A requalificação do espaço público entre o Marquês de Pombal e Entrecampos é quase consensual, ao ponto de ofuscar as fortes críticas que a antecederam. Entre os principais contestatários estavam os residentes, que se queixavam da eliminação de lugares para os seus carros. A oferta de bolsas de estacionamento silenciou a contestação. Fartos de esperar pelos prometidos lugares, os moradores dizem agora viver um pesadelo. “Os políticos têm de cumprir aquilo que prometem”, afirmam. Para tentar minorar os problemas, a CML vai converter as avenidas 5 de Outubro e Defensores de Chaves em “zonas vermelhas” do tarifário da EMEL. E diz que as avenças a 25 euros criadas para moradores em parque privados são uma boa opção. O vereador do CDS-PP junta-se aos que acusam a autarquia de incumprimento. Fernando Medina, por seu lado, fala “numa obra emblemática” para Lisboa, prova de que teve razão desde o início do processo.

 

Texto: Samuel Alemão

 

As obras de reabilitação do espaço público no Eixo Central de Lisboa, entre o Marquês de Pombal e Entrecampos, inauguradas há um mês, são já praticamente consensuais. Mas há ainda questões por resolver. Para além da segurança dos utentes das ciclovias relativamente à abertura das portas dos carros estacionados longitudinalmente, persiste o problema do estacionamento dos residentes. Tanto que a Associação de Moradores das Avenidas Novas diz que a Câmara Municipal de Lisboa (CML) não está a cumprir a promessa – feita aquando do início das obras, em abril do ano passado – de reservar 68% da oferta de parqueamento à superfície para quem ali mora. “Só podemos andar aqui a brincar. Os responsáveis políticos têm, de uma vez por todas, cumprir com aquilo que prometem”, diz ao Corvo José Soares, presidente da associação.

 

“Estamos descontentes, porque não foi isto que nos prometeram. Não estamos a exigir mais estacionamento para os moradores, mas sim aquilo que nos foi garantido que iria ser feito, como contrapartida para nos calarmos na contestação às consequências desta intervenção”, afirma o dirigente, admitindo, porém, que hoje ninguém tem dúvidas de que, apesar dessa questão pendente, “a obra tem méritos e pode ser vista como positiva”. “Os moradores não pedem um lugar para estacionar o carro à porta de casa. Mas não se pode exigir a uma pessoa que mora no Saldanha que estacionar vá o carro ao Campo Pequeno”, considera José Soares, informando que, na Avenida da República, para 297 viaturas com selo de residente existem 245 lugares de estacionamento a eles destinados.

 

O representante dos moradores refere que a escassez de lugares na Avenida da República está já a ter consequências nas artérias laterais, com os moradores a buscarem lugar para o seu automóvel na Avenida 5 de Outubro e na Avenida Defensores de Chaves. O que, por sua vez, se reflecte na oferta de lugares para os residentes destas, levando-os a procurar parqueamento nos arruamentos adjacentes. “Está a ter efeitos nas imediações, como uma espécie de efeito dominó”, afirma, lembrando que muitos dos moradores estão a viver na zona há várias décadas. “Estamos a falar de habitações que, quando foram construídas, não tinham garagem, porque tal não era exigido”, diz, lamentando o que considera ser o incumprimento da CML para com as promessas feitas no ano passado.

 

O sentimento de frustração tem aumentado porque, salienta José Soares, a câmara não estará a demonstrar interesse na resolução dos problemas. Já depois da inauguração da intervenção no Eixo Central, o presidente da Associação de Moradores das Avenidas Novas enviou, a 2 de fevereiro, um email a Manuel Salgado, vereador do Urbanismo, questionando-o sobre o alegado incumprimento da prometida oferta de lugares. “Sucede que não apenas não foi cumprido o compromisso dos 68% de lugares para residentes, como a falta de lugares, e até a dimensão reduzida dos mesmos, transforma a nossa vida num pesadelo”, diz-se nessa mensagem, a que O Corvo teve acesso – na qual se lamenta ainda que a equipa de técnicos sob a alçada de Salgado “não tem respondido aos sucessivos contactos por parte da Associação de Moradores, contrariando a postura inicialmente adoptada em que usava a relação mantida com esta Associação como exemplo de escutar a população”.

 

“Trata-se da nossa qualidade de vida dos moradores e exigimos da parte da CML respeito absoluto pelos compromissos assumidos e não queremos acreditar que seja intencional este silêncio de seis meses e, menos ainda, que se possa pensar que os compromissos assumidos não são para respeitar e executar”, escreveu o dirigente associativo, antes de avisar que, não havendo em breve a confirmação do cumprimento do compromisso, será convocado em breve um plenário dos moradores daquela área. José Soares garante agora ao Corvo que o “em breve” será já na próxima semana. Isto porque a resposta que, entretanto, recebeu de Manuel Salgado é considerada “insuficiente e ambígua”.

