Miradouro de Santa Catarina vai mesmo ser vedado e poderá funcionar todos os dias entre as 7h e as 23h

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Sofia Cristino

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Misericórdia

6 Março, 2019

Na próxima segunda-feira (11 de Março), a Assembleia de Freguesia da Misericórdia vai votar favoravelmente o projecto de requalificação do Miradouro de Santa Catarina, cabendo a decisão final aos vereadores do município. O vereador dos Direitos Sociais, Manuel Grilo (BE), já tinha prometido, no mês passado, chumbar a proposta, mas a abstenção dos vereadores do CDS-PP, agora avançada a O Corvo, vem desequilibrar as contas e alterar o resultado final. “O presidente da câmara está a ser teimoso e não quer insistir com a Administração Interna para aumentar o policiamento. Na falta de alternativas, este será o nosso voto”, diz o vereador do CDS João Gonçalves Pereira. O presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina (PS), pediu à assembleia de freguesia da Misericórdia que deliberasse sobre o projecto e à junta que redigisse um parecer sobre o mesmo. Neste, a autarquia pede para ser a concessionária do quiosque do miradouro e responsável por decidir o horário de funcionamento do espaço, sugerindo que este seja entre as 7h e as 23h.

O Adamastor deverá mesmo ser delimitado por uma vedação. O polémico projecto de requalificação do Miradouro de Santa Catarina, encerrado desde Julho do ano passado, será votado na próxima segunda-feira (11 de Março), na Assembleia de Freguesia da Misericórdia, cabendo depois a palavra final aos vereadores do município. O vereador dos Direitos Sociais, Manuel Grilo (BE), já prometeu chumbar a proposta de colocação da vedação, no mês passado. O vereador do PCP João Ferreira estará, neste momento, em conjunto com o outro elemento da vereação comunista, a preparar uma nova proposta de requalificação para o Adamastor, não querendo ainda pronunciar-se sobre o sentido de voto. Os vereadores do PSD, Teresa Leal Coelho e João Pedro Costa, também ainda não anunciaram a decisão final, apesar de já se terem manifestado publicamente contra o projecto. Mas este deverá ser viabilizado pelo CDS-PP.

 

O vereador João Gonçalves Pereira garante agora a O Corvo que os quatro eleitos centristas deverão abster-se, permitindo assim o avanço da proposta, com os votos favoráveis garantidos dos oito eleitos socialistas. “Fomos os primeiros a chamar a atenção para os problemas de insegurança e não temos nenhuma objecção de princípio. Como o policiamento e a videovigilância não avançaram, como pretendíamos, parece ser a única solução. O presidente da câmara está a ser teimoso e não quer insistir com a Administração Interna para aumentar o policiamento. Na falta de alternativas, este será o nosso voto”, diz.

O presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), Fernando Medina (PS), anunciou, na apresentação pública do projecto, no passado 13 de Fevereiro, que a Assembleia de Freguesia da Misericórdia teria de se pronunciar sobre o assunto. A presidente da Junta de Freguesia da Misericórdia, Carla Madeira (PS), diz que a decisão de Medina – em pedir à assembleia de freguesia uma deliberação sobre o assunto – foi uma forma “de envolver todos na decisão”. “A obra é deles e podiam manter a decisão sem o nosso parecer, pareceu-me muito sensato considerarem a nossa opinião”, sublinha. A autarca socialista, que votará favoravelmente, diz que os moradores “sentem-se aprisionados”, não pela vedação, mas pelas pessoas que frequentam o miradouro. “Assim, já não correm o risco de levarem com um sofá ou outros objectos. Nunca aconteceu ali uma desgraça por sorte. Poderão surgir outras alternativas, mas neste momento é a melhor”, assegura.

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A aprovação do projecto fará com que o Adamastor não volte a ser de acesso totalmente livre

O parecer sobre o plano de requalificação do Adamastor, pedido pela Câmara de Lisboa à Junta de Freguesia da Misericórdia, no passado 25 de Fevereiro, diz que o Miradouro de Santa Catarina “é um espaço público e será sempre”. “Não é privatizado, nem privatizável”, lê-se. Segundo o documento, a que O Corvo teve acesso, porém, têm de se implementar “medidas preventivas de segurança, através da definição de um horário de acesso e utilização do Jardim do Miradouro de Santa Catarina”. O horário do espaço “deve ser definido pela Junta de Freguesia da Misericórdia, adoptando como referência o horário entre as 7h00 e as 23h00”.

