voltou a mostrar que há a ideia de que a intervenção pensada para a colina vai servir os ricos e esquecer os pobres. Os trabalhos encomendados pela Estamo não o afirmam de forma tão simples, mas falam em criar, no espaço do Miguel Bombarda, por exemplo, “uma vivência urbana de excepção”.

 

A previsível gentrificação da Colina de Santana, a sua maior diversificação social “não é negativa, aliás até será necessária ao financiamento dos projectos”, ressalvou a geógrafa Teresa Barata Salgueiro, oradora convidada para este debate. Sem esquecer a reabilitação urbana e as necessidades dos que já lá estão, completou. “Há que aproveitar a deslocalização dos hospitais” e “pode começar-se pelos dois ou três que já estão fechados”, sugeriu.

 

 

Texto: Francisco Neves          Fotografia: Samuel Alemão

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