 

 

Nessa resposta, a 8 de fevereiro, o vereador esclarece: “A área envolvente da Avenida da República, entre as avenidas 5 de Outubro e Defensores de Chaves, vai ser classificada como zona vermelha de estacionamento, privilegiando os residentes com dístico atribuído através de duas formas: a tarifa é mais elevada por visitante e apenas podem estacionar aqueles que são portadores de dístico de residente na área vermelha em causa”. “Por outro lado, os lugares de estacionamento que a Câmara Municipal de Lisboa reservou nos parques do Campo Pequeno e em Picoas, através do pagamento de uma avença mensal de 25 euros, ainda não estão totalmente ocupados”, acrescenta Manuel Salgado.

 

Nesta terça-feira (21 de fevereiro), perante a Assembleia Municipal de Lisboa (AML), o presidente da autarquia falou na intervenção do Eixo Central como uma “obra emblemática” e “uma aposta ganha da cidade”. Prestando contas àquele órgão sobre o trabalho realizado pela autarquia durante o último trimestre, Fernando Medina utilizou por diversas vezes a expressão “devolução à cidade do Eixo Central”. “Esta foi a obra que colocou à prova a determinação do executivo em avançar com o programa de governo da cidade. Hoje, depois de acabadas as obras, o que temos entre o Marquês de Pombal e Entrecampos são mais de 750 árvores plantadas e mais de 4o0 passadeiras que foram rebaixadas e adaptadas com guias de sinalização para pessoas com dificuldade de mobilidade e de visão. Numa zona central, formam introduzidas ciclovias para dinamizar a mobilidade sustentável”, afirmou Medina.

 

“A nossa cidade está melhor, está mais inclusiva e tem hoje melhores condições para quem nela vive e trabalha”, disse o presidente da câmara, antes de referir que a conclusão deste projecto também permite uma “leitura política”. “Com o fim das obras e a devolução do Eixo Central, foram profundamente derrotados todos aqueles que apelavam à inacção. Foram derrotados plenamente e frontalmente todos aqueles que apostam numa visão ultrapassada da mobilidade e da vida na cidade”, afirmou o autarca, antes de dizer que outros dos derrotados “foram aqueles que apelaram ao caos, que diziam que tudo se iria desarticular”. “Hoje, andamos de carro, a pé, de bicicleta ou de transporte público no Eixo Central e o que vemos é normalidade da circulação, melhor qualidade de vida para os que andam a pé, um transporte público que começa a recuperar os seus níveis de eficácia. No fundo, vemos uma cidade melhor”, avaliou, daí concluindo que é necessário reconhecer que este processo “tem vencedores e derrotados políticos”.

 

Estaria Fernando Medina a referir-se a João Gonçalves Pereira, o vereador do CDS-PP que liderou a contestação à forma como foi concretizado o projecto camarário? O Corvo questionou-o sobre o assunto, de seguida à intervenção do presidente da CML. “Não sei onde é que ele foi inventar essas passadeiras e árvores, que os lisboetas não conseguem observar. Isso não corresponde à verdade. Qualquer pessoa não acredita que haja ali 700 árvores, como o presidente da câmara diz. Pior, Fernando Medina, que persiste nesta narrativa que não corresponde à realidade e já se encontra em campanha eleitoral, não percebeu o impacto negativo que foi criado em termos de circulação e de estacionamento naquela zona”, afirma o vereador centrista.

 

Gonçalves Pereira lamenta que “o compromisso de criar lugares de estacionamento para os residentes não tenha sido cumprido” e lembra que há semáforos colocados na zona do Saldanha que não estarão a funcionar. O eleito do CDS-PP recusa ser visto como um dos derrotados políticos deste processo a quem Medina se referiu na assembleia municipal. “O senhor presidente acha que ao repetir muitas vezes aquilo que é uma mentira ela se transformará numa verdade. Nós nunca fomos contra a requalificação do Eixo Central, como ele sugere. Sempre defendemos que tal era necessário, mas com outro modelo de intervenção”, diz.

 

  • Paulo Soares
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    Carros carros carros carros… Disto é que o pessoal gosta. O sr líder do CDS diz que nunca foi o contra o projecto. Agora é cómico? Se os parques com avenças de 25 euros ainda não estão cheios, porque não os utilizam? 25 euros é caro para um parque coberto no centro da cidade? Primeiro era o projecto que era ridículo, depois eram as obras que causavam transtornos, depois eram os comerciantes que seriam prejudicados, depois era o trânsito infernal, depois era a obra que estava a ser feita à pressa, depois era que o Medina já estava em campanha por inaugurar a obra, e agora como não há mais nada para dizer falam do estacionamento… É uma chatice deixar de poder de estacionar em cima dos passeios e passadeiras…

    • Fernando Arroz
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      Tem muita razão…
      Exceto aos €25 de estacionamento! E considerá-lo barato. As pessoas compraram um bem há “x” anos. Esse bem pressupunha lugares de estacionamento na rua. Foram retirados para benefício da cidade. Pois bem… Esses lugares disponíveis deveriam ser repostos gratuitamente… €1 é caro! E não. Não sou morador naquelas zonas!