 

Na apreciação favorável pede-se um reforço do policiamento e a instalação de câmaras de videovigilância na zona do Bairro de Santa Catarina, um reforço da iluminação pública, a concretização de um projecto de requalificação do espaço público e que se passe a gestão da concessão do quiosque para a junta de freguesia. O documento sugere ainda que o Hotel de Santa Catarina não utilize “qualquer zona pública, nomeadamente para estacionamento”. A instalação do gradeamento, sublinha-se, “constitui uma medida preventiva adoptada em outros espaços públicos da cidade e que obteve bons resultados”, como os jardins do Torel e de Santos. A instalação da vedação evitará, alega-se, “comportamentos desviantes e actos ilícitos”. O executivo da junta de freguesia salienta não ter recebido mais nenhuma “proposta formal, efectiva e material” além desta.


 

Apenas com um projecto em cima da mesa, em assembleia de freguesia, o PS votará favoravelmente, o BE e o PCP votarão contra e o PSD e o CDS-PP abster-se-ão. Ao serem aprovadas, as obras devem avançar nos próximos meses. Duarte Vasconcellos, vogal do CDS-PP na assembleia de freguesia da Misericórdia, inicialmente não concordou com a colocação de um gradeamento no Adamastor, mas admite ter mudado de opinião. “Quando foi feito o fecho abrupto do espaço, condenámos a forma de actuação da câmara, e até cheguei a manifestar-me contra a solução do fecho. Não foi, de facto, a mais correcta. A minha opinião foi-se alterando com os relatos que ouvi”, explica – mudança que, ainda assim, não corresponderá a um voto favortável, antes a uma abstenção.

 

A colocação ou não de uma vedação metálica, com dois metros de altura e três portas, no miradouro – de forma a fechar durante o período nocturno – é a proposta que tem dividido mais opiniões. Muitos receiam a privatização do espaço público, mas grande parte dos moradores, cansados do ambiente de insegurança, acreditam que a cerca poderá resolver os vários problemas da zona. “Todas as pessoas que ouvi são a favor. A ideia do horário de fecho do espaço tem a ver com muitas situações que os moradores relataram, desde móveis e colchões a arder lançados pelo ar, pessoas a tocarem batuques pela noite fora, entre outras. E isto não são condições de vida para ninguém. Também não me parece que a vedação fira a vista”, defende o representante do CDS na assembleia de freguesia da Misericórdia.

 

 

O problema do consumo e de tráfico de droga, porém, “terá de ser resolvido de outra forma”, com mais policiamento e câmaras de videovigilância. No passado dia 27 de Fevereiro, recorda, o vereador da Segurança, Miguel Gaspar (PS), anunciou que lançará um concurso público, ainda este semestre, para a instalação de 200 câmaras de videovigilância em dezasseis zonas da cidade. “Sei que algumas serão instaladas em Santa Catarina, e será também uma forma de garantir que quem ali vive pode descansar e estar seguro”, diz.

 

António Pinto de Abreu, vogal do PSD, promete abster-se. “Não quero acreditar que, de cada vez que haja um problema, se vede o espaço público. Acredito que esta solução não tem um carácter definitivo, e que a vedação surge apenas para se regenerar as zonas ajardinadas. Sentimos que as pessoas precisam de uma solução urgente”, explica. António Pinto de Abreu não acredita, contudo, que a cerca diminuirá a insegurança da zona. “Os problemas apenas se deslocam para outras partes da freguesia. É preciso aumentar a segurança do local”, afirma. O representante do CDS na assembleia de freguesia critica ainda o dinheiro gasto naquele sítio, que já tinha sido renovado em 2013. “Faz-me alguma confusão andar a corrigir os erros dos outros, já foi investido muito dinheiro no miradouro”, critica.

 

Os representantes do PSD na Assembleia de Freguesia da Misericórdia propuseram, diz ainda, à Câmara de Lisboa que aprovasse a proibição de bebidas a partir da meia-noite, estipulada na Regulamento Municipal do Ruído. “Pedimos que esta medida fosse votada e imposta, mas também há muita pressão das cervejarias. Não somos contra a vida nocturna, mas não podem existir espaços com 20 metros quadrados a servirem mais de 300 pessoas à porta”, considera.

