O mistério dos retrovisores vandalizados que está a agitar dois quarteirões da Lapa

REPORTAGEM
Samuel Alemão

Texto

VIDA NA CIDADE

Estrela

23 Fevereiro, 2018

(A Junta de Freguesia da Estrela informou O Corvo de que, entretanto, o presumível responsável pelas acções de vandalismo dos últimos meses terá sido detido pela PSP, durante a madrugada desta sexta-feira, 23 de fevereiro)

 

Por entre os raios de sol do princípio da tarde em que se banha, de mãos nos bolsos, na esquina das ruas de Buenos Aires e da Sant’Ana à Lapa, Manuel Delgado, 71 anos, garante estar quase a ser resolvido o grande caso, dos últimos meses, naquelas bandas. “Sei que a polícia está a pôr agentes à paisana a circularem por aqui, a ver se o apanham. Já não falta muito para lhe meterem a mão em cima”, assevera. O porteiro do 26 da Buenos Aires, prédio que viu construir, em 1972, quando veio do “Ultramar”, está empenhado no apertar do cerco à pessoa ou grupo que, desde o final do ano passado, tem causado o caos naquela zona.

Os actos avulsos de vandalismo, cada vez mais frequentes, contra automóveis estacionados na via pública, mas também edifícios, tiraram o sossego a este recanto abastado da cidade, habituado a uma certa pasmaceira. E estão a revelar-se um caso de difícil resolução. Os retrovisores dos carros são o alvo preferencial. Apenas na madrugada desta quarta-feira (21 de fevereiro), foram roubadas ou danificadas uma dúzia de viaturas. E, na noite seguinte, pelo menos uma outra viu um dos seus espelhos partidos. A situação está a preocupar o presidente da Junta de Freguesia da Estrela, à qual muitos se dirigem em busca de explicações.



Embora esteja por descobrir quem se dedica a tais actividades, existe uma forte suspeita de a mesma ser obra de um só indivíduo. “Não sabemos quem foi, mas suspeita-se que será apenas uma pessoa, com perturbações mentais”, diz Manuel Delgado, de cujo automóvel desapareceu o espelho retrovisor por duas vezes em novembro e outra em janeiro. “É que ele não faz isto para roubar, é só para destruir. Muitos dos espelhos que não são partidos são encontrados, depois, nos contentores do lixo e nas papeleiras”, explica o porteiro, numa versão ouvida diversas vezes, por O Corvo.

“Isto começou em agosto passado, com alguns casos, e agora tem aumentado. Os retrovisores aparecem no chão ou nas papeleiras”, conta Filipe Correia, que explora o quiosque tabaco e jornais mesmo em frente. Há, contudo, quem garanta que o início destes problema apenas sucedeu em dezembro. Certo é que a sensação de insegurança se intensificou nos últimos dois meses. Desde então, têm aumentado a frequência e a dimensão dos actos de sabotagem.

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Tanto que o que começou por parecer um conjunto disperso de ocorrências de vandalismo, aparentemente sem ligação entre si, foi crescendo, até se transformar no “caso” que está a dar que falar no perímetro compreendido entre a Rua de Sant’Ana à Lapa, a Travessa do Moinho de Vento e a Rua de Buenos Aires. Dois quarteirões em sobressalto. Razão suficiente para as conversas dos vizinhos desembocarem muitas vezes no tema.

“Está a tornar-se muito regular, quase diário. Como é óbvio, isto é um incómodo muito grande para as pessoas. Não me lembro de um desrespeito pela propriedade tão grande aqui nesta zona”, comenta a O Corvo Luís Newton (PSD), presidente da Junta de Freguesia da Estrela, que diz estar em contacto diário com a PSP. “Eles estão a acompanhar o caso, mas não está fácil”, admite.

