Há 500 anos de história para ver no Torreão Poente da Praça do Comércio antes do edifício entrar em obras
Inaugura, ao final da tarde desta sexta-feira (17 de Maio), uma exposição que recria a história do Torreão Poente da Praça do Comércio. O baluarte sobreviveu a dois terramotos, vários regimes políticos e à restruturação pombalina da cidade, mantendo-se sempre como “símbolo máximo do poder político”. A torre conheceu três versões, desde que foi mandada construir, no século XVI, pelo rei D. Manuel I. Nos últimos anos, acolheu o Ministério da Defesa e, desde 2015, passou a funcionar como espaço expositivo do Museu de Lisboa. Esta será a última mostra, antes do edifício entrar em obras de restauro e requalificação. A empreitada arranca em Outubro e deverá demorar um ano e meio. O Torreão Poente resurgirá então com um elevador novo até ao piso de cima e estará aberto, durante todo o ano, ao público, o que não acontecia até agora.
O Torreão Poente da Praça do Comércio vai entrar em obras de requalificação em Outubro, mas, antes, o Museu de Lisboa – gerido pela Empresa municipal de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural (EGEAC) – quer contar a história de um edifício que sobreviveu a dois terramotos (1531 e 1755) e à mudança de regimes políticos, mantendo-se sempre como um “símbolo do poder máximo da cidade”. Esta sexta-feira (17 de Maio), às 18h, é inaugurada a exposição “O Lugar do Torreão”, que recria a torre, desde o século XVI, em três versões diferentes, e desvela, através de fotografias e maquetes, como será o espaço no verão de 2021, data prevista para a conclusão dos trabalhos de reparação. Há 75 peças originais, oriundas da colecção do Museu de Lisboa e de outras instituições públicas e privadas, que poderão ser vistas até Outubro. O valor da entrada é de três euros.
Nas salas do primeiro piso, onde até 2014 funcionou o Ministério da Defesa e desde 2015 funciona um pólo do Museu de Lisboa, cabem quase 500 anos de história. Nos primeiros anos do século XVI, entre 1508 e 1510, D. Manuel I mandou construir o Torreão do Paço da Ribeira, dentro das águas do rio, onde se instalou com a restante família real, deixando o Castelo de São Jorge. O baluarte foi desenhado pelo arquitecto Diogo de Arruda, para ser o novo palácio real e uma torre fortificada para guardar as armas. “O simbolismo da nação deixou de ser no Castelo e passou para a Ribeira, aqui é que era o epicentro do império. Era também o tempo de introdução ao armamento e o fim da época medieval”, explica a directora do Museu de Lisboa, Joana Sousa Monteiro, numa visita guiada aos jornalistas, ao início da tarde de quinta-feira (16 de Maio).
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Vista de Lisboa com a entrada de Filipe II de Portugal (Autor desconhecido. Primeiro quartel do séc. XVII)
Depois do terramoto de 1531, o torreão ficou parcialmente destruído e abandonado. Dessa época, sabe-se apenas que o rei D. Filipe II de Espanha (I de Portugal), “que gostava muito de Lisboa”, ordenou a construção de um novo torreão, erguido no lado nascente do Terreiro do Paço. Só em 1640, depois da restauração da independência, é que alguém voltaria a habitar o torreão poente. Nas salas do primeiro piso do torreão, com uma vista desafogada sobre o Tejo, vai ser possível fazer uma viagem no tempo, até ao período dos Descobrimentos, através de objectos relacionados com o fabrico de barcos, um canhão – que será colocado numa das janelas -, dois arcos manuelinos e cantarias, azulejos hispano-árabes, tapeçaria, porcelanas, quadros e um desenho do século XVI com a maior vista panorâmica daquela parte da cidade na altura.
