A febre da caça aos Pokémon está a transformar alguns cantos da cidade que parecem inóspitos em locais de convívio de uma nova tribo urbana associada a este popular jogo. Na zona ribeirinha, perto do Cais do Sodré, há cada vez mais gente a encontrar-se para dar azo à sua vertente mais escapista. Mas não são muito de conversas uns com os outros, como O Corvo pôde constatar numa destas tardes.

 

Texto: Rui Lagartinho           Fotografias: Paula Ferreira

 

 São quatro da tarde de uma sexta-feira. Junto ao Cais do Sodré, na praça entre os edifícios que, há alguns anos, albergam as duas agências europeias com sede em Lisboa – o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência e a Agência Europeia de Segurança Marítima -, algumas dezenas de pessoas, a maioria jovens e estudantes, espalham-se, sentadas em círculo, encostadas às paredes, fugindo do sol. Ficam de pé e um pouco tensas, se vieram por pouco tempo, mais descontraídas, se aqui vieram passar a tarde.

 

Alguns falam entre si, todos vigiam o telemóvel, que pode vibrar a qualquer momento, indicando um novo Pokémon pronto a ser apanhado. Mafalda Vicente, 23 anos, estudante de Direito, pertence ao grupo dos que vieram para ficar. Trouxe uma amiga finlandesa a passar férias em Lisboa. As duas dividem as atenções entre o telefone e o cão Kilo, que trouxeram a passear. “Normalmente, passo por aqui três vezes por semana e fico, pelo menos, duas horas. É que este é um bom local para caçar Volt Roblox, uma espécie rara de Pokémons” explica-nos.

 

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Pedro Marques, num grupo ao lado, estuda engenharia electro mecânica no Instituto Superior Técnico. Conhece a maioria das pessoas que aqui estão. “Já nos reconhecemos, há aqui uma forma de cumplicidade assumida, de convívio de partilha de experiências. Esta praça e o jardim no Largo de Santos são os meus locais preferidos.”

 

Visto pelo olhar do repórter do Corvo, esta interacção resulta estranha e artificial, pois o silêncio é dominante. E, se há convívio, ele é discreto e diferente de outros locais onde pessoas com os mesmos interesses se costumam reunir. Aqui, ninguém bebe, nem come, nem ouve música. É quase uma solidão meditativa, acompanhada. Mesmo quem caça não celebra alto os seus feitos.

 

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Damos mais uma volta pela praça e optamos por não abordar os caçadores solitários. Assumimos um certo pudor e estranheza perante códigos que não dominamos. Decidimos não incomodar.

 

Em redor, há pó levantado pelas obras velozes a decorrer na praça contígua à estação de comboios do Cais do Sodré. Os automóveis, os eléctricos, os autocarros e os respectivos condutores e passageiros, todos em filas intermináveis, aturam-se uns aos outros. Os peões driblam-nos nas poucas passagens livres. Junto ao rio, os turistas espreguiçam-se.

 

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Esta visita flash à praça que baptizámos de Pokémon podia ter sido efectuada de manhã, ou mesmo depois do jantar, à meia-noite. Ao longo de semanas, vimos sempre gente por ali: o Verão esteve quente. A chuva e o frio vão ser o próximo teste para esta comunidade de caçadores.

 

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