Vida
A filosofia como um todo
![[Photo] Fernando Gil - Fundação Calouste Gulbenkian](/wayback/20180717134916im_/http://fernando-gil.org.pt/img/photo_fgil_1.jpg)
![[Photo] Fernando Gil com Diogo Lucena - Fundação Calouste Gulbenkian](/wayback/20180717134916im_/http://fernando-gil.org.pt/img/photo_fgil_2.jpg)
A obra filosófica de Fernando Gil (Muecate, 1937 - Paris, 2006) abarca domínios muito variados, da epistemologia à estética, passando pela filosofia moral e política. Vale no entanto a pena sublinhar que, trabalhando sobre qualquer um destes domínios, ele o fez sempre na perspectiva da filosofia concebida como um todo, isto é, a partir da convicção de que cada saber específico reenviava para todos os outros e de alguma forma os pressupunha.
Ciência, estética, ética
Assim, por exemplo, os seus trabalhos sobre o conhecimento científico, em Mimésis e Negação (IN/CM, Lisboa, 1984), e, sobretudo, em Provas (IN/CM, Lisboa, 1986), contêm já em si o apelo a uma abordagem que privilegia o papel do sujeito no conhecimento, tal como a encontramos em obras posteriores, como o Tratado da evidência (IN/CM, Lisboa, 1996 (Traité de l’évidence, Millon, Grenoble, 1993)) ou A convicção (A Convicção, Campo das Letras, Porto, 2003 (La Conviction, Flammarion, Paris, 2000)). Estas, por sua vez, reenviam, de forma clara e tematizada, para a experiência estética, objecto de Viagens do Olhar. Retrospecção, Visão e Profecia no Renascimento Português, em colaboração com Helder Macedo (Campo das Letras, Porto, 1998) e de A Quatro Mãos. Schumann, Eichendorff e outras notas, em colaboração com Mário Vieira de Carvalho (IN/CM, Lisboa, 2005). (Deve-se notar que, ao longo da sua vida, a proximidade de Fernando Gil com a arte e os artistas sempre foi grande.) E as questões da prova e da convicção encontram-se ainda presentes tanto na filosofia moral (“O Hospital e a Lei Moral”, Atlântico, nº 7, 2005, pp. 29-31) como na filosofia política (Impasses, seguido de Coisas Vistas, Coisas Ouvidas, em colaboração com Paulo Tunhas e Danièle Cohn, Europa-América, Mem Martins, 2003).
Mais: remontando aos seus primeiros livros, encontramos, tanto na óptica da antropologia filosófica de raiz fenomenológica (Aproximação Antropológica, Guimarães Editores, Lisboa, 1961), como na da lógica filosófica (La Logique du Nom, L’Herne, Paris, 1972), temas e intuições que a obra posterior explorará com maior riqueza e profundidade. Os três livros em que Fernando Gil reuniu artigos não integrados nas obras já mencionadas (Modos da Evidência, IN/CM, Lisboa, 1998; Mediações, IN/CM, Lisboa, 2001; Acentos, IN/CM, Lisboa, 2005) exibem a articulação interna dos vários objectos de pensamento e a busca de passagens entre eles.
A transmissão do conhecimento e o ensino
Por isso, o entendimento de Fernando Gil como um enciclopedista, é um entendimento errado. Isto, por mais que, além das suas variadas colaborações em enciclopédias, a leitura de certos textos (cf. “Cruzamentos da Enciclopédia”, Prelo, nº especial, 1986) ou o seu próprio percurso de estudante universitário – em Joanesburgo, primeiro, depois, em Lisboa, Direito, e, a seguir, já em Paris, e antes do doutoramento em Lógica, uma tese inacabada sobre Céline, sob a direcção de Lucien Goldmann - o possam sugerir. A filosofia de Fernando Gil é uma filosofia una – tanto quanto tal é possível a qualquer filosofia -, isto é, é uma filosofia que visa, não obscurecendo descontinuidades, buscar as ligações entre os vários planos do pensar humano. Leibniz e Cassirer são antecessores que vêm facilmente ao espírito.
A filosofia de Fernando Gil é uma filosofia una – tanto quanto tal é possível a qualquer filosofia -, isto é, é uma filosofia que visa, não obscurecendo descontinuidades, buscar as ligações entre os vários planos do pensar humano.
O seu ensino, como não poderia deixar de ser, reflectiu essa tendência geral do seu pensamento. Em Portugal, primeiro na Universidade de Lisboa, a partir de 1976; depois, de 1979 em diante, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde foi, a partir de 1988, Professor Catedrático de Filosofia do Conhecimento. E em França, onde, desde 1989, ocupou o cargo de “Director de Estudos” na École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris. Foi ainda Professor Convidado em várias universidades, nomeadamente, nos últimos anos da sua vida, na Johns Hopkins University, Baltimore.
