Há um grave problema de habitação na cidade de Lisboa, devido à enorme quantidade de casas antes disponíveis para arrendamento de longa duração que passaram a alojamentos turísticos. Este parece ser o único ponto sobre o qual concordam os deputados da Assembleia Municipal de Lisboa (AML) que se encontram a apreciar a petição “Travar o Alojamento Local (a turistas) e salvar o que resta do Arrendamento, criando condições para o seu desenvolvimento”, lançada em abril passado por um grupo de cidadãos. “É fácil fazer um diagnóstico da situação, mas não temos um consenso sobre a terapêutica, a solução para o problema é uma questão em aberto”, admitia, ao final de mais de uma hora de discussão, nesta quinta-feira (6 de julho), Carlos Santos Silva (PCP), presidente da comissão de economia e turismo, que, juntamente com os membros comissão de urbanismo e habitação, ouviu os autores da recolha de assinaturas. Todos reconhecem a dimensão de um fenómeno que está a fazer sair da cidade muita gente, mas abundam divergências sobre a melhor forma de com ele lidar.

 

E isso ficou evidente, sobretudo, pelas diferentes posições assumidas, durante a audiência, pelos deputados dos dois maiores partidos. A troca de argumentos entre os eleitos de ambas as forças deu eco ao que vem sendo dito sobre a matéria, em vários palcos, como o plenário da própria assembleia municipal. “A Lei do Arrendamento aprovada pelo anterior Governo foi muito nefasta para o centro histórico de Lisboa. Deparamo-nos, todos os dias, na nossa freguesia, com situações daí decorrentes”, disse Carla Madeira (PS), presidente da Junta de Freguesia da Misericórdia, quando decidiu pedir a palavra para refutar a sugestão, feita pelo peticionário Rui Martins, de que muitas juntas não estarão a prestar um adequado serviço de esclarecimento jurídico sobre estas matérias aos seus residentes. Minutos antes, o social-democrata Magalhães Pereira havia considerado “uma grande hipocrisia dizer que a culpa é da lei”. “Este governo chegou há quase dois anos e não mudou a lei”, disse sob protestos dos socialistas.

 

“Não me parece que haja uma solução fácil”, concluiu o deputado do PSD, antes de sugerir que o problema do esmagamento da oferta de arrendamento, conjugado com o efeito predatório do alojamento local, terá que ser resolvido com “algumas alterações na lei e com a intervenção da câmara municipal” – embora não tenha avançado com pistas sobre o que fazer e como. O seu colega de partido, Luís Newton, presidente da Junta de Freguesia da Estrela, também admitiu a complexidade da situação, mas fez questão de afirmar que “não é com o recurso a uma gestão centralizada que vamos conseguir mudar isto”. Pouco depois, Rosa Maria Carvalho da Silva, também eleita pelo PSD, acabaria por considerar que “o aspecto social também tem que ser tomado em conta”. “Não nos podemos reger apenas por uma economia de mercado”, afirmou, sem deixar de reconhecer que a vontade dos proprietários sobre o que fazer com os seus imóveis será sempre sua prerrogativa. Até porque os lucros obtidos através do alojamento local, se comparados com o arrendamento, são mais aliciantes.

 

 

Formou-se, aliás, um quase consenso sobre as vantagens económicas decorrentes da vinda dos turistas não poderem ser menosprezadas. Simonetta Luz Afonso, do PS, disse mesmo compreender que os senhorios queiram obter dividendos. “Não podemos tomar o turismo por bode expiatório. A cidade está recuperadíssima ou a caminho disso, basta olhar a reabilitação de edifícios que tem sido feita”, afirmou, assinalando ainda o número de postos de trabalho surgidos devido à chegada massiva de estrangeiros em lazer. Um diagnóstico semelhante, aliás, ao realizado pela colega de bancada, Rita Neves (PS), para quem a recuperação do edificado resultante do impulso económico nascido do turismo acabou por funcionar como “uma espécie de parceria público-privado”. Antes, Simonetta considerou que o Estado terá de encontrar soluções para “tornar apetecível e aliciante o arrendamento de longa duração”.