      • luis
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        Lamento mas foi enganado por quem lhe vendeu o “bem”. Os lugares da rua são públicos. Não são de ninguém, são de todos. Ninguém lhe poderia garantir que poderia montar lá uma tenda por 30 anos, ou estacionar um carro.

    • Paulo Soares
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      Então pela lógica, se construírem dez prédios novos sem garagem ou se simplesmente mais gente venha morar para a cidade e com isso traga mais 50 carros para as ruas da cidade, os novos moradores são obrigados a pagar o estacionamento aos antigos moradores porque os antigos quando compraram o bem tinham lugares para estacionar e deixaram de ter. Pela sua lógica deduzo que defenda esta argumentação… Eu moro no centro da cidade, estaciono a 600 metros da minha casa, num parque descoberto e pago 27 euros por mês. Os meus vizinhos com carros de 30 e 40 mil euros estacionam em cima dos passeios, com a conivência da polícia municipal e junta de freguesia.coitados, não devem ter dinheiro para pagar o parque…

    • Paulo Soares
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    • Paulo Soares
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      Só dois exemplos

    • Michael Woods
      Responder

      Tão caras as carrinhas de carga.

    • Paulo Soares
      Responder

      Caro Woods , o exemplo não é do preço é do que se passa todos os dias. Mas se tiver interesse, posso enviar-lhe várias fotos ou até um vídeo caso goste mais de filmes dos carros que por aqui andam todos os dias e noites em cima do passeio. Sabe a quantos metros do parque estava a carrinha da foto? Menos de 50m

  • Nuno Taborda
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    Mas ainda há gente que acredita em promessas de políticos ?!?!?
    Anjinhos !

  • Vítor Carvalho
    Responder

    A cereja no topo do bolo era ver o Senhor Presidente do ACP, o indescritível Carlos Barbosa, acorrentar-se no pelourinho frente ao edifício dos Paços do Concelho, a vociferar por menos jardins, passeios mais pequenos, menos passadeiras, impostos para os peões e mais viadutos no centro da cidade, mais carros, camiões TIR no centro da cidade e menos semáforos. Ainda não perdi a esperança de ver isso acontecer..

  • José João Leiria-Ralha
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    «Ninguém acredita que foram plantadas 700 árvores»???

    Então é contá-las, para ver quem é que está a mentir — se o senhor Fernando Medina, se o senhor Gonçalves Pereira…

  • Pedro
    Responder

    antes da obra deu se ao trabalho de contar à mão um a um os lugares de estacionamento perdidos, também se pode dar ao trabalho de contar as arvores que estão lá para toda a gente ver.
    desde o inicio criticaram e eram contra a obra, nem mesmo depois resultado final admitem o erro e já nem sabem o que dizer mal.

    de noite é facil ver que nao ha falta de estacionamento para residentes pois ha imensos lugares livres.
    de dia, com a tarifa vermelha força À rotação do estacionamento, suficiente para que haja sempre carros a entrar/sair pelo que também de dia haverá facilmente lugar para quem quiser.

    Os lugares disponibilizados aos residentes nos estacionamentos cobertos por 25 euros / mes nao esgotaram (nem metade foram usados).
    Se a oferta de estacionamento fosse assim tao baixa certamente não tinham ficado mais de metade das avenças mensais por usar.

  • Francisco Mourão Benitez
    Responder

    A obra realizada nas Avenidas Novas, onde a minha família vive há 3 gerações, foi só a coisa mais estúpida, parola e demonstrativa de quem não tem o que fazer ao dinheiro que a CML realizou nos últimos anos. Esta aberração provinciana de querer obrigar os lisboetas a andarem de bicicleta, a irem a pé para o emprego e a comerem no meio da rua só pode vir mesmo de alguém que não é de Lisboa e que nunca vai conseguir compreender os Lisboetas. Simplesmente vergonhoso!

  • Carlos Garcia
    Responder

    ” “Os moradores não pedem um lugar para estacionar o carro à porta de casa. Mas não se pode exigir a uma pessoa que mora no Saldanha que estacionar vá o carro ao Campo Pequeno”” Porque?

  • teresa
    Responder

    O costume… mas a CM LIsboa deixa que se construa auditórios subterrâneos nos prédios do eixo central – para 1000 pessoas – na Defensores de chaves, em locais que eram garagens…. ou podiam ser parques da CML para os moradores estacionarem. E a Assembleia Municipal calou-se! E todos se calaram. Mas hão-de me explicar porque autorizaram escavar em garagens de prédios….. e nascer auditório com 900 lugares, fora o rseto!

  • Maria
    Responder

    Umas obras só para gastar dinheiro! Vias laterais estreitíssimas , um trânsito do pior, ciclovias onde não passa ninguém!!! Sem estacionamento!! Um inferno todos os dias!!

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