Atravessar a Avenida Infante Santo a pé ou de carro é um risco constante, queixam-se residentes e comerciantes
Uma das mais movimentadas artérias da cidade tem sido, ao longo dos anos, uma ratoeira para muitos automobilistas e, sobretudo, peões. Acidentes e atropelamentos serão ali frequentes. A longa avenida, que liga a Estrela à 24 de Julho, é bastante inclinada e percorrida por imensos carros. Quase sempre a grande velocidade. Uma petição organizada por moradores quer medidas urgentes para mudar tal cenário. Pedem-se lombas, mais semáforos, pinos no corredor central e mesmo a criação de uma rotunda. Além do excesso de velocidade, é frequente assistir a inversões de marcha indevidas. Mas também se vê muita gente a atravessar a avenida fora da passadeira. O presidente da Junta de Freguesia da Estrela, Luís Newton (PSD), diz que as medidas pedidas são mesmo necessárias, mas primeiro há que requalificar o piso da Infante Santo.
A noção do perigo, sabemo-lo bem, varia consoante os olhos de quem a contempla. Tanto que, muitas vezes, será difícil chegar a um consenso sobre o quão relevante é a sensação de desprotecção em determinada circunstância. Mas podem sempre tirar-se ilações quando há um número razoável de pessoas a queixarem-se. Três funcionários de uma imobiliária na parte inferior da Avenida Infante Santo podem bem servir como exemplo. Decidem atravessar o arruamento a correr, junto à saída do túnel ali existente, a meio da manhã desta segunda-feira (25 de Março), para irem tomar café do outro lado. Expõem-se ao perigo de atropelamento. “Não costumo fazer isto. Por norma, vou ali à passadeira”, diz, com notório embaraço, Anna Vintonniak, 26 anos, depois de interpelada por O Corvo. Mas não deixa de racionalizar sobre o que a levou a fazer tal opção. “Foi por comodidade, por ser mais rápido. Ir ali acima demora imenso tempo”, explica. Recentemente, revela, o familiar de uma pessoa amiga “perdeu a vida numa passadeira da Rua Artilharia Um”.
Cenas como esta são relativamente comuns em toda a extensão da movimentada e inclinada avenida, que liga a zona do Jardim da Estrela à Avenida 24 de Julho. Basta determos-nos a observar o movimento por alguns instantes. Ali, os automóveis, seja a descerem ou a subirem, quase sempre circulam a grande velocidade, aumentando por isso, de forma significativa, o risco de atropelamento dos que ousam atalhar caminho ou mesmo de quem circula nos locais a isso indicados. “É um perigo, eu sei. Mas faço-o por comodismo, assumo. Por regra, atravesso desta forma”, confessa Márcia Tiago, 42, colega de Anna. Maior desprendimento ainda revela Afonso Jorge, 58, o outro funcionário da imobiliária. “Toda a vida faço isto, atravesso fora da passadeira. Tomo os devidos cuidados. Mas, se me acontecer alguma coisa, a culpa é minha. Não culpo mais ninguém”, diz, desvalorizando as preocupações de diversos moradores da zona sobre a perigosidade relacionada com a passagem de carros a grande velocidade naquela artéria.
É ali muito frequente ver-se pessoas a atravessarem fora da passadeira
Um assunto suficiente relevante para mobilizar 559 pessoas a assinarem uma petição, recentemente entregue na Assembleia Municipal de Lisboa (AML), a pedir medidas urgentes visando “aumentar o nível de segurança rodoviária para os residentes e peões da Avenida Infante Santo”. Dando conta de existência de uma grande comunidade em redor daquele movimentado arruamento, na qual se contam numerosas crianças e idosos, o documento salienta a existência de muito comércio e de um hospital nas redondezas. Notando que a dificuldade em atravessar o arruamento por parte dos peões “é conhecida”, fala em “numerosos atropelamentos e acidentes”. Entre as medidas urgentes reivindicadas pelo documento que suporta a recolha de assinaturas estão a colocação de lombas, mais passadeiras e passagens desniveladas para peões, “radares de velocidade com aviso do limite permitido”, a colocação de pinos no corredor central e mais semáforos e pede-se mesmo a construção de uma rotunda a meio da avenida. Tudo isto para “obrigar os condutores a reduzirem a velocidade e evitar manobras de inversão de marcha e desencorajar a velocidade”, evitando assim a sinistralidade.
