Há 250 anos nascia o Jardim Botânico da Ajuda como escola de príncipes

REPORTAGEM
Sofia Cristino

Texto

Paula Ferreira

Fotografia

AMBIENTE

Ajuda
Alcântara

6 Julho, 2018


“Se retirarmos a casca interna da árvore e a enrolarmos, temos um pau de canela. Já sabem que não vem do supermercado, mas desta espécie, da Indonésia”, explica Miguel Teixeira, para surpresa de algumas crianças do ensino pré-escolar que visitam o Jardim Botânico da Ajuda (JBA). O guia vai contando a história das 1640 espécies existentes no jardim, algumas com mais de 400 anos, ao mesmo tempo que satisfaz as dúvidas dos mais curiosos. “Já ouviram falar dos dinossauros? Há milhões de anos que se extinguiram, mas os alimentos que comiam, como as Cicas (Cycas), ficaram. Estão aqui”, diz, apontando para a planta. A visita guiada, denominada “Histórias do jardim”, insere-se num conjunto de actividades planeadas para comemorar os 250 anos do JBA, o primeiro jardim botânico português, que acaba por passar despercebido a quem passeia pela Calçada da Ajuda ou reside noutras zonas da cidade.

Atrás de muros de pedra altos, escondem-se sementes de todas as partes do mundo, plantas e uma árvore mais antiga que o próprio jardim – o dragoeiro com 400 anos. Surgido numa Lisboa que se reerguia do terramoto de 1755, o espaço verde idealizado pelo naturalista italiano Domingos Vandelli está organizado em dois patamares. No terraço inferior, os pavões dão as boas-vindas ao lado mais místico deste sítio, onde se encontram esculturas setecentistas e a Fonte das 40 Bicas, que voltou a jorrar água recentemente, após ter sido restaurada pela Associação dos Amigos do Jardim Botânico da Ajuda. Os labirintos verdejantes de arbustos simétricos fazem lembrar os jardins de Versalhes, conferindo ao espaço de recreio um certo romantismo.

O terraço superior é mais procurado para fins de investigação científica e ensino, sendo aqui que se encontra uma colecção botânica organizada em canteiros. Ao percorrer o labirinto de arbustos e pequenas espécies, encontramos, ainda, três estufas – uma serve de restaurante, outra acolhe plantas suculentas, catos e bromeliáceas e uma terceira já alberga uma das mais importantes colecções europeias de orquídeas. A estufa de D. Luís foi mandada construir no séc. XIX para o cultivo exclusivo desta flor, a preferida do rei. Desde 2015, acolhe 300 espécies, doadas por um casal finlandês à Universidade de Lisboa.

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Um tesouro pouco conhecido da maioria dos lisboetas

O jardim botânico pertenceu, ao longo de muitos anos, à Casa Real – e durante um período à Academia das Ciências – até à implantação da República, em 1910, quando foi entregue ao Instituto Superior de Agronomia (ISA), da Universidade de Lisboa. Após o terramoto de 1755, o rei D. José mudou a residência real, antes situada no Terreiro do Paço, para a encosta da Ajuda. A conselho do Marquês de Pombal, o rei escolheria um dos terrenos anexos à nova casa para fazer o jardim, um museu de História Natural e um gabinete de Física, onde os netos, os príncipes D. José e D. João, poderiam estudar. “O Marquês de Pombal, como viajava muito, tinha a noção do que era a Europa mais evoluída. Ainda tínhamos as colónias e muitas plantas que vinham de lá, por isso, foi fácil fazer um jardim desta índole”, explica uma técnica superior do Jardim Botânico da Ajuda.

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O jardim, tal como o conhecemos hoje, resulta de obras de restauro profundas, realizadas com o apoio do Prémio Conservação do Património Europeu, em 1994. Na altura, foi recuperada a colecção botânica, instalado o Jardim dos Aromas e plantadas novas espécies de plantas – passando de 120 para 1640 espécies. Após esta requalificação, a entrada no jardim, até então gratuita, passou a ser cobrada. Mais recentemente, em 2003, e a pedido de alguns moradores, foi criado um cartão de entrada gratuita para os habitantes da Ajuda “recordarem memórias de infância”. “Faz uma grande diferença ter alguém a cuidar e a gerir o espaço, o custo de entrada tem uma justificação. A colecção botânica exige um cuidado praticamente diário, senão perdíamos plantas.  Aquelas que se mantiveram, as 120 iniciais, são as árvores maiores e as mais antigas”, explica ainda a técnica do JBA.

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No âmbito das comemorações dos 250 anos do Jardim Botânico da Ajuda, durante o mês de Julho vão passar pelo jardim artistas como Lena d’Água, Carlos Alberto Moniz e o grupo UniVersus Emsemble, em concertos realizados ao final da tarde. Em Agosto, vão realizar-se visitas guiadas ao pôr do sol, às quintas-feiras e, até 25 de Agosto, vai ser possível ver dragões, pássaros e caracóis, numa exposição de cerâmica de António Vasconcellos, já em exibição. No próximo dia 24 de Julho, entra em circulação a moeda comemorativa dos 250 anos do jardim botânico no valor de dois euros, criada pela Casa da Moeda, numa cerimónia acompanhada de um concerto. Na última semana de Setembro, realizar-se-ão workshops de plantação de catos, suculentas e bromeliáceas e, no último dia deste mês, Marquês de Pombal e Vandelli voltarão ao jardim através de uma recreação histórica.

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