Novo Jardim do Caracol da Penha poderá vir a ter uma área de lazer “livre de cães”

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Samuel Alemão

Texto & Fotografia

AMBIENTE

Arroios

Penha de França

8 Setembro, 2017

O futuro Jardim do Caracol da Penha, projecto que foi o grande vencedor do Orçamento Participativo (OP) de Lisboa 2016-17, poderá ter uma área de lazer arrelvada à qual será vedado o acesso a cães. A separação através de barreiras físicas a implantar permitirá aos utentes do parque poderem desfrutar do espaço sem terem de se preocupar com os dejectos caninos ou com a possibilidade de serem importunados pelos animais. A solução, a revelar durante a apresentação pública da versão preliminar projecto de arquitectura paisagista do novo parque público, a decorrer no Espaço Roundabout.LX, na Rua Cidade de Cardiff, nesta sexta-feira (8 de setembro) pelas 21h, nasce da análise das sugestões feitas pela população, numa consulta realizada em março e abril deste ano. O assunto terá sido abordado por cerca de um quarto dos que deram a sua contribuição no processo consultivo sobre o jardim, o qual privilegiará a manutenção do maior número de árvores, plantando-se outras, e ainda o reduzido número de equipamentos, optando-se antes pela polivalência dos mesmos.


“Um dos aspectos mais inesperados deste processo foi o número significativo de contributos relacionados com cães, até porque esta questão nunca tinha sido abordada em momentos de comunicação anteriores”, lê-se no documento que faz a análise das sugestões dos cidadãos, a que O Corvo teve acesso. Nele se acrescenta que muitas dessas dicas são sustentadas “em queixas relacionadas com a falta de civismo de alguns donos de cães e com a deficiente limpeza das ruas circundantes e dos jardins mais próximos, tornando impraticável a utilização de alguns espaços para determinados fins (‘estender uma toalha na relva’, ‘fazer um picnic sem ser importunado’)”. Algo que terá sido tomado em consideração pela equipa de projectistas da Câmara Municipal de Lisboa (CML). “As sugestões recebidas propõem a diferenciação de zonas, nomeadamente a “criação de zona de estar (como um relvado) sem cães, através da colocação de barreiras físicas”, lê-se no referido relatório, que aponta ainda para a colocação de “wc para cães” e bebedouros.

A nem sempre pacífica convivialidade entre, por um lado, canídeos e seus donos e, por outro, os demais utilizadores do espaço público volta, assim, a ser tema de debate num momento em que se antecipa a criação de um novo e muito desejado jardim no coração da capital. O assunto já havia sido alvo de polémica quando, em maio de 2015, a poucas semanas da inauguração do Jardim da Cerca da Graça, um grupo de mães fez circular uma petição em que se pedia a construção de uma área confinada para aqueles animais ou, em alternativa, que os mesmos fossem banidos de todo recinto. “O problema não são os animais. Os dejectos até poderiam ser de humanos ou de extraterrestres. São sempre dejectos! Esta poderia ser uma boa oportunidade para a CML criar um jardim diferente, onde as crianças pudessem brincar livremente e os donos passear com os seus cães de uma forma responsável”, disse, na altura, uma das peticionárias a O Corvo. No Jardim da Cerca da Graça, porém, os animais continuam a circular sem restrições.

O Jardim da Cerca da Graça serviu, aliás, como termo de comparação noutros aspectos, com muitos dos munícipes que participaram no processo de auscultação – foram recebidas contribuições de mais 300 pessoas – a salientarem o que qualificam “como um mau exemplo de espaço verde urbano, considerado um ‘jardim desinteressante’, ‘local de experimentações paisagísticas’, um ‘jardim recente composto por elementos arquitectónicos datados, como as colunas da pérgola, os candeeiros clássicos ou um quiosque que parecem ter saído do final do século XIX’”, lê-se no relatório de análise ao processo consultivo junto da população. Muita gente expressou o desejo de “manter ou reforçar algum do carácter ‘selvagem’ do jardim”, acrescentando que o mesmo deveria ser “um espaço para se poder contactar a natureza no centro da cidade” e “para se pôr os pés e as mãos na terra”, valorizando-se assim que a futura área tenha o menor número possível de “infra-estruturas que tornam os espaços verdes demasiado artificiais”.