Um diagnóstico com o qual concorda Joana Salgado, 38 anos, a residir há pouco mais de um ano num prédio na esquina da avenida com a Rua de Sant’Ana à Lapa. O tempo suficiente para se aperceber do que interpreta como uma alta perigosidade da zona relacionada com a densa circulação rodoviária e a elevada velocidade a que muita dela acontece. “Já aconteceu chocarem contra o semáforo, por duas vezes, e derrubá-lo”, conta. Mãe de duas filhas com poucos meses de vida, confessa temer pela sua segurança da sua família. “Isto aqui é perigosíssimo. Quando tenho de atravessar para o outro lado, nunca fico no meio, com medo. Tento passar de uma só vez”, confessa. Já quem está ali há muitos anos, como Hermínio Martins, 65, gerente da pastelaria Carrocel, até acha que aquele cruzamento da Infante Santo com a Sant’Ana à Lapa até já foi “muito mais perigoso”. “Havia aqui acidentes graves todos os dias, até me chegaram a entrar com um carro pelo café adentro, numa madrugada. Mas baixaram muito desde que, há algum tempo, fizeram aqui mudanças nos sentidos de trânsito”, explica. Ainda assim, Hermínio admite que o risco se mantém alto, “muitas vezes, por culpa das pessoas, que atravessam onde não devem”.
Esse é, aliás, um argumento muito ouvido por ali para explicar as situações de atropelamento ou iminência do mesmo. “Uma pessoa vê aqui cada coisa que até ficamos arrepiados. Até velhotes passam a rua sem poderem”, afirma Fátima Lopes, 64, dona do café para onde se dirigia o tal trio de comerciais da agência imobiliária, situada no troço final da Infante Santo. Tanto Fátima como a sua cliente Maria Judite Silva, 70 – 54 dos quais como residente num prédio ao lado estabelecimento – contam o caso de um “senhor que foi atropelado aqui, esteve às portas da morte, mas continua a atravessar”. É por causa disso que Maria entende que seria mais importante “arranjar a rua” ou colocar melhor sinalização nos segmentos laterais desnivelados superiores da avenida, os quais asseguram a ligação com a Calçada Pampulha. “Acho isso mais importante. Porque, na verdade, as pessoas vão continuar a atravessar na mesma”, considera, confirmando que ali os carros andam sempre “lançados”.
Outra conhecedora de longa data do território, Maria Melo, 62, porteira do prédio com o número 50 há mais de três décadas, reconhece-se no quadro descrito pelo texto da petição. “É verdade, sim. São tantas as situações de acidentes e manobras perigosas”, descreve, não se excluindo do contingente de incumpridores. “Olhe, ainda no outro dia, atravessei aqui em frente, fora da passadeira, e por pouco não ficava aí estendida. Uma mota que vinha a grande velocidade quase me apanhou, mas consegui desviar-me a tempo. Foi um grande susto”, descreve, enquanto acaba de passar a esfregona junto à porta do edifício. Maria Melo diz serem incontáveis os sinistros rodoviários que já presenciou ou dos quais teve conhecimento, naquela zona, ao longo destes anos. À velocidade dos carros e à pouca cautela de alguns peões, junta-se a imprudência de muitos condutores na forma como manobram os seus veículos. Seja a retirar os automóveis do estacionamento “em espinha” ou de outros que fazem inversões de marcha na avenida – mesmo apesar do risco contínuo, da inclinação da via e da velocidade ali praticada.
É por causa de situações como essa que Luís Newton (PSD), presidente da Junta de Freguesia da Estrela, concorda com a ideia de colocação de um “separador central” de pinos. “Temos tido muitos casos de atropelamentos cruzados com inversões de marcha. Por vezes, os condutores fazem essa manobra e aceleram, no preciso momento em que alguém está a atravessar num sítio indevido”, descreve o autarca, lamentando que muitas das medidas da petição até já tenham sido alvo de discussão entre junta e Câmara de Lisboa, mas tardem em ser aplicadas. Em 2016, garante Newton, o vereador Manuel Salgado (Urbanismo) terá ouvido os argumentos da junta sobre a necessidade de requalificar o espaço público e, na sequência dessas obras, implementar necessárias medidas de redução de velocidade. “Mas, infelizmente, continua tudo na mesma. O piso ao longo da Infante Santo é extremamente irregular e inseguro, precisa de uma intervenção. A câmara sabe disso”, diz o autarca da Estrela, para quem aquela artéria “não pode funcionar como uma barreira que divide a comunidade”.