Há ainda várias pinturas, que retratam a vivência da monarquia na altura, mas há uma que Joana Sousa Monteiro quer destacar. Cedida para a exposição pelo estado de Hessen, na Alemanha, trata-se de um óleo de um autor desconhecido, “provavelmente flamengo ou italiano, pelo estilo da pintura, de fins do século XVI”. “A data é de 1613, mas só pode ter sido pintado depois. Este quadro é uma espécie de reportagem da chegada do rei Filipe II a Lisboa e a presença marcante do torreão filipino, que aconteceu depois”, explica. A responsável revela ainda que nos últimos meses foi feito um estudo “aprofundado” desta pintura e, no próximo mês de Junho, será lançado um livro com mais informação.
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Praça do Comercio da Cidade de Lisboa. 2ª metade do sec. XVII (Museu de Lisboa)
Da época dos Descobrimentos, a directora do Museu de Lisboa avança para o século XVIII, altura de transformações muito significativas na estrutura do edifício. O Torreão desapareceria, pela segunda vez, depois da destruição provocada pelo terramoto de 1755. A parte que ruiu foi totalmente demolida e reconstruída, por ordem do Marquês de Pombal, sobre estacas de madeira na água, “a mesma técnica utilizada dois séculos e meio antes”, conta Nuno Senos, comissário da exposição.
O torreão é duplicado nos extremos nascente e poente do Terreiro do Paço, que passaria a chamar-se Praça do Comércio. “Demorou muito a ser reconstruído, porque o sismo provocou muitos danos. E quando se decidiu fazê-lo de novo, teve de ser demolido com balas de canhão. O mais curioso é que repensou-se a forma de construir a cidade, mas permaneceu como D. Manuel o pensou”, conta o historiador, na mesma sala de onde a família real assistiu à cerimónia de inauguração da estátua equestre de D. José I. Deste período histórico, há para ver uma cadeira de braços de D. João V em madeira de pau-santo, vinda do Palácio de Mafra e uma tapeçaria da Flandres, do século XVI.
O Torreão sobreviveu ao regime absolutista de D. José – que não quis lá viver -, à monarquia constitucional, à I República, ao Estado Novo e ao 25 de Abril. No primeiro piso do baluarte serão, por isso, também recriados os serviços do Ministério da Defesa, que ali estiveram instalados desde 1940, gabinetes do regime do Estado Novo, e vídeos e fotografias de Alfredo Cunha sobre o 25 de Abril de 1974. “Dois membros do Ministério da Defesa e do Interior vieram refugiar-se no torreão, na madrugada da revolução, mas o edifício foi cercado. Arranjaram um machado e partiram a parede que dava ligação ao Ministério da Marinha e conseguiram refugiar-se lá. Para evocar este momento, haverá uma representação de um buraco com um machado e fotografias”, conta Nuno Senos.
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(José Artur Leitão Bárcia – Arquivo Municipal de Lisboa)
A exposição termina com uma maquete do novo projecto do torreão e algumas referências às mostras temporárias que já passaram por aqui, desde 2015. O torreão vai ser totalmente restaurado, e, após as obras, que deverão demorar um ano e meio, reabrirá como um dos pólos centrais do Museu de Lisboa. Passará a estar aberto ao público durante todo o ano, albergará mais exposições e está nos planos a abertura de uma livraria. Vai ter mais um elevador até ao último piso – passando a ter dois elevadores abertos ao público -, e serão destruídas algumas paredes para “voltar à traça original e ficar mais amplo”.
“Vamos retirar o que foi acrescentado, da última intervenção, ou seja, recuar à configuração original. Há muito tempo, não sabemos precisar quanto, que não era restaurado, iam-se fazendo apenas algumas adaptações apenas”, explica a directora do Museu de Lisboa. Os visitantes passarão a entrar no edifício histórico pela porta principal, em vez de passarem por debaixo da arcada. “Será uma forma de devolver a dignidade e a beleza que o edifício merece”, remata.
O Torreão Poente ficou devoluto há cinco anos, quando o exército deixou de o utilizar. O edifício passou a acolher exposições temporárias do Museu de Lisboa e, provisoriamente, os serviços do Museu do Design e da Moda (MUDE), enquanto a sede do MUDE está em obras de remodelação.