Investigação nacional identifica fármaco promissor no tratamento da doença de Machado-Joseph
No Instituto das Ciências da Vida e da Saúde (ICVS), da Universidade do Minho, a equipa liderada por Patrícia Maciel deu um passo importante na identificação de um fármaco que poderá retardar a progressão da doença de Machado-Joseph, uma doença neurodegenerativa com ligação aos Açores. Este avanço resulta de mais de dez anos de trabalho de investigação, uma grande parte do qual apoiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).
Os sintomas associados à doença de Machado-Joseph foram descritos pela primeira vem nos anos 1970, em duas famílias açorianas com aqueles apelidos. Esta doença neurodegenerativa é mais prevalecente entre portugueses de origem açoriana: entre descendentes de emigrantes portugueses na Nova Inglaterra (EUA) a prevalência é de cerca de 1 em 4000, e na ilha das Flores perto de uma pessoa em cada 140 sofre da doença de Machado-Joseph. É também conhecida por ataxia espinocerebelosa tipo 3 (SCA3), esta identificada entre algumas famílias europeias. A SCA3 e a doença de Machado Joseph têm características clínicas semelhantes e a mesma origem genética.São doenças caracterizadas por uma falta de coordenação muscular (ataxia) generalizada, resultante da morte de células nervosas que inervam vários músculos do corpo. A doença manifesta-se por um andar cambaleante, semelhante ao do estado de embriaguez, dificuldades em engolir e falar, dificuldade em virar os olhos e, em alguns casos, movimentos involuntários e repetitivos.
Sabe-se já muito sobre a doença de Machado-Joseph: pertence a uma classe de doenças genéticas causadas pela expansão nos cromossomas de uma sequência repetitiva de três “letras” de DNA. A doença de Huntington e o Síndrome do X Frágil são exemplos deste tipo de patologia. No caso da doenças de Machado-Joseph, é o tripleto CAG que é repetido indevidamente: 55 repetições do tripleto causa a doença pois leva à produção de uma forma mutante da proteína ataxina nas células. A ataxina mutante, disfuncional, forma agregados nas células nervosas que se julgam serem tóxicos para as células, levando à sua morte.
O que não existe ainda é tratamento. Na investigação de doenças humanas, e procura de tratamentos, recorre-se muitas vezes a modelos animais, que recriam as manifestações clínicas da doença em humanos. Existem já vários modelos da doença de Machado-Joseph, em ratinho e rato. Três deles foram criados pelo grupo de Patrícia Maciel. O modelo mais recente, descrito no artigo publicado em abril na revista Neurotherapeutics, reúne finalmente as características consideradas necessárias para a realização de ensaios farmacológicos, pois reproduz a doença em toda a sua extensão clínica e patológica. Estes ratinhos contêm nos seus cromossomas 135 repetições CAG, e manifestam sintomas mensuráveis através de uma série de parâmetros – uma condição necessária para se poder testar o efeito terapêutico de qualquer fármaco.
Disponível um modelo com as características desejadas, a equipa testou o efeito do fármaco 17-DMAG sobre a acumulação tóxica das proteína ataxina nas células nervosas. E porquê este fármaco? Segundo Patrícia Maciel “sabendo-se que existe nas células um conjunto de proteínas – as chaperones – cuja função é acompanhar as outras e garantir que as suas “protegidas” adquirem a conformação adequada e não formam agregados, a ideia foi usar uma estratégia farmacológica de aumento dos níveis destas proteínas protetoras”. Sabia-se que o 17-DMAG induz esse aumento, pelo que o primeiro passo foi testar o fármaco num outro modelo animal da doença de Machado-Joseph, muito mais simples que o ratinho – o pequeno verme Caenorhabditis elegans. Neste modelo, o 17-DMAG melhorou os problemas motores e diminuiu a agregação da ataxina nos neurónios. O mesmo se verificou no modelo de ratinho: a administração de 17-DMAG atrasou marcadamente a progressão da doenças, diminuiu a neuropatologia e a formação de agregados de ataxina-3 no cérebro. Por o ratinho ser mais próximo do humano, estes resultados reforçam o potencial terapêutico deste fármaco. Porém, como alerta Patrícia Maciel “Nem um ratinho é um humano, por isso em seguida torna-se sempre necessário pensar em ensaios clínicos em doentes, o que só será feito para um número reduzido de fármacos, os mais promissores.”
A equipa do ICVS percorreu um longo caminho, desde a criação de modelos animais que reproduzam fielmente a doença de Machado-Joseph, até à identificação de alvos terapêuticos e, mais recentemente, de um fármaco com potencial para combater a progressão da doença. Aparte pequenos apoios de associações de doentes, nacionais e internacionais, a FCT tem sido a principal fonte de financiamento da equipa para a criação dos modelos animais e pesquisa de fármacos. Continua a ser com o apoio da FCT que Patrícia Maciel e a sua equipa atual procuram compreender, por exemplo, porque é que, sendo o gene da ataxina mutante ativado em todas as células do corpo, só algumas regiões do cérebro sofrem degeneração. Outra pergunta que motiva os investigadores é compreender o que é que no cérebro envelhecido o torna mais susceptível às doenças degenerativas. São questões cujas respostas terão potencialmente grande impacto, por serem transversais a muitas doenças neurodegenerativas.