 

Uma solução que, embora não muito aprofundada, acabou por encaixar numa das reivindicações centrais do principal dinamizador da petição ontem discutida. “Precisamos de uma resposta rápida e ela não passa por construir imóveis a rendas acessíveis, como promete a Câmara de Lisboa. Isso vai demorar anos. A resposta rápida é travar a conversão dos arrendamentos em alojamento local. E isso faz-se através da via fiscal”, postulou o activista, que, no início da sua intervenção, caracterizou como “calamidade” o que está a suceder no mercado de arrendamento lisboeta. “Isto não afecta apenas as classes baixas, mas também a classe média, que está a ser erodida e expulsa da cidade”, disse Rui Martins, confessando-se “desiludido com a incapacidade da autarquia para reconhecer que existe um problema”. A Câmara Municipal de Lisboa (CML) é, aliás, e a par da Assembleia da República, objecto de um conjunto de exigências por parte da petição, que recolheu até agora 721 assinaturas.

 

Se à administração central, entre outras medidas, é pedido que sejam reduzidas as taxas de IRS aplicadas a arrendamentos de longa duração, já à CML sugere-se, por exemplo, que utilize parte das verbas do Fundo de Desenvolvimento Turístico na recuperação de edifícios para arrendamento de longa duração, “uma vez que pretendiam, precisamente, amortecer os efeitos do turismo”. Pede ainda que se criem quotas máximas de alojamento local por freguesia ou o limite de três apartamentos por proprietário dedicados a esta actividade. Mas também se olha para o estrangeiro como fonte de inspiração e sugere-se que se “estabeleça, como Nova Iorque, uma proibição de aluguer de alojamentos através da AirBnB por períodos inferiores a 30 dias” e “que a CML determine, como Amsterdão, uma ocupação máxima de 60 dias por ano e um máximo de quatro pessoas por edifício”.

 

Texto: Samuel Alemão

 

  • Tania Fortuna
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    Vergonhoso, se os autarcas tratam assim os seus cidadãos o que esperar dos especuladores imobiliários?

    • Paulo Fonseca
      Responder

      Nem mais! Discutem apenas o assunto porque são obrigados, mas como o dinheiro fala mais alto soluções são uma miragem.

  • Sergio Ferreira Silva
    Responder

    não travam porque não querem

  • Álvaro Mergulhão
    Responder

    Não há dificuldade, há falta de vontade, pois há outros intere$$e$. E todos sabemos disso! Para lixar com o pequeno comerciante eles são bastantes eficazes(falo dos presidentes de juntas). Falta de soluções não é, o que falta é vergonha na cara!

  • Helena Galamba
    Responder

    Vão travar por eles próprios. O “AL” está a dar dores de cabeça aos proprietários. Os estragos feitos pelos visitantes são superiores ao rendimento.

    • Catarina de Macedo
      Responder

      É verdade Dona Helena. Se ao menos tivéssemos um turismo mais selectivo, para tirar maior proveito dele, as coisas eram bem melhores. Mas graças às companhias áreas low cost, às plataformas de alojamento local, aos hostels e afins, temos cada vez mais um turismo completamente desnecessário, que vem para Portugal com o objectivo de gastar o mínimo possível, não deixando cá as grandes quantias de dinheiro que os adeptos do turismo desenfreado pregam, e ainda provocando uma série de incómodos aos locais. Normalmente os mesmos que querem gastar pouco dinheiro, como grupos jovens, são problemáticos, mal-educados, causam problemas por onde andam e desrespeitam os locais e a cidade. O turismo para ter qualidade e render deve ser seleccionado. E para haver essa selecção, há que começar por modificar a oferta e atrair turistas que realmente constituam uma mais valia, e não aqueles que vão comprar sandes nos hipermercados e sentam-se na calçada a comer, nem sequer constituindo um rendimento para a restauração local.

