Newsletter 4 – Arquivo de Ciência e Tecnologia
O Arquivo da Junta de Energia Nuclear
Um dos objetivos do Arquivo de Ciência e Tecnologia da Fundação para a Ciência e a Tecnologia consiste no apoio técnico ao tratamento e disponibilização de arquivos de C&T pertencentes a outros organismos, com interesse para o conhecimento e estudo da história da ciência e das políticas científicas em Portugal. Em 2012, a FCT assinou um protocolo de colaboração com o Instituto Superior Técnico (IST), através do qual passou a deter a gestão arquivística do acervo documental da extinta Junta de Energia Nuclear (JEN) (1954-1979). Foi neste contexto que promoveu o seu tratamento para disponibilização à comunidade científica e ao público em geral.
O projeto de recuperação, tratamento e disponibilização do arquivo da JEN está a ser desenvolvido por profissionais do Arquivo de Ciência e Tecnologia, com o apoio científico e técnico do Instituto de História Contemporânea (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa) e da Direção-geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, respetivamente.
A Junta de Energia Nuclear
A Junta de Energia Nuclear foi criada em março de 1954, na dependência direta da Presidência do Conselho. A sua criação foi sendo desenhada desde 1952 no Instituto de Alta Cultura, que iniciou a promoção dos estudos de energia nuclear em Portugal, pela mão do Prof. Francisco de Paula Leite Pinto (1902-2000), na Comissão Provisória de Estudos de Energia Nuclear. No preâmbulo da lei orgânica da JEN é justificada a sua criação pelo contexto internacional da época, já que em outros países estavam a ser criados organismos especializados em energia nuclear, encarregues não só da investigação nos campos das ciências-base, como também na preparação de pessoal necessário às aplicações dos radioisótopos à medicina, biologia, indústria, agricultura e engenharia.
O final da década de 60 correspondeu ao período áureo da JEN, tendo havido uma revisão da sua orgânica, em 1968. No entanto, ao longo da década de 70, importantes atribuições da JEN foram sendo transferidas para outras instituições – Secretaria de Estado da Indústria, Direção geral de Energia, LNETI – acabando a mesma por ser formalmente extinta em 1979.
O tratamento do arquivo
Após a extinção da Junta de Energia Nuclear, o desmembramento dos seus serviços, a integração noutros instituições e a consequente mudança de instalações do seu arquivo, foram acontecimentos propícios ao abandono de documentação.
A integração de alguns dos serviços da JEN no Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial (LNETI) levou a que o seu acervo fosse incorporado no fundo documental do LNETI. Neste contexto, o arquivo da JEN foi transferido da sede, em São Pedro de Alcântara, para as instalações do LNETI, no Lumiar.
Mais tarde, em 1999, ao abrigo de um protocolo assinado entre a instituição sucessora do LNETI – Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial – e o Instituto Tecnológico e Nuclear (ITN), o arquivo da JEN foi entregue ao ITN, e levado para Sacavém.
Em Fevereiro de 2012, o ITN foi integrado no Instituto Superior Técnico, sendo atualmente designado de Campus Tecnológico e Nuclear – Instituto Superior Técnico, mantendo-se nas instalações que pertenceram ao Laboratório de Física e Engenharia Nucleares em Sacavém. Com estas últimas alterações orgânicas, o arquivo da JEN passou então a estar à guarda do Instituto Superior Técnico, instituição com a qual, como já foi referido, a FCT celebrou um protocolo de colaboração para o tratamento e disponibilização deste mesmo arquivo.
Quando se deu início ao projeto, a prioridade foi a mudança deste acervo, que se encontrava em situação precária e inadequada, para um local que garantisse as condições necessárias à sua preservação. A documentação encontrava-se, na maioria dos casos, nas suas unidades de instalação (U.I.’s) originais, algumas muito danificadas por ação do tempo e degradadas pelas condições ambientais desadequadas, havendo mesmo documentação em tulha no chão.
A dimensão do acervo é de 300 metros lineares, sendo composto por documentos em suporte papel, alguns documentos fotográficos e filmes em película.
A higienização da documentação foi um dos primeiros procedimentos e consistiu na limpeza das U.I.’s para eliminação de poeiras, resíduos de excrementos de insetos e outras sujidades. Pontualmente, foi ainda realizada a remoção de instrumentos de preensão, como clips, ferragens e elásticos, cuja oxidação põe em causa a integridade física dos documentos.
A documentação foi depois colocada em estantes amovíveis, próprias para esta finalidade. Em todas as U.I.’s foi colocada uma cota numérica.
De seguida, iniciou-se o processo de descrição do acervo. O arquivo da JEN está organizado por serviços e, nesta medida a primeira parte do processo de descrição consistiu na identificação e representação destes serviços, tendo em especial atenção a evolução e alterações da estrutura orgânica da instituição, ao longo dos mais de dois decénios de existência.
Este trabalho permitiu que, num segundo momento, se efetuasse a identificação e a descrição das várias séries documentais e a elaboração do inventário. A descrição foi feita ao nível da U.I. e, nalguns casos específicos, ao nível do processo, em aplicação normalizada – DigitArq – e de com acordo com as directrizes da Norma Geral Internacional de Descrição Arquivística e Orientações para a Descrição Arquivística. O inventário do arquivo da JEN está disponível online no Arquivo de Ciência e Tecnologia; a consulta da documentação é feita presencialmente no Campus Tecnológico e Nuclear – Instituto Superior Técnico, em Sacavém.
O arquivo da JEN representa um contributo de importância relevante para o estudo das atividades de investigação e aplicação da energia nuclear para fins pacíficos, no país; das relações estabelecidas, neste contexto, entre Portugal e outros países, nomeadamente, Estados Unidos da América, Canadá, Brasil, Reino Unido, França, Alemanha, Espanha; dos estudos e ante-projectos que levaram à tomada de decisões neste domínios, concretamente através da criação de nova legislação.
Destaca-se, pela dimensão e densidade informacional, a existência de processos que reflectem a cooperação com vários países e organizações internacionais, como por exemplo, a Agência Internacional de Energia Atómica e o Comité de Direcção da Energia Nuclear da Organização Europeia de Cooperação Económica.
Destaca-se, igualmente, a existência de processos sobre visitas realizadas por responsáveis portugueses a entidades congéneres internacionais, bem como a participação em eventos internacionais, alguns dos quais assinalando momentos marcantes na história do estudo e aplicação da energia nuclear. Foi o caso da visita de Francisco de Paula Leite Pinto, presidente da Junta de Energia Nuclear, à Comissão Nacional de Energia Nuclear do Brasil em 18 de Junho de 1965, dia em que Portugal assinou um Acordo para utilização de energia nuclear para fins pacíficos. De salientar, também, a reunião do Conselho de Governadores da Agência Internacional de Energia Atómica na VIII Sessão Ordinária da Conferência Geral, em que presidiu à Delegação Portuguesa Leite Pinto, realizada entre 14 e 18 de Setembro de 1964.
Não obstante as condições precárias de acondicionamento, o acervo da JEN foi poupado a voragens e destruições. Essa condição e o projeto de tratamento concluído, permitem, passadas mais de três décadas da extinção da JEN, que a sua história e memória estejam agora acessíveis em circuitos de investigação nacionais e internacionais.