Lisboa deve aumentar a fiscalização em obras de reabilitação de prédios por causa do alto risco sísmico

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Samuel Alemão

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URBANISMO

Cidade de Lisboa

29 Abril, 2019

Tem sido dito e sublinhado, por diversas vozes: a capital portuguesa não se encontra preparada para mitigar os efeitos de um terramoto de intensidade mais elevada. No debate temático realizado, no ano passado, pela Assembleia Municipal de Lisboa, vários foram os alertas lançados para o muito pouco que tem sido feito neste campo. Sobretudo no que se refere ao reforço anti-sísmico no âmbito das muitas obras de reabilitação urbana em curso. Há até quem pense que algumas das obras têm contribuído para debilitar o edificado, pois muitas serão feitas de forma pouco conscienciosa. Um ano depois, um relatório da assembleia vem pedir a instituição de mecanismos de fiscalização da reabilitação urbana. Na versão original do documento, pedia-se mesmo a criação de um gabinete camarário de avaliação dos critérios dos projectos. O que acabou por não ser aprovado. Mas sublinha-se: não se construam hospitais e edifícios públicos em zonas em risco de inundação por tsunami.

A possibilidade muito elevada de ocorrência de um fenómeno sísmico de larga escala na região de Lisboa deve levar as autoridades nacionais e locais a tomarem um conjunto de medidas, a diversos níveis de actuação, para a mitigarem as consequências. E entre elas deve estar a efectiva fiscalização das muitas obras de reabilitação urbana realizadas nos últimos anos, alerta a Assembleia Municipal de Lisboa (AML), no relatório final do debate temático sobre “Prevenção e minimização do risco sísmico e reforço da resiliência sísmica em Lisboa”, ocorrido há já um ano.

 

No documento redigido e aprovado na passada sexta-feira (26 de Abril), pela comissão permanente de Transportes, Mobilidade e Segurança daquele órgão, e que será discutido e aprovado na sessão plenária desta terça-feira (30 de Abril), traça-se um quadro de evidente vulnerabilidade da capital portuguesa face a um terramoto e, entre muitos alertas, salienta-se a necessidade de evitar a construção em locais considerados passíveis de se localizarem em áreas inundáveis por um tsunami – e fazendo especial menção a hospitais e outros equipamentos públicos.

Isso mesmo é referido por três vezes, e assinalado como algo prioritário, numa versão preliminar desse relatório, no capítulo das acções a adoptar relativas ao Ordenamento do Território – um dos três eixos prioritários de acção, juntamente com a Gestão Urbanística e as Medidas de Autoprotecção -, no capítulo das recomendações e propostas feitas pelos deputados municipais. A primeira das medidas desse eixo passará por “contribuir para a prevenção e gestão dos riscos sísmico, de tsunamis, de deslizamentos e liquefacção”, através da identificação das áreas de maior risco, da incorporação de medidas de prevenção e mitigação de desastres e ainda o estabelecer de “critérios claros para a selecção de locais para o desenvolvimento urbano e adequação para a instalação de equipamentos colectivos”.

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A versão preliminar do relatório da AML pedia a criação de "um gabinete municipal de auditoria aos critérios dos projectos de reabilitação urbana"

E, logo de seguida, as instrução são claras na referência a edifícios prioritários: “Obrigar que a construção de novos hospitais e outros equipamentos relevantes em situação de catástrofe não se localizem em zonas inundáveis por tsunami e que os projectos incluam sistemas de protecção sísmica, tais como isolamento de base”. Mas tal também inclui o reforço “a nível estrutural e não-estrutural” dos equipamentos existentes, bem como edifícios de utilização colectiva tais como os escolares ou de apoio a idosos ou outros. “Alguns encontram-se em edifícios com destino habitacional, anteriores à regulamentação anti-sísmica não tendo sido calculados e projectados para ser um equipamento de ensino. Alguns são propriedade municipal”, alerta-se ainda.


Mais à frente nesse conjunto de medidas relacionadas com o Ordenamento do Território, os autores do relatório com recomendações a enviar à Câmara Municipal de Lisboa voltam a alertar, pela terceira vez, para o perigo relacionado com a ocorrência de um tsunami a que poderão ser expostos os equipamentos colectivos. “Promover uma política prudente do uso do solo, evitando a construção de edifícios públicos, como hospitais e escolas, quartéis de bombeiros, centros de saúde, em zonas inundáveis por tsunami”, pede-se no documento. Tal preocupação com os edifícios de utilização comunitária é, aliás, novamente expressa numa das recomendações agrupadas num segundo eixo, o relacionado com a Gestão Urbanística. “Pugnar para que as instituições da administração local e central apontem o caminho a seguir, promovendo empreitadas de reforço sísmico nos edifícios públicos”, aconselha-se.