Contribuições para o desenvolvimento do conhecimento filosófico e científico em Portugal
Além do ensino, a sua actividade desenvolveu-se no domínio do universo enciclopédico. Foi consultor da Enciclopédia Britânica, da Enciclopédia Universalis e da Enciclopédia Einaudi (da qual coordenou uma edição portuguesa, publicada pela Imprensa Nacional, a partir de 1984). Colocou igualmente todo o seu saber à disposição de projectos que promovessem o desenvolvimento do conhecimento filosófico e científico em Portugal. Nesse espírito, foi Conselheiro Especial do Presidente da República, Dr. Mário Soares, nos seus dois mandatos, bem como do Ministro da Ciência e Tecnologia, Prof. Mariano Gago. Além de permanente colaborador da Fundação para a Ciência e Tecnologia e, mais tarde, da Fundação Gulbenkian. Os efeitos dessas colaborações foram decisivos no desenvolvimento da investigação filosófica em Portugal, que lhe deve muitíssimo.
Algumas obras que dirigiu testemunham a qualidade extraordinária dessa dedicação, nomeadamente Controvérsias científicas e filosóficas (Fragmentos, Lisboa, 1990), O balanço do século (IN/CM, Lisboa, 1990), A ciência como cultura (IN/CM, Lisboa, 1992) e A ciência tal qual se faz (Lisboa, Sá da Costa, 1999). Registemos igualmente Fichte: crença, imaginação, temporalidade, organizado conjuntamente com Virginia López-Domínguez e Luísa Couto-Soares (Campo das Letras, Porto, 2002), O processo da crença, dirigido em colaboração com Pierre Livet e João Pina Cabral (Gradiva, Lisboa, 2004) e Terrorismo e relações internacionais (Gradiva e Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2006). E, talvez mais importante ainda do que o anteriormente referido, neste contexto, a criação da revista Análise, em 1984, cuja direcção assegurou até ao número 20 (1998), no seguimento de projectos mais efémeros, como Estudos filosóficos e Filosofia e epistemologia.
O impulso da sua actividade filosófica manifesta-se ainda na influência da sua obra, sobretudo em Portugal, Brasil, França e Itália, e nas construções filosóficas que a ela devem a fonte da sua inspiração.
Impulsos da obra
Mas a importância de Fernando Gil para a filosofia – que suscita, entre várias outras edições, a publicação de livros como, por exemplo, aqueles organizados por António Braz Teixeira (A razão apaixonada, IN/CM, Lisboa, 2008) e Maria Filomena Molder (Paisagens dos confins. Fernando Gil (Vendaval, Lisboa, 2009) – não se fica por aquilo que antes foi dito. O impulso da sua actividade filosófica manifesta-se ainda na influência da sua obra, sobretudo em Portugal, Brasil, França e Itália, e nas construções filosóficas que a ela devem a fonte da sua inspiração.
Distinções
A acabar, devem-se mencionar alguns prémios e distinções de que foi alvo. Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique (1992), Prémio Pessoa (1993), Chevalier de l’Ordre des Palmes Académiques (1995), Doutor Honoris Causa pela Universidade de Aveiro (1998). Dois dos seus livros foram igualmente distinguidos: Mimésis e Negação (Prémio de Ensaio do Pen Clube Português, 1985), Viagens do Olhar. Retrospecção, Visão e Profecia no Renascimento Português, em colaboração com Helder Macedo (Prémio Jacinto Prado Coelho, 1998, Prémio de Ensaio Pen Clube Português, 1998).
Agradecimento
A Fundação para a Ciência e a Tecnologia e a Fundação Calouste Gulbenkian gostariam de expressar publicamente o seu agradecimento ao Prof. Paulo Tunhas pelo apoio e contribuições feitas para esta primeira edição do Prémio Internacional Fernando Gil.
Obra
![[Infografia] Timeline](/wayback/20180717134916im_/http://fernando-gil.org.pt/img/timeline.png)
- Aproximação Antropológica, Guimarães Editores, Lisboa, 1961
- La Logique du Nom, L’Herne, Paris, 1972
- Mimésis e Negação, IN/CM, Lisboa, 1984
- Provas, IN/CM, Lisboa, 1986
- Traité de l’évidence, Millon, Grenoble, 1993
- Modos da Evidência, IN/CM, Lisboa, 1998
- Viagens do Olhar. Retrospecção, Visão e Profecia no Renascimento Português, em colaboração com Helder Macedo, Campo das Letras, Porto, 1998
- La Conviction, Flammarion, Paris, 2000
- Mediações, IN/CM, Lisboa, 2001
- Impasses, seguido de Coisas Vistas, Coisas Ouvidas, em colaboração com Paulo Tunhas e Danièle Cohn, Europa-América, Mem Martins, 2003
- A Quatro Mãos. Schumann, Eichendorff e outras notas, em colaboração com Mário Vieira de Carvalho, IN/CM, Lisboa, 2005
- Acentos, IN/CM, Lisboa, 2005