Tudo isto será discutido na sessão que se seguirá à apresentação do projecto. “Trata-se de um momento importante, porque resulta de um processo aberto, em que, pela primeira vez, foi ouvida a população no desenho de um jardim. O projecto foi o que teve o maior número de votos de sempre do OP, teve um apoio claro da população de Lisboa. Mas nós quisemos dar mais um passo, auscultando as pessoas na hora de desenhar o espaço”, explica a O Corvo Miguel Pinto, um dos responsáveis pelo Movimento Jardim do Caracol da Penha, responsável pelo processo de mobilização cívica que, a partir do início do verão de 2016, conseguiu reverter o que parecia ser a mais que certa construção de um parque de estacionamento da EMEL naquela encosta, situada entre as freguesias da Penha de França e de Arroios. “A Câmara de Lisboa, felizmente, teve a abertura para aceitar esta nova fase de consulta da pessoas, quando tal nem era obrigatório”, comenta o activista, admitindo a dificuldade em harmonizar tantas e tão distintas opiniões sobre como deverá ser o tão aguardado espaço verde.

Após a sessão desta sexta-feira, na qual se espera a validação e leitura crítica do projecto que será apresentado, existirá um período adicional de duas semanas durante o qual as pessoas poderão dar sugestões. Nesse tempo, toda a informação e materiais relativos ao projecto podem ser consultados no sítio do movimento, através do qual serão canalizadas as opiniões sobre aspectos que poderão vir a ser melhorados. “Mas a câmara será sempre soberana”, avisa Miguel Pinto, lembrando ainda a complexidade técnica associada à execução da obras, uma vez que existe a necessidade de, antes de tudo, se realizarem trabalhos de contenção da colina, que estabelece a ligação entre duas áreas separadas por uma elevada diferença de quotas. Para já, diz o responsável pelo movimento de cidadãos, a única certeza é de que, naquele terreno de 10 mil metros quadrados, “não apenas se manterá o maior número possível de árvores, como haverá um aumento do seu número, com a plantação de novos exemplares”.

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COMENTÁRIOS

  • Horacio Silva
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    O problema não são os cães, são os donos dos mesmos.

  • Vera Marreiros
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    e o espaço de lazer estará, também, salvaguardado de cuspidelas e lixo deitado para o chão?

  • André Dantas
    Responder

    E que tal fazerem o mesmo em Monsanto?

  • Miguel Jorge
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    e que tal uma área sem crianças malcriadas aos gritos ou a chorar, com os pais a acharem muita graça a toda a m…que fazem?

    • Raquel Alão Jarego
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      Olha, o Miguel Sousa Tavares do thread.

    • ThSt
      Responder

      As crianças são pessoas. Aliás estou mesmo convencido que o Miguel Jorge já terá sido criança. Consegue entender a diferença entre um cão e uma criança ou precisa de um desenho?

  • Sara C. G. Louro
    Responder

    Vergonhoso e lamentável 🙁

    • Raquel Alão Jarego
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      Sara, não acho nada vergonhoso nem lamentável. Não é o jardim todo, é uma zona. Aliás, basta ser aqui morador para compreender a necessidade de um espaço desta natureza. O meu percurso diário e o da minha filha, de dois anos, é feito sempre de olhos no chão. As ruas estão imundas com cocó de cão que os donos não limpam. E a limpeza dos espaços públicos, a cargo das juntas de freguesia, é miserável. Não tenho nada contra os bichos, gosto muito de cães, mas não compactuo com a falta de civismo de muitos donos.

    • Raquel Alão Jarego
      Responder

      Lamentável, por exemplo, é o único espaço verde (relvado) em frente ao apartamento onde moram os meus enteados, no Cartaxo, estar cheio dos cocós dos animais de estimação de moradores que não têm a menor noção dos seus deveres cívicos.

    • Sara C. G. Louro
      Responder

      Raquel Alão Jarego perspectivas diferentes de ver o problema. Acho que não se deviam punir os animais e os donos responsáveis por alguns (infelizmente muitos) irresponsáveis. Esta medida pode abrir portas a outras “regras” menos corretas e mais segregadoras. Nos países nórdicos isto não se coloca porque, para além do civismo, existem multas bem pesadas e trabalho comunitário para os infractores e era por aqui que se deveria começar e depois pela educação. Só assim se alteram comportamentos. A proibição nunca é o caminho. Enfim… espero que esteja tudo bem por ai <3

    • Raquel Alão Jarego
      Responder

      Sara C. G. Louro, o civismo é fruto da educação. É por aí que se deve começar. Os países nórdicos podem dar-se ao luxo de passar multas pesadas e trabalho comunitário porque têm um sistema legal que funciona, que faz aplicar as leis e em tempo útil. Aqui não temos cultura cívica nem as leis são aplicadas eficazmente. Basta lembrar o que sucede em casos de maus-tratos animais: as denúncias aumentaram sim, mas quantos casos foram julgados e em que punição se traduzem as sentenças?

