Entrevista a António Coutinho
A FCT Newsletter conversou com António Coutinho, Coordenador do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia – um órgão consultivo criado há pouco mais de um ano com a missão de aconselhar o Governo em matérias transversais de ciência e tecnologia.
Já alguma vez existiu um órgão consultivo da natureza do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CNCT)?
Havia uma estrutura parecida ou equivalente, o Conselho Superior de Ciência e Tecnologia, que funcionava junto do Ministro responsável pela área da ciência e tecnologia e não junto do Primeiro-ministro, que é agora o Presidente do CNCT. O Conselho é constituído por pessoas escolhidas pelo o que são, em termos profissionais e científicos, não para representar seja o que for. É a primeira vez que existe um órgão desta natureza associado diretamente ao Primeiro-ministro e não ao membro do Governo encarregado da área e, sobretudo, um órgão que tem funcionado com bastante regularidade.
Como se organiza o CNCT?
Temos, em média, uma reunião por mês mas face às frequentes solicitações do Governo e às iniciativas do próprio Conselho, foram criadas comissões de trabalho especializadas que estudam determinadas questões para emissão de parecer, em que os membros se reúnem entre eles e depois trazem ao plenário as discussões que o Conselho, por sua vez, aprova ou retifica.
O Conselho tem mantido uma atividade não só de reuniões muito regulares e muito frequentes, mas também tem mantido um trabalho aturado, penso eu, e isso é evidente pelos pareceres que já foram produzidos pelos membros das comissões respectivas. Eu tenho seguido o trabalho das pessoas, é de facto uma actividade generosa por parte dos membros do Conselho. Sobretudo os que vêm do Porto ou de Coimbra têm que se deslocar para Lisboa com alguma regularidade. É uma actividade que tem sido intensa da parte deles e para a qual têm dado o seu melhor.
Quais são para o CNCT os principais desafios para a Ciência em Portugal e mais concretamente para a investigação científica?
Na reunião de ontem houve uma discussão alargada exatamente sobre esse tópico: quais são os temas a que nos vamos dedicar num futuro próximo. Até aqui tocámos em várias questões, por solicitação ou iniciativa do Conselho, tais como os Laboratórios de Estado, as carreiras de investigação, as cooperações internacionais da ciência e tecnologia em Portugal, a interface do sistema científico-tecnológico com as universidades, ou o Investigador FCT, este último um parecer muito específico; parece-me que os documentos já elaborados deixam transparecer, no seu conjunto, a visão do Conselho, uma visão global e acordada, pois embora cada um de nós tenha divergências em relação a um ponto ou outro, na maioria o Conselho está de acordo. Alguns dos documentos já elaborados introduziriam, certamente, medidas que seriam muito novas no sistema português de ciência e tecnologia.
Por outro lado, o que nos preocupa neste momento é talvez uma modificação progressiva da maneira como a estratégia da ciência e tecnologia tem sido adotada neste país: por um lado o aconselhamento do Governo tem sido muito escasso ao longo dos anos, por outro lado a comunidade científica ela própria nunca foi um modelo de organização representativo, dando origem a que algumas instituições ou associações de cientistas adquirissem, muito repentinamente, uma relevância muito maior do que aquela que de facto têm, porque não há estruturas representativas da comunidade. Por isso, parece-nos que o Conselho está numa posição “charneira” para poder, de alguma maneira, combinar as orientações top-down do Governo com os anseios e os desejos da comunidade científica; podemos ser uma espécie de ponto de encontro, de filtração dos dois lados, de forma a que as grandes estratégias para a ciência e tecnologia em Portugal possam ser adotadas de uma maneira que não seja exclusivamente top-down como tem sido até aqui, mas que contem com uma articulação boa com os anseios da comunidade científica.
A diversidade do Conselho e a qualidade dos seus membros são tais que, parece-me que, de facto, representamos uma boa gama de opiniões da comunidade e das várias áreas da actividade científica e tecnológica e, portanto, podemos servir de conselho para o Governo, mas também de interface com a comunidade, e isso é que gostaríamos de pensar muito a sério no futuro.
Evidentemente que, nesta categoria de problemas, o que põe imediatamente é a questão das smart specialisations e outras estratégias desse tipo, de como enquadrar as estratégias de ciência e tecnologia no país com o Horizon 2020…
No fundo, o CNCT seria, então, uma charneira, não só entre o Governo e a comunidade científica, mas entre o Governo, a comunidade científica, as autarquias, a comunidade de empresários…Porque a estratégia da Europa 2020 implica que todos trabalhem em conjunto…
Tanto mais que há um outro Conselho que foi criado ao mesmo tempo que este, que é o CNEI (Conselho Nacional de Empreendedorismo e Inovação), que tem membros em comum com o CNCT, para poder fazer efectivamente essa transversalidade. Terá que ser mais discutido e decidido, mas penso que o CNCT, poderia num futuro próximo, ao longo do próximo ano, talvez, ter um papel importante.
