Governar uma rede sem fronteiras?
NETmundial avança princípios e roteiro para governação da Internet
O encontro Netmundial reuniu em S. Paulo os principais atores internacionais de vários sectores para debater a governação da Internet, nos dias 23 e 24 de abril. Mais de mil representantes de governos de todo o mundo, sociedade civil, setor privado, organizações internacionais e comunidades académica e técnica discutiram propostas para a adoção de um conjunto de princípios universais sobre a governação da Internet e um roteiro para a sua evolução. Deste encontro resultou a “Declaração Multistakeholder NETmundial”, que traça um caminho para preservar a Internet como rede única, aberta e segura. A FCT chefiou a comitiva portuguesa, que assegurou também a co-presidência do Comité de Assessores Governamentais da Netmundial, em conjunto com a Austrália e a China.
O que é a governação da Internet
É a própria história da Internet que define a natureza da rede que conhecemos. Uma rede global constituída por redes autónomas, ligadas, voluntariamente, entre si, a Internet não dispõe de uma entidade central que dirija o seu funcionamento. Existe, sim, uma rede em que diversos setores (multistakeholder network) colaboram na criação de políticas e normas que permitem o seu funcionamento e operabilidade a nível global – a governação da Internet. “A governação da Internet é um tema discutido há cerca de dez anos, desde a Cimeira Mundial sobre a Sociedade da Informação, em 2003 e 2005. Sendo a Internet um fenómeno completamente diferente de todos os outros, tem tido um modelo de governo também bastante diferente” sublinha, Pedro Carneiro, Vice-Presidente da FCT, que chefiou a comitiva portuguesa neste encontro. É por isso essencial promover o debate alargado entre todos os que utilizam e que simultaneamente ‘fazem’ a Internet, para assegurar a sua evolução enquanto rede livre e participada por todos.
O processo inovador de preparação do NETmundialThe Web we can trust, that is the Web we want.
The Web that contributes to peace, that is the Web we want.
The Web that is open and inclusive, that is the Web we want.
The Web of opportunities and social justice, that is why I am here.
Nnenna Nwakanma, Representante da Sociedade Civil
Discurso de Abertura NETmundial
O encontro Netmundial distinguiu-se por promover o debate sobre a governação da Internet fora das instâncias habituais (como o Internet Governance Forum – IGF, a UNESCO ou a União Internacional das Telecomunicações- UIT) e através de um processo inovador de preparação.
Quatro comités representativos dos principais setores envolvidos na governação da Internet geriram diferentes aspetos do encontro, desde o incentivo à participação da comunidade internacional, às questões de logística, passando pelo importante tratamento das propostas recebidas para debate.
As questões debatidas durante os dias do encontro surgiram de duas fases de consulta pública sobre temas centrais à governação da Internet. Ao todo foram recebidos mais de 1000 comentários de 46 países através do site NETmundial. Os comentários da primeira fase integraram a versão preliminar de um documento a ser discutido no encontro, preparada por um dos quatro comités do evento. Esta versão foi alvo de uma segunda consulta pública que encerrou dias antes do início do NETmundial.
Ana Neves, coordenadora do Departamento para a Sociedade da Informação da FCT, integrou a comitiva portuguesa no NETmundial e realça a importância do encontro “Foi a primeira vez desde 2005 [World Summit on the Information Society] que os stakeholders puderam discutir a sociedade da informação e a governação. Em 2005 houve maior intervenção dos governos, que aqui tiveram menor liderança”. Pedro Carneiro sublinha ainda a preparação e o funcionamento do encontro como “um exemplo do muito falado modelo multistakeholder posto em prática, ao vivo.”
Uma centena de países debatem a Governação da InternetThe Internet has been built on the basis of collaboration among a diverse and constantly evolving set of interested parties. And this is a foundational idea that must be preserved.
Vint Cerf, Representante do setor privado
Discurso de Abertura NETmundial
Em S.Paulo, participantes de 97 países debateram a revisão do documento de referência do encontro – a Declaração Multistakeholder NETmundial, que agrupa os contributos dos vários setores em torno da governação da Internet. A presença e participação de governos, setor privado, sociedade civil e organizações e comunidades relevantes, permitiram estabelecer esta Declaração como um ponto de partida legitimado para novas discussões sobre princípios, valores e conceitos na governação da Internet.
É de salientar que muitos dos aspetos consagrados no documento são reconhecidos pela União Europeia. No entanto, a nível internacional, esta visão não é partilhada por todos os países. Rússia, a Índia e Cuba dissociaram-se desta Declaração, defendendo o papel reforçado dos governos, em vez do modelo multisetorial (multistakeholder) de governação da Internet, que considera diversos setores em pé de igualdade. O documento reúne, contudo, os contributos de vários grupos, demonstrando que a governação da Internet deverá ultrapassar questões nacionais e políticas, dado o seu enorme impacto e potencial a nível global.
Portugal foi convidado para copresidir ao Comité de Assessores Governamentais da NETmundial, juntamente com o Brasil, Austrália e China, através da FCT, enquanto responsável pela coordenação das políticas públicas para a sociedade de informação e do conhecimento em Portugal, chefiou a comitiva portuguesa.
45 years ago, Vint Cerf and Bob Kahn put together the idea of the Internet, designed that, and made that open. 25 years ago, so that’s a long time later, the Internet was running. (…) The Web that we will have in another 25 years’ time is, by no means, clear. But it is completely up to us to decide what we want to make that Web, what we want to make that world.
Tim Berners Lee, Representante da comunidade Técnica
Discurso de Abertura NETmundial
Principais aspetos da Declaração Multistakeholder NETmundial
A Declaração Multistakeholder NETmundial identifica princípios para a governação da Internet e os processos que dão forma a esses mesmos princípios. Inclui ainda um Roteiro para a evolução da governação da Internet, que aponta um caminho para desenvolver e melhorar a sua estrutura presente, consagrando valores como a inclusão, a transparência e participação multisetorial e de forma igual.
Esta Declaração estabelece a Internet como um recurso global que deve ser gerido em favor do interesse público.
Um dos princípios aponta para aspetos consagrados na Declaração Universal de Direitos Humanos, defendendo a importância da proteção dos mesmos direitos e valores comuns tanto online, como offline. Estes direitos incluem a liberdade de expressão e de associação na Internet assim como o direito à privacidade e a acessibilidade total a recursos digitais para pessoas com necessidades especiais. Também a liberdade de informação e de acesso à informação são referidas: todos os indivíduos devem ter o direito de ter acesso, partilhar, criar e distribuir informação na Internet.
A Declaração dá ainda relevo à proteção, promoção e respeito pela diversidade cultural e linguística e ressalva a importância de preservar a Internet como um espaço unificado e coerente a nível global. A segurança e a estabilidade da Internet enquanto recurso universal é outro dos princípios apontados como objetivo-chave para todos os setores envolvidos na governação da Internet.
No próximo dia 4 de junho, a governação da Internet vai ser debatida a nível nacional por diversos especialistas dos vários setores, na 3ª edição do Fórum para a Sociedade da Informação dedicada à Governação da Internet . Mais informações em www.governacaodainternet.pt