Newsletter 10 – Crónica Convidada
Comunicar Ciência também é Responsabilidade Social
Nos meios científicos existem duas convicções mais ou menos generalizadas: a de que é baixo o nível de conhecimento científico das populações e a de que os órgãos de comunicação dedicam pouca atenção ao conhecimento científico. Contudo, estas convicções só timidamente são expressas no discurso oficial, apesar de até poderem ter fundamento.
De facto, nas sociedades contemporâneas – acompanhando a evolução do entendimento sobre o chamado “modelo do défice” –, o discurso oficial da comunidade científica já acolhe a responsabilidade de comunicar com a sociedade e de partilhar os resultados da investigação. Nos anos 60 do século XX, esse modelo foi estabelecido com base nas convicções acima referidas: havia um défice de compreensão pública da ciência e os media deviam “educar o público”. Em meados da década de 80, com o relatório “Public Understanding of Science” da Royal Society como marco fundamental, percebeu-se que o problema não era apenas o conhecimento mas também a atitude do público para com a ciência e os cientistas. Já nos anos 90, o entendimento passou a ser o de que também na comunidade científica havia um défice de conhecimento do público, o que levou à inversão dos termos para se falar de “Science Understanding of Public”. As instituições de investigação começaram a dar cada vez mais atenção ao fenómeno e em número crescente têm sido criados gabinetes de comunicação internos, a par de organizações externas dedicadas à comunicação de ciência. Em alguns casos, são os próprios cientistas a assumir essas responsabilidades em exclusivo, acabando por vezes por redirecionar a própria carreira.
Vale a pena recordar um argumento invocado por Carl Sagan na obra de 2012 “Um mundo infestado de demónios, A ciência como uma luz na escuridão”. Diz o autor que «as consequências do analfabetismo científico são muito mais perigosas na nossa época do que em qualquer outro período anterior, devido aos perigos potenciais dos avanços tecnológicos na vida quotidiana, quando mal utilizados».
E é neste contexto que proponho que a comunicação de ciência para o público leigo seja encarada como responsabilidade social. Ora, uma vez que a comunidade científica tem, por pressuposto, uma capacidade de reflexão e discernimento acima da média da população, não parece descabido exigir aos cientistas que, embora sem paternalismos, assumam a responsabilidade social de contribuir para elevar o nível de cultura científica da sociedade. No fundo, é também uma questão de exercício da cidadania.