Idosa doente e isolada vive pesadelo em prédio decrépito na freguesia do Beato

por • 26 Fevereiro, 2016 • Reportagem, SlideshowComentários (5)1005

Esta é uma estória de miséria humana e solidão urbana. Odete, de 85 anos, é a única moradora de um prédio degradado de uma rua com vista para o Tejo. O edifício apresenta evidente perigo estrutural, tendo parte do tecto da cozinha ruído no ano passado. Há rachas nas paredes, por onde entram frio e ratos. O prédio é frequentado por toxicodependentes, que arrombaram a porta do último andar. Os seus passos nas escadas, durante a noite, deixam acordada esta mulher, que se recusa a viver num lar de terceira idade.

 

Texto: Samuel Alemão

 

O inferno poder ser bem mais perto do que imaginamos. Para Odete da Conceição, 85 anos, é na casa onde reside há cerca de três décadas. “Passo aqui um martírio que o senhor nem imagina. Mas Deus está do meu lado”, diz, ao mostrar ao Corvo o seu quarto, cuja parede em frente à cama é dominada por um grande cartaz com a imagem de Cristo e o chão se apresenta agora constituído por placas de pladur colocadas após o colapso parcial que, há uns meses, a fez enfiar a perna num buraco.

 

A única inquilina do prédio com número 71 da Rua Capitão Roby, na freguesia lisboeta do Beato, é doente pulmonar e vive em condições precárias numa casa com graves problemas estruturais e pela qual paga 160 euros de renda mensal – recebendo uma pensão de 350 euros. Ela afirma que o prédio pertence à Segurança Social, mas esta entidade, questionada pelo Corvo, negou tal facto.

 

Há dois meses, morreu o último dos vizinhos, outro idoso solitário, residente no segundo andar deste prédio de habitação de dois andares e em muito mau estado – terá sido construído nos primeiros anos do século passado. A fachada deixa-o perceber, mas quando se entra no rés-do-chão direito, morada da sua actual única inquilina, fica-se a perceber que o mesmo apresenta grandes problemas de conservação.

 

IMG_5073

 

 

Há rachas em várias paredes e pedaços de reboco fissurados ou mesmo colapsados. Parte do tecto da cozinha de Odete da Conceição caiu, há mais de um ano, não a atingindo por pouco. As marcas desse episódio continuam à vista. “Quando o tecto caiu, veio cá tudo, polícia, bombeiros e INEM, e até me disseram que eu já não devia estar aqui”, recorda Odete, mulher de saúde muito fragilizada também por causa de uma operação à traqueia.

 

A moradora diz que chove dentro do edifício, sendo, por isso, muitas vezes, obrigada a subir a um dos andares superiores para colocar baldes que recolhem a água e, assim, evitam a mesma de entrar pelo tecto da sua casa. Mas essa está longe de ser a última preocupação desta residente acossada pelo medo. O frio e os ratos que entram pelas fissuras – razão pela qual tem montinhos de trigo roxo espalhados pelos cantos – também lhe tiram o sossego. Mas existem outras razões para grande preocupação.

 

IMG_5080

 

 

E que, por isso, lhe tiram o sono. A entrada no prédio de indivíduos que Odete Graça garante serem toxicodependentes obriga-a a frequentes estados de vigília. Há gente a subir e a descer as escadas de madrugada. “Oiço barulhos. Tenho que me levantar três ou quatro vezes por noite, vou para junto da porta, sem fazer qualquer ruído, e coloco um banco e uma trave atrás da porta para ninguém entrar. Sabe lá o medo que eu tenho”, desabafa.

 

Para provar o que diz, Odete insistiu em deslocar-se com O Corvo ao último andar, apesar da notória dificuldade de locomoção. Lá em cima, num apartamento em que qualquer pessoa pode entrar, são evidentes os indícios do que afirma: há seringas, invólucros de seringas, preservativos e lixo diverso. “A noite para mim é um suplício. E nunca vou à rua, deixo-me ficar aqui”, revela esta mulher, assegurando que a porta do apartamento do seu vizinho foi arrombada pouco depois do seu falecimento.

 

IMG_5086

 

Odete garante que o prédio “é agora da Segurança Social, que ficou com ele por causa das dívidas do anterior senhorio”. O Corvo questionou o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social sobre este assunto, tendo recebido a seguinte resposta: “O imóvel a que se refere não é propriedade do Instituto da Segurança Social. O caso relativo à idosa é da responsabilidade da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML)”.

 

Questionada a SCML, a assessoria de imprensa desta entidade comunicou, numa primeira informação escrita, também não ser a dona do edifício e que “a situação social está a ser avaliada”. Numa segunda informação, a mesma fonte explicou que, de acordo com dados transmitidos pela equipa de apoio a idosos da Misericórdia que realizou uma visita domiciliária, “a senhora recusa sair de casa e tem um filho, que vive no Carregado, mas que visita a senhora semanalmente e, segundo a senhora, estará a resolver o assunto da casa”.

 

IMG_5078

 

Ao Corvo, Odete da Conceição refere que, além da assistência médica domiciliária, o seu filho doente será a única ajuda com que pode contar. Apesar dos problemas que tem nas duas pernas, vem do Carregado para dar assistência à mãe. Odete admite, todavia, que alguns vizinhos da rua, às vezes, querem saber se está bem. Questionada sobre se um lar de terceira idade poderia servir como uma alternativa ao suplício em que vive, recusa tal hipótese de forma enfática. “Não quero ir para um lar, não! É que eu já trabalhei num, a tomar conta de velhinhos, e o senhor não imagina o que lá fazem às pessoas”, diz.

 

IMG_5071

 

Pin It

Textos Relacionados

5 Responses to Idosa doente e isolada vive pesadelo em prédio decrépito na freguesia do Beato

  1. Tuga News Tuga News diz:

    [O Corvo] Idosa doente e isolada vive pesadelo em prédio decrépito na freguesia do Beato https://t.co/EmzHvdNzOX #lisboa

  2. Abc Xyz diz:

    Chamar Beato à Picheleira é demais.

  3. Idosa doente e isolada vive pesadelo em prédio decrépito na freguesia do Beato | O Corvo | sítio… https://t.co/UuyRcBgQyw

  4. Se se pedir a certidão predial da morada, fica-se logo a saber quem é o proprietário… alguém recebe os 150€ da renda, não é? e se é a Seg.Social ou SCML, é melhor que alguém tenha vergonha na cara e atribua à senhora um subsidio de renda desse valor para que possa, no limite, alugar um quarto. Compreendo muito bem, como ela própria o diz, que não queira ir para um lar …