Energias renováveis em Portugal: Consenso ou controvérsia?

Energias renováveis em Portugal: Consenso ou controvérsia?

A meio do percurso de investigação sobre as atitudes sociais dos portugueses em relação às energias renováveis, Ana Delicado, investigadora do Instituto de Ciências Socias (ICS) e a sua equipa estão em condições de adiantar que, embora prevaleça o consenso, o tema da instalação de parques eólicos e solares em Portugal suscita “micro-controvérsias” localizadas.

Em estudo, nos planos nacional e local, estão as perceções de decisores, cientistas, políticos, empresas, ONG ambientais e outras organizações da sociedade civil. De acordo com os resultados preliminares do projeto financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), o retrato das perceções sociais face às energias renováveis deverá ser consensual, mas não unânime. Algumas gradações deste “aparente” consenso generalizado conferem apontamentos de controvérsia à temática.

ArtigoEnergia_Equipa_MITEnergyNight2012O discurso das ONG’s de ambiente que, a partida, seria unissonante a favor destas tecnologias, “é muito mais matizado”, sublinha Ana Delicado. A proteção de certas espécies da fauna e flora é o principal argumento de muitas destas organizações, direcionadas para a conservação da natureza, num contexto em que os estudos de impacto ambiental só são realizados em condições específicas, em zonas de rede natura ou para propostas com mais de vinte aerogeradores, no caso dos parques eólicos.

Matizado é também o discurso político: a análise extensiva dos debates parlamentares, disponíveis desde 1980, permite traçar “a evolução das justificações de porquê apostar nas renováveis. Descobre-se que há gradações e diferentes perspectivas relativamente às suas vantagens e desvantagens entre partidos e ao longo do tempo”.

E a opinião pública? E os cidadãos? Ana Delicado afirma que a “A maioria dos pareceres dos cidadãos e grupos de cidadãos são favoráveis. Os parques eólicos são vistos como motores de desenvolvimento local, como resolução do problema da interioridade e até como atração turística. E enfatiza que, mesmo quando existe “ oposição inicial aos parques, esta desaparece depois de construídos”, sendo que “quanto mais participativo é o planeamento das infraestruturas maior é a probabilidade de consenso”.

Há uma apropriação destas estruturas tecnológicas pelas comunidades, uma incorporação da central na identidade local. “As pessoas familiarizam-se com aquele objeto tecnológico na paisagem” acrescenta a investigadora e exemplifica “numa terra em Vila Real as pessoas tiram fotografias de casamento no parque eólico e na central solar de Moura existe um percurso turístico pedestre”.

Ao contrário de outras tecnologias de produção de energia, tais como combustível nuclear ou fóssil, mas também de biocombustíveis e barragens, a energia solar e eólica são geralmente vistas como “limpas “, ” verdes ” ou ” ambientalmente amigáveis”.

No caso das centrais eólicas “as comunidades queixam-se do ruído, da mortalidade da fauna, que não gostam de ver as ventoinhas, mas é predominante um sentimento de indiferença (…). Uma vez que são normalmente estabelecidas em zonas completamente desabitadas, que não se veem das localidades, não tem interferência visual nem o impacto negativo da coincineração ou dos aterros sanitários e, por isso, não geram o mesmo grau de resistência, contestação e conflito.

Central solar tem letra de cante Alentejano alusiva

A maior a nível mundial, à data de implantação, a central solar de Moura é ilustrativa desta apropriação pela comunidade. Ana Delicado considera-o “um estudo de caso surpreendente. Conseguiu o apoio entusiástico da Autarquia que decidiu investir em ciência”: um polo tecnológico com um laboratório de testes de materiais fotovoltaicos e uma fábrica de montagem de painéis solares foram instalados nas imediações.

Em simultâneo, foi lançado um programa de micro-geração local que instalou painéis solares no Centro de Saúde, nos bombeiros, nas Juntas de Freguesia e financiou a instalação em casas particulares. E existe toda uma dinâmica socio -cultural em torno da central, de que são exemplo diversas ações com as escolas sobre as energias renováveis, a incorporação do símbolo do sol em logotipos oficiais e até uma letra de um cante alentejano alusiva à Central.

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Em resultado, Moura e Amareleja “têm uma multidão de painéis solares nos telhados das casas. E toda uma ideologia de divulgação da ciência e tecnologia associada às renováveis que é fascinante”, relata a investigadora.

Embora “a hipótese inicial de que o desenvolvimento das energias renováveis em Portugal explica-se pelo elevado nível de consenso tenha sido, em certa medida “refutada”, prevalece o consenso acerca da energia eólica e solar em Portugal.

Portugal na dianteira das energias renováveis

Em quinto lugar no ranking dos 27 países membros da União Europeia com maior implantação de energias renováveis, Portugal atingiu, em 2010, a ambiciosa meta de 45 % de eletricidade a partir de fontes alternativas. As energias renováveis correspondem já a 25 %​​ do consumo total (a meta para 2020 é de 31%). A aposta mais forte foi na energia eólica: cerca de 250 parques eólicos e 2.349 turbinas geram 4.372,8 MW e, embora com menor expressão, a energia solar chama a si cerca de 2% da energia elétrica produzida.

Na base deste desenvolvimento está, na opinião de Ana Delicado um conjunto de “condições políticas e económicas muito favoráveis, destacando-se o interesse económico das grandes empresas que tiveram recursos para investir massivamente em parques eólicos, e um processo de planeamento que é centralizado e que não leva muito em consideração a participação do público”.

As respostas sociais são um fator essencial para a difusão e sucesso das energias renováveis. Por isso, o projeto pretende produzir conhecimento cientificamente, mas também socialmente relevante, que possa contribuir para melhorar as relações entre ciência e sociedade e promover a participação dos cidadãos na tomada de decisões sócio-técnicas no âmbito das energias renováveis.

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