O autarca confirma que as suspeitas recaem sobre um indivíduo, ainda por identificar. “Tudo aponta para que seja o trabalho de uma só pessoa”, diz o presidente da junta, à qual muitos recorrem, queixando-se das cada vez mais frequentes situações de vandalismo contra automóveis – além dos preferenciais retrovisores, outro alvo frequente têm sido as hastes dos limpa pára-brisas -, mas também contra edifícios. “Uns clientes nossos contaram que lhe meteram palitos e fósforos nas fechaduras das portas dos prédios”, conta uma farmacêutica da Rua da Lapa.

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Uma cenário relatado também num salão de cabeleireiro situado na Rua Buenos Aires. Paula Oliveira, dona do estabelecimento ali instalado há 18 anos, e residente em Alfragide, viu desaparecer, por duas vezes, no mês passado, o espelho retrovisor do seu carro. Algo que aconteceu durante o dia, único período em que tem o automóvel estacionado na zona. “Isto é muito chato, é um prejuízo”, constata. Outra moradora, Maria Marecos Duarte, diz a O Corvo que, desde que esta vaga destruidora teve início, já vai no quinto espelho retrovisor substituído.

Em frente do salão de beleza, está estacionada uma carrinha Mercedes a quem foi partido o espelho retrovisor do lado direito, na última madrugada. Garante-se a O Corvo que já é a segunda vez que o fazem àquele veículo. Ao lado, fica uma pastelaria, à porta da qual está a fumar Rosa Araújo, também ela dona de um cabeleireiro, mas na Rua de Sant’Ana à Lapa. “Desde de dezembro que eles andam aí. Só numa semana, roubaram-me três vezes o botão da campainha do meu salão”, conta, antes de revelar a solução encontrada para lidar com a situação: comprou uma sineta.

Ante a reconhecida dificuldade da PSP em atender às solicitações da população que a ela se dirige – algo que acontece um pouco por toda a cidade de Lisboa -, o presidente da Junta de Freguesia da Estrela recorda que gostaria de ver as juntas assumirem competências na área da segurança. “Poderíamos, por exemplo, assegurar o reforço dos meios financeiros das esquadras da nossa área, ajudando a suportar os custos de funcionamento”, diz Luís Newton.

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COMENTÁRIOS

  • calceteiro de lisboa
    Responder

    no caso das viaturas estacionadas em cima do passeio, até deviam era partir os dois retrovisores…

  • Filomena
    Responder

    Não será que isso acontece a carros mal estacionados em cima dos passeios a impedir a passagem dos peões? Se for esse o caso, o que a polícia deve fazer é multar os carros em vez de andar atrás de quem está farto de ter de circular pelo meio da estrada, sujeitando-se a ser atropelado (e ainda ser considerado responsável pelos eventuais danos que a viatura sofrer).

  • Paulo Só
    Responder

    Vou de certa forma no sentido da Filomena. Deixei o meu carro na rua de São Domingos num lugar, só depois reparei, reservado aos moradores com dístico para aquele local. Eu tenho dístico para a zona, mas não para aquele local. Dois dias depois quando fui buscar o carro, tinham tirado as palhetas dos limpa-vidros. Analisei a questão: os 4 outros carros parados naquele local tinham o dístico de moradores, só o meu não tinha. E nada lhes acontecera. Conclusão: foi um morador que arrancou as palhetas do meu carro. Portanto não coloquem tudo sob o signo da insegurança e do vandalismo. Vandalismo é coisa comum entre os donos de carros de Lisboa, por exemplo aqueles que param na linha do eléctrico. As ruas de Lisboa são um campo de batalha e de privilégios. Aquelas 4 ou 5 vagas da São Domingos são privativas de um prédio onde mora um figurão da política.

    • jo in
      Responder

      envie-me quem é o politico para eu investigar.

  • Anónimo
    Responder

    E portanto concorda que se faça justiça pelas próprias mãos?
    Ao que chegámos.
    Será que as pessoas que aqui comentam ao menos pensam um pouco antes de escrever?!

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