Gostaríamos de acumular com o tempo, uma série de documentos, em que o pensamento do Conselho está explicitado; já temos uma série deles, mas penso que só depois de termos tocado nos vários aspectos do problema é que poderá haver uma visão de conjunto de como o Conselho vê a ciência e tecnologia em Portugal. Penso que a visão do Conselho começa a ficar composta, porque muitas das questões discutidas são transversais, ou seja, praticamente em todos os documentos que fizemos até agora toca-se nos mesmos pontos: se deve haver carreiras ou não deve haver carreiras, se os contratos devem ser a termo ou não, se deve haver uma avaliação dos docentes e investigadores das universidades. Tudo isso são propostas que temos feito e para as quais começaremos a solicitar com frequência feedback por parte do Governo.
E os pareceres podem também ser pedidos por organizações da sociedades civil?
Não foram até aqui; as solicitações que tivemos foram do Governo, do Primeiro-Ministro, do Ministro da Educação e Ciência e da Secretária de Estado da Ciência. Mas estou certo de que se nos chegarem solicitações, que nos pareçam pertinentes, de outras áreas da sociedade, com certeza que o Conselho terá todo o gosto em se debruçar sobre essas questões.
De facto, o Horizonte 2020 e até agências financiadoras de outros países enfatizam a ligação entre a investigação científica, a inovação e os problemas societais, no sentido de mostrar à sociedade o impacto que essa investigação tem e abrir o canal para que a sociedade também possa questionar o que está a acontecer…
Nós temos adotado um perfil very low key, ou seja, não sei se as pessoas sabem que existe um CNCT. O website que estará online para a semana será a nossa primeira apresentação pública, por assim dizer, mas temos conversado sobre que iniciativas vamos tomar para termos uma presença pública mais alargada e mais notória, e para iniciar esse diálogo e esse debate com a sociedade que nos parece extremamente importante. Ainda ontem discutimos isso: o interesse em envolver stakeholders sociais de vários tipos e nos vários tipos de parecer que teremos que dar.
O CNCT tem funções de scientific advisor, à imagem dos scientific advisors que existem no Reino Unido, na União Europeia e também nos Estados Unidos?
Até agora, sobre coisas muito concretas de aconselhamento científico, nunca nos pediram pareceres, mas o que o Conselho faria seria escolher uma outra comissão externa que pudesse fazer isso. Eu penso que o Conselho tem uma heterogeneidade muito grande, não só de experiências pessoais, porque há gente muito jovem e gente tão velha quanto eu, mas também de todas as áreas de ciência e tecnologia do país e com um peso relativo, que eu penso que corresponde de perto ao que é a divisão por áreas no país. Penso que reúne de facto uma espécie de representative sample do que é a comunidade científica portuguesa.
Nunca nos pediram coisas muito específicas… apesar de algumas serem bastante específicas, como por exemplo, se devemos manter-nos na ESA [European Space Agency], no EMBL [European Molecular Biology Laboratory] ou não, o que se deve fazer com os Laboratórios do Estado. A Comissão trabalhou muito, falou com todos os diretores de todos os Laboratórios de Estado, falou com pessoas representativas dos Laboratórios, produziu um documento que foi muito debatido e muito discutido. Chegámos a um documento que foi muito pensado, muito pesado e que tem um propósito extraordinariamente concreto.
Que balanço faz deste primeiro ano de atividade do CNCT?
Acho que este primeiro ano foi sobretudo para aprendermos como melhor funcionamos entre nós, para nos conhecermos melhor, o que foi importante. Ao princípio muitas pessoas traziam, inevitavelmente, as suas preocupações principais, o que é normal. Houve, sobretudo no princípio, uma certa vontade de muitos de participarem na resolução de problemas que estavam em cima da mesa naquele momento; o Conselho a funcionar como uma espécie de “bombeiro” que vai “apagar os fogos” que estão a aparecer. Discutimos muito isto e, hoje em dia, a maioria pensa que o Conselho existe para produzir pensamento estratégico e não para resolver problemas, o que não quer dizer que não esteja presente quando há problemas graves. Somos um órgão que deve pensar e aconselhar num plano estratégico de médio/ longo prazo. Portanto este ano foi para nos ajustarmos à missão que o Conselho, ele próprio, interpreta daquilo que nos foi dito pelo Governo e também para nos habituarmos a trabalhar em conjunto. Produzimos um certo número de pareceres, mas eu espero bem que este ano consigamos construir algo mais bem arquitetado no conjunto da atividade do CNCT para os próximos dois ou três anos, não só acumular pareceres. Qualquer instituição tem que ter uma estrutura e uma organização de pensamento que permita ter uma visão global.