 

 

Cátia Severino (BE) e Luísa Rodrigues (PCP) asseguram votar contra o projecto de reabilitação do Miradouro de Santa Catarina, uma posição que têm mantido desde o início do processo. “Os espaços públicos devem ser livres, somos contra qualquer projecto que envolva barreiras. E há uma vivência dos jardins, à noite, que não se pode impedir. De certeza que há outras soluções a nível arquitectónico, mais horizontais em vez de verticais”, considera Luísa Rodrigues. A vogal do PCP na assembleia de freguesia da Misericórdia pede mais investimento social, actividades culturais e mais policiamento, para salvaguardar o descanso dos moradores.

 

A vogal do Bloco de Esquerda, Cátia Severino, considera que a colocação da vedação “não resolve nenhum problema”, empurrando-o apenas para a Bica e outras zonas adjacentes ao Adamastor. “As pessoas, por vezes, assumem o espaço público como uma continuidade da propriedade privada, mas o miradouro não é dos moradores, é de todos. Neste momento, está a ser impedida a utilização do espaço público de todos e a ser posta em causa a nossa liberdade”. Com o aumento do turismo, acrescenta, “chegou-se a uma posição extrema”.

 

“Houve um aumento da gentrificação e da utilização das zonas históricas, e esta não foi excepção. É preciso um reequilíbrio nos processos de gentrificação e dinamização do espaço, como aconteceu no Intendente”, sugere. Cátia Severino apoia um reforço do policiamento, “que tem sido muito penalizado com a sua redistribuição para o Cais do Sodré ou o Bairro Alto”. Quanto à decisão do município em transferir a decisão para a assembleia de freguesia da Misericórdia, a bloquista diz não querer especular, mas acreditar que, por esta via, Medina sabia que “poderia ganhar mais facilmente”.

 

 

O plano de requalificação do miradouro de Santa Catarina tem sido muito contestado desde que este foi encerrado, no Verão de 2018, pela Câmara Municipal de Lisboa (CML). Os utilizadores do espaço foram os primeiros a insurgirem-se contra o gradeamento em redor da estátua do Adamastor, com a criação do movimento “Libertem o Adamastor” e o lançamento de uma petição “Por um Adamastor de todos e para todos”, que conta neste momento com 4108 assinaturas. O vereador dos Direitos Sociais, Manuel Grilo (BE), no final de Janeiro, disse a O Corvo que votaria contra o projecto e propôs que o miradouro se torne “uma sala de espectáculos ao ar livre”, com concertos de música clássica, teatro, dança e divulgação de bandas locais.

 

Apesar das críticas recebidas, a autarquia justificou sempre a medida com a impreterível necessidade de requalificação do espaço público. Sete meses depois do espaço ter sido encerrado ao público, a 13 de Fevereiro era finalmente conhecido publicamente o projecto de recuperação do sítio de onde se tem uma das melhores vistas de Lisboa. A proposta arquitectónica para o Adamastor contemplava a implementação de manchas arbustivas, protegidas por vedações com altura variável até um metro e dez, e, uma novidade: a vedação perimetral, com dois metros de altura e três portas de acesso, para permitir o encerramento nocturno do miradouro.

 

O espaço já foi requalificado em 2013, mas João Nunes, arquitecto e administrador da empresa responsável pelo projecto, PROAP, justifica a nova intervenção com “a radical transformação que a cidade tem sofrido”. “As cargas de gente que a cidade suportava eram completamente diferentes das actuais”, assegurou na apresentação pública do projecto. A Associação de Moradores da Freguesia da Misericórdia recordou que “a Constituição Portuguesa protege o direito ao sossego e o ambiente de qualidade de vida”. Os defensores da vedação do Adamastor criticam os altos níveis de insegurança, tráfico de droga, situações de vandalismo e agressão aos residentes, em alguns casos dentro de casa, e a falta de higiene urbana.  Na discussão final do projecto, Fernando Medina assegurou que “nunca, em qualquer circunstância, o miradouro será um espaço reservado, ou privativo” e reconheceu ter errado ao fechar o miradouro sem que nada tenha acontecido até ao dia de hoje.

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