Palácio Baldaya, a nova casa da cultura de Benfica, abre as suas portas à comunidade

REPORTAGEM
Samuel Alemão

Texto

CULTURA

Benfica

29 Agosto, 2017




Ainda não será o cumprir da perene promessa de construir uma biblioteca “a sério” numa das mais populosas freguesias de Lisboa, mas os livros serão protagonistas centrais do renovado Palácio Baldaya, a inaugurar a 1 de setembro. Depois de quase um século a servir de casa do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária (LNIV), o edifício construído no final século XVIII como parte da Quinta do Desembargador, e situado junto à Estrada de Benfica, foi reabilitado e ambiciona ser o novo centro cultural de uma zona da capital com cerca de 37 mil habitantes, 12 mil estudantes e três estabelecimentos de ensino superior. Cumpre-se uma promessa: o imóvel, até aqui esquecido, de tom pardacento e no qual ninguém reparava, ganha côr, abre as suas portas e enche-se de vida.

Uma ludoteca infantil, com capacidade para receber crianças surdas-mudas, um espaço de cowork, salas para exposições e ensaios e ainda um núcleo de formação profissional garantem que o centenário prédio funcionará como local dedicado ao conhecimento. “Há mais de 20 anos que existia esta ambição de criar uma biblioteca e um centro cultural aqui nesta zona da cidade. Trata-se, sem dúvida, de um momento muito importante, de grande simbolismo”, diz Inês Drummond (PS), a presidente da junta, sentada num dos bancos do jardim do palacete, que poderá também vir a ser apreciado a partir da esplanada da cafetaria – em abril passado, um espectáculo musical ali realizado já revelara a muita gente os encantos desconhecidos do palácio.

A autarca aproveita a visita d’O Corvo, na manhã desta segunda-feira (28 de agosto), para fazer uma pausa na vertigem de trabalho em que se tem visto envolvida, nos últimos dias, juntando-se aos funcionários da junta e das empresas contratadas, para que tudo esteja a postos para a festa de “reabertura”, como prefere chamar ao momento do franquear de portas à comunidade de um edifício com mais de dois séculos. Um acto de vandalismo, no final da semana passada, materializado em manchas de tinta preta atirada às paredes e aos vidros do interior do reabilitado edifício, obrigou ao redobrar de esforços, durante o fim-de-semana. Acto ao qual se juntou muita gente.

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“Só ontem, domingo, estiveram cá 30 voluntários, pessoas anónimas, famílias com crianças e avós. Logo no sábado, tínhamos velhinhas à porta a querer entrar para ajudar”, conta a presidente da junta, orgulhosa do empenho cívico demonstrado pelos seus fregueses, mas também pelas cinco de mãos de tinta branca que ela mesma teve de dar com o rolo, numa das paredes sabotadas, para apagar as persistentes marcas das indesejadas garatujas.

Uma azáfama justificada pelo apertar do prazo. Tudo terá que estar impecável para a festa que, entre 1 e 3 de setembro, dará a conhecer o novo pólo cultural de Benfica, agora oficialmente chamado de Palácio Baldaya – deixando de ser grafado “Baldaia” –, em sinal de respeito pela grafia original do nome de Joana Baldaya. Dona do palácio durante as primeiras décadas do século XIX, tendo-o recebido como prenda de casamento, é hoje apontada como “uma mulher à frente do seu tempo”, apostada na educação das crianças e na emancipação feminina. A sua memória será agora evocada através de um painel pintado numa parede lateral do edifício, concebido pelo artista Raf.

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Lá dentro, sob o tecto daquela que foi a sua casa, funcionará uma biblioteca, cujo acervo de 30 mil livros será construído a partir de duas grandes doações, uma do Diário de Notícia e outra do sindicado dos trabalhadores do sector dos seguros, mas também das realizadas por muitos cidadãos anónimos. Existirá como biblioteca provisória, sabe-se já, até que seja construída a definitiva Biblioteca de Benfica, com 2 mil metros quadrados e a edificar nos terrenos da Fábrica Simões, como contrapartida pela sua futura urbanização.

O espaço de cowork (trabalhado partilhado) terá capacidade para 16 pessoas e nele se pretende albergar – a troco de mensalidades que vão dos 25 euros aos 100 euros por pessoa, consoante o grau utilização do mesmo – um ambiente favorável a projectos de criação artística, sem descurar a sua vertente profissional. “Vamos analisar as propostas, temos recebido muitas”, diz Inês Drummond sobre a valência que permitiu somar 150 mil euros, através do Orçamento Participativo (OP) de Lisboa, ao total de 400 mil em que projecto do Palácio Baldaya está estimado – entretanto, e dada a dimensão assumida por essa vertente, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) mobilizou mais 80 mil euros para a junta, que custeia tudo o resto.

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Foi, aliás, a intervenção da CML que tornou possível a, há muito desejada, transformação do decadente palacete no novo pólo cultural de Benfica, assinala a presidente da junta, lembrando o contrato de comodato assinado, em 2014, entre a câmara e a Estamo – imobiliária encarregue da alienação de imóveis públicos e que assumira a propriedade do edifício após a saída do LNIV, no ano anterior. O laboratório estatal havia ali sido instalado em 1913, vindo a permanecer durante um século.

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A festa de inauguração, ou de reabertura, como prefere Inês Drummond, decorrerá no jardim e nas diversas salas do palacete, durante três dias (1,2 3 de setembro), e apresenta um extenso e diversificado programa cultural, no qual se incluem exposições, música, actividades para crianças, tertúlias, arte urbana, uma feira do vinil e um chá dançante.

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COMENTÁRIOS

  • Bruno Castro
    Responder

    Ana Pinto Gonçalves

  • Teresa Padilha
    Responder

    Paula Saraiva

  • Teresa Padilha
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    Joana Valente

  • Catarina de Macedo
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    Está muito bom e a pintura do mural estilo Arte Nova de Alphonse Mucha é linda. Se ao menos todas as grafitis fossem assim…

    Só há uma questão que me incomoda e outra que me preocupa. A que me incomoda é terem escolhido gravilha/brita para cobrir os espaços pedonais do jardim. Tal como a areia, este material é extremamente desconfortável para se andar e extremamente inestético. Uma calçada ficava linda mas como pode ser demasiado cara para o orçamento, ao menos podiam ter deixado o piso em terra batida que acabava por ser melhor.

    Já a questão que me preocupa foi a cor escolhida para pintar o palácio. A cor foi escolhida com base na cor original ou foi escolhida com base nos critérios pessoais de quem o restaurou? Na restauração de edifícios históricos tem de haver rigor. Não podem ser os gostos pessoais de cada um a ditar o que se faz com tamanha herança histórica. No palácio de Queluz, por exemplo, houve essa preocupação e ao fim de estudos aprofundados concluiu-se qual era a sua cor original e pintaram-no de acordo com isso. Não é por acaso que a equipa de restauro deste palácio recebeu um prémio internacional por esta e outras intervenções. Gostava de saber se foram tidos os mesmos cuidados quanto à pintura do palácio Baldaya.

  • Vítor Vieira
    Responder

    Há coisas que não gosto: pintura dos azulejos exteriores, tintas texturadas nas paredes, alumínios brancos e pretos.
    Também há coisas que gosto: zona da cafetaria, jardim, salas de exposições…
    No jardim, espero que ainda façam umas melhorias, nomeadamente através de umas barreiras acústicas altas, disfarçadas com árvores altas (ou de crescimento rápido) e arbustos, pois quem mora nas redondezas merece descanso.
    E os concertos, a existirem no jardim, não devem passar das onze horas.

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