    • Raquel Alão Jarego
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      E mais uma vez nos pronunciamos desconhecendo a realidade particular em que a situação será aplicada. Há a 300m daqui um miradouro, o miradouro do monte agudo, bastante frequentado por amigos canídeos e seus donos e tem facilidades específicas para os animais (bebedouro). É pedir demais uma zona de relvado num jardim tão próximo de um outro espaço “dog friendly”?

    • Sara C. G. Louro
      Responder

      Raquel Alão Jarego 100% de acordo com o que referiste 🙂 Ainda assim continuo a achar que a proibição não é o caminho. No entanto, se existe dois espaços que satisfaçam a vontade de todos, do mal o menos. E claro, estamos só a trocar pontos de vista 😉 Por aqui está tudo bem, de volta á rotina, pós férias. Este ano não nos encontramos. Foi pena. <3

  • José
    Responder

    Campolide devia seguir o exemplo. É uma situação complicada o que se está a passar com o aumento exponencial da população canina e a falta de civismo por parte dos donos dos animais. Sim, por que o que está suceder é a “humanização dos animais de companhia” no pior sentido da frase com consequências negativas a nível individual, familiar e social. Não há muitas crianças, mas existe sempre um ou dois cães por casal jovem que vive num apartamento sem condições para ter animais…

  • Luís Isabelinha
    Responder

    Excelente ideia.

  • Jorge Silva
    Responder

    No fundo não é livre dos cães mas sim dos donos dos cães. Pois eles são o perigo. Tenho uma mota que fica na rua, basicamente os donos vêem a mota como um poste. Sim também o fazem nos carros. Acho mal também. Mas a verdade é que a mim fazem onde coloco os pés o que por vezes cria poças! E incrível não sei em que pensam os donos.. Talvez em nada..

    • Paulo Morgado
      Responder

      Também gostava de não ter 11 motas estacionadas no passeio da minha rua e que o usam como via de acesso e saída em toda a extensão! Como vê, a incivilidade também existe desse lado. Uma mota estacionada na rua é potencialmente usada como marca territorial de qualquer cão que ande à solta, inclusive durante a noite. Os que andam com os donos sentem o cheiro e reproduzem o gesto. Há donos que não deixam, outros que nem conseguem ir a tempo de impedir, e também outros que são simplesmente estúpidos e o permitem. Há de tudo, mas não se pode é medir toda a gente pela mesma bitola. Tal como há gente que apanha os dejectos (até porque é uma das formas de perceber a saúde do animal) e gente que se está nas tintas ou cuja idade e/ou condição física não facilita.

    • Jorge Silva
      Responder

      Concordo. Falando por mim sei que nunca atrapalho ninguém porque onde paro há sempre mais que espaço. Daí também reclamar pois tenho perfeita noção disso. Já esses “donos” dos animais.. Provavelmente fazem isso as motas dos outros. Porque eles até devem ter a deles a incomodar peões.

  • Paulo Morgado
    Responder

    Pessoalmente também gostava de estar sossegado a tomar café na praça Paiva Couceiro e não levar com boladas em cima. Ou que a Alameda não estivesse transformada em campo de futebol. Já estou a ver o caracol da penha como o novo relvado futebolístico! Esqueçam lá a toalhinha e o piquenique!

  • Beta
    Responder

    Os meus parabens aos organizadores e autores do projecto. Como moradora do bairro há muitos anos também sugerí que fossem implementadas medidas para evitar conflitos entre cães e pessoas. Fico muito satisfeita com a proposta final que procura concretizar isto mesmo (além dos outros pontos importantes). Nem esperava isso! Muitos moradores estão cansados de ter que passar diariamente por um campo de “minas” caninas nas ruas circundantes ao jardim. Espero que a combinação proposta com bebedores e zonas wc para cães de um lado, e zonas interditos aos cães do outro, sirva de aprendizagem para todos de quanto mais agradável se torna o convívio inclusivo quando existe respeito de regras de civismo, contrário a atitude de alguns de “I don’t give a shit”.

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