  • Luis Alves
    Responder

    Quando os problemas nao sao resolvidos por quem de direito ( neste caso Juntas, Camara e Governo ) logo surgem as tentaçoes de os mesmos serem resolvidos pelos prejudicados. Nao e bom e nao vai ser bom para ninguem.
    Alem de que vamos ter eleiçoes em breve e os prejudicados terao uma palavra a dizer. Depois nao se queixem….

  • ana andrade
    Responder

    Os senhores autarcas mostram “preocupação” pelos efeitos negativos do AL na vivência das populações nos bairros históricos, mas ao mesmo tempo aproveitam e promovem a intensificação da “turistificação” nas suas freguesias com a promoção de “arraiais populares” agora durante mais de um mês, cada vez mais desligados das suas raízes, com músicas a bombar dia e noite ao estilo “vou cheirar o teu bacalhau” ( e ainda acham que estão a promover a música portuguesa), fogareiros em cada porta e barracas em todo o sítio, mesmo junto a património classificado, para além de todos os eventos “culturais” que promovem ao longo do ano no espaço público, como a “Zumba na rua”, com colunas de som aos berros, uma iniciativa do Senhor Presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior. Quantas licenças de ocupação do espaço pública são atribuidas nestes eventos, quantas licenças especiais de ruído são emitidas em cada ano nas suas freguesias? Quais os pareceres dos bombeiros e da protecção civil sobre as questões de segurança ligadas a estes eventos, sobretudo quando se realizam em bairros de ruas estreitas como na Bica e Alfama?

  • ana andrade
    Responder

    O senhor Presidente Newton da Junta da Estrela com muita “preocupação” pelos moradores também promoveu um arraial na praça de Santos, durante mais de um mês, com música pimba a bombar intermitentemente.Para além de não existir qualquer tradição de arraial popular naquela zona, acresce que os bares ali existentes já promovem um arraial permanente durante o ano inteiro.A senhora Presidente Carla Madeira também promoveu um arraial “para turista ver”, de que não há memória, no Largo do Corpo Santo, durante mais de um mês, em alto som, com grande “preocupação” pelas famílias e crianças que deixaram de dormir.

  • Catarina de Macedo
    Responder

    Aproveito para realçar que ao contrário do que fazem parecer, este fenómeno não se dá apenas no centro histórico da cidade. É aí, claro, onde é mais intenso e gritante (ainda hoje na Baixa só encontrava estrangeiros a saírem e a entrarem dos prédios) mas moro na zona Oriental de Lisboa, não histórica, e onde este fenómeno já se está a fazer sentir, sobretudo a nível da subida dos preços. O número de estrangeiros aqui têm vindo a aumentar, o que estranhei visto esta zona não ter qualquer tipo de interesse a nível turístico, e percebi que surgiram (e estão a surgir cada vez mais) imóveis utilizados para alojamento local. Os preços nesta zona tornaram-se exorbitantes com esse pretexto, e até em bairros sociais os preços se estão a tornar desproporcionais. Não finjam que isto se trata do “toda a gente agora quer morar na zona histórica com rendas baratas”. Estou bastante longe de qualquer coisa histórica ou de luxo e aqui isto já está a acontecer. Vá-se la saber porquê até o Pingo Doce local cada vez tem mais estrangeiros. Este é um problema de toda a cidade e tem de ser resolvido urgentemente. Lisboa tem uma vantagem que deve ser aproveitada, está a lidar com um problema que já as principais cidades europeias e não só já viveram. Só nos resta seguir os exemplos já aplicados que melhor se adequam ao nosso caso. Se for bem regulamentado e não estiver entregue aos lobos, o turismo pode render muito mais para a cidade e os seus habitantes.

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