Lisboa quer pôr a população a conhecer melhor e a visitar a sua herança romana
Durante o Verão, será lançado o site Lisboa Romana, onde estará reunida e sistematizada, com a ajuda de mapas interactivos, toda a informação relacionada com os vestígios arqueológicos daquele período existentes na cidade e na área metropolitana. Até ao final do ano, chegará uma aplicação para telemóvel com o mesmo objectivo. São apenas as facetas mais visíveis de um projecto cofinanciado com receitas do Casino de Lisboa e que envolverá 18 municípios, 96 investigadores e cinco universidades, nos próximos cinco anos. “Nunca foi feito nada com esta ambição, um trabalho deste género, de forma tão abrangente e intensa”, garante Inês Viegas, coordenadora do projecto. Através dele prevê-se também a criação, até 2021, de um novo acesso às Galerias Romanas da Rua da Prata, permitindo assim visitas mais frequentes.
Muita gente já pensou, por diversas vezes, que gostaria de visitar as galerias romanas da Rua da Prata, mas nunca conseguiu realizar tal desejo porque os bilhetes esgotaram num abrir e fechar de olhos ou porque, muito possivelmente, apenas ficou a saber dessa oportunidade depois da mesma ter passado. Há muitos anos que as duas únicas possibilidades anuais de entrar no Criptopórtico Romano da Baixa lisboeta, por regra em Abril e Setembro, contribuem para conferir um carácter (ainda mais) especial a cada um desses momentos – aumentando, por isso, ainda mais a procura.
Mas tal cenário deverá mudar quando, entre o próximo ano e 2021, for aberto o novo acesso ao monumento redescoberto após o terramoto de 1755 e estiver ali criado um novo centro museológico e interpretativo, a surgir num prédio situado na esquina das ruas de São Julião e da Prata. “Será, sem dúvida, um elemento essencial do projecto, funcionará como uma âncora”, reconhece António Marques, coordenador do Centro de Arqueologia de Lisboa (CAL), referindo-se às muitas acções previstas, até 2024, no âmbito do Lisboa Romana – Felicitas Iulia Olisipo, um projecto intermunicipal, apresentado no passado mês, no Teatro Romano da Rua de São Mamede.
Juntando a capital portuguesa a outros 17 municípios da área metropolitana, o Lisboa Romana assume-se como uma inédita rede de investigação e de divulgação junto da população dos, até agora, muito dispersos elementos da herança arqueológica daquele período. “Nunca foi feito nada com esta ambição, um trabalho deste género, de forma tão abrangente e intensa”, garante a O Corvo Inês Viegas, do Departamento de Património Cultural da Câmara Municipal de Lisboa (CML) e coordenadora do projecto, assumindo que o principal objectivo é democratizar o conhecimento das pessoas sobre esta época.
(foto: João Cruz)
Por isso, já a partir de Julho – o mais tardar, em Setembro -, surgirá um site com um mapa interactivo, dirigido à população em geral, reunindo toda a informação relativa à presença romana nos 18 concelhos desta vasta região – abrangendo uma área que vai de Torres Vedras a Sesimbra – que concordaram participar no projecto, cofinanciado por verbas do Casino de Lisboa, e com vestígios espalhados por 350 sítios arqueológicos. Em paralelo, está também previsto o lançamento, até ao final deste ano, de uma aplicação (App) para smartphone que ajudará qualquer um a identificar os vestígios romanos espalhados pelo território e a estabelecer itinerários à sua medida.
O acesso ao Criptopórtico Romano deixará de realizar-se nestas condições e será muito mais frequente
Além da identificação dos locais onde se podem encontrar elementos arqueológicos da era romana – dos quais mais de uma centena se situam no município de Lisboa -, com a junção de todo este manancial de informação pretende-se sobretudo “contar uma história” sobre o território, referem os responsáveis. Será possível, por isso, a quem estiver interessado, criar percursos individualizados através desses vestígios. Estão em preparação três circuitos temáticos, dedicados a outros tantos assuntos: economia, sociedade e cidade. Uma das chaves para construir os itinerários será facultada pelos códigos QR a colocar em alguns dos sítios e a ler pelos smartphones. Essa facilidade também deverá estar disponível até ao final deste ano.
Para já, e até ao final do ano, o Lisboa Romana quer avançar com a identificação de todos os sítios arqueológicos daquele período existentes no território dos municípios envolvidos, implementar alguns percursos – que serão disponibilizados no site e na App – e implementar nove áreas de investigação científica. Propósito que envolverá 96 investigadores – incluindo arqueólogos, historiadores, sociólogos, antropólogos e outros especialistas – de diversas instituições, públicas e privadas. De entre as diversas entidades envolvidas destaca-se o trabalho a ser desenvolvido por cinco universidades: Aveiro, Coimbra, Lisboa, Évora e Nova de Lisboa.
(foto: João Cruz)
Numa fase mais avançada do projecto Lisboa Romana, e até 2024, está definido um plano de edição de nove volumes relacionados com o trabalho desenvolvido em cada uma das nove linhas de investigação. Mas, para além desses tomos, talvez a obra mais relevante seja a reedição actualizada de “Epigrafia de Olisipo”, de Augusto Vieira da Silva, a propósito dos 80 anos da sua publicação em 1944. Nessa ambiciosa obra, catalogava-se muito do que se conhecia das inscrições feitas em Felicitas Iulia Olisipo. Tudo o que de relevante foi descoberto e catalogado, entretanto, ser-lhe-á acrescentado.
(foto: João Cruz)
É frequente os lisboetas, como os portugueses de outras regiões, reconhecerem a herança romana – a par da muçulmana – como uma parte importante do seu código genético cultural. Mas, afinal, o conhecimento sobre a mesma acaba por ser algo vago e até dado a certas mistificações, admitem os responsáveis pelo projecto. Muitas vezes, fala-se nos romanos como fundadores da cidade, quando esta era já uma realidade bem consolidada, embora não se consiga definir com precisão o momento seminal deste núcleo urbano.
(foto: O Corvo )
“Quando os romanos aqui chegaram, encontraram uma sociedade que já tinha alguma sofisticação. Utilizava-se a escrita fenícia”, salienta António Marques, do CAL. É verdade que o estatuto de município romano, atribuído à região por Júlio César, lhe conferiu uma especial importância política. Não era uma realidade comparável com a dos actuais municípios, assumindo-se Olisipo como uma unidade administrativa substancialmente mais vasta. Mas tal circunscrição deixou um legado. Tanto que, em grande medida, o que hoje é a Área Metropolitana de Lisboa coincide com esse território.
*Nota Redactorial: texto editado às 20h30 de 9 de Maio. Clarifica que os códigos QR para smartphone, a utilizar nos itinerários temáticos, também deverão estar disponíveis até ao final deste ano.