 

É nesse segundo grupo de recomendações e propostas, da versão preliminar do referido relatório, que se encontra um conselho à Câmara de Lisboa para que tome medidas claras em relação às muitas obras de reabilitação urbana em curso na cidade – o que, no fundo, vem dar resposta às preocupações já expressas, numa das duas sessões deste debate temático da AML, realizado em Abril de 2018. A proposta apresentada nessa primeira versão relatório é clara: “Criar mecanismos de fiscalização sistemáticos sobre as intervenções de reabilitação urbana, especialmente no edificado anterior a 1983, inclusivamente em intervenções parcelares e neste âmbito criar um Gabinete Municipal de auditoria aos critérios dos projectos de reabilitação urbana. A CML deve ter técnicos que verifiquem se nos projectos de engenharia as soluções propostas não contribuem para tornar a estrutura mais vulnerável”. Na versão final do documento, porém, foi retirada a recomendação de criação desse gabinete de fiscalização.

 

 

Mas as preocupações não se ficam por aí. Os deputados municipais querem que os técnicos de reabilitação urbana passem também a ter competências na área da prevenção para os efeitos dos terramotos. E falam na necessidade de “elaborar recomendações técnicas para reforço sísmico das construções”, criando-se uma manual de boas práticas do reforço neste campo e promovendo a legislação aplicável, “para que seja obrigatório o reforço sísmico das obras de reabilitação de edifícios e para maior defesa do património construído”. Algo que deve mobilizar também os senhorios dos imóveis, reforça-se agora na versão definitiva do relatório da AML sobre o debate temático, ocorrido há um ano: “Sensibilizar os proprietários para a importância do reforço sísmico dos edifícios”, pede-se.

 

O perigo relacionado com a falta de resiliência anti-sísmica dos edifícios de Lisboa sujeitos a obras de reabilitação urbana, seja por falta de adopção de reforço estrutural ou até em resultado das intervenções neles feitas, dominou a primeira das duas sessões do debate temático na origem deste documento. Na sessão inicial, ocorrida a 5 de Abril de 2018, foram várias as vozes a alertarem para o problema. “Quando reabilitamos um edifício, a lei diz que não é preciso respeitar a legislação posterior à construção original. Todos os edifícios construídos antes de 1958 não têm, por isso, nenhum grau de exigência sísmica. Estão-se a fazer obras, no centro da cidade, que são armadilhas mortais para as pessoas. A nova reabilitação são novos modelos de caixões muito bem ornamentados, para nos levarem para outro mundo”, dizia Mário Lopes, professor do Instituto Superior Técnico (IST) e especialista em prevenção sísmica com três décadas de trabalho.

 

 

O pessimismo era então partilhado por Vasco Appleton, engenheiro civil e um dos mais prestigiados especialista nacionais em reabilitação de edificado. “Há um número muito elevado de oportunidades perdidas. Há edifícios bons que não estão a ser alvo de intervenção de reforço sísmico, porque o dono de obra não é sensível ao assunto e, também, porque há projectistas que não têm capacidade técnica para fazerem projectos demasiado exigentes”, dizia. Diagnóstico corroborado, nessa sessão, por João Pardal Monteiro, director da Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa: “Existe uma grande falta de qualificação das pessoas que fazem estas estruturas e as intervenções na cidade têm de ser feitas por especialistas. Percebendo-se o estado em que está o edifício, devia-se agir para o melhorar e reduzir as perdas potenciais, mas isto não está a acontecer”.

 

No relatório que a Assembleia Municipal de Lisboa se prepara agora para aprovar é feita uma lista de recomendações, no eixo relacionado com Medidas de Autoprotecção, visando manter a população informada. Uma das grandes falhas apontadas no debate ocorrido há um ano tem que ver, precisamente, com a falta de consciência generalizada da comunidade em relação ao perigo que corre, se ocorrer um terramoto. Entre as diversas indicações de acção necessária nesse campo, destaca-se a necessidade de “criar um inventário indicativo da vulnerabilidade sísmica do edificado recorrendo a indicadores como a época de construção, eventuais intervenções posteriores e localização”.

 

*Nota editorial: Texto editado às 14h00 de 29 de Abril. Retiradas referências à necessidade de “fiscalização sistemática” e de criação de um novo gabinete municipal de fiscalização. A versão original deste texto foi escrita com base na versão preliminar do relatório, entregue a O Corvo por um dos relatores do mesmo. O referido documento foi aprovado pela comissão permanente de Transportes, Mobilidade e Segurança da AML, na passada sexta-feira, onde entretanto conheceu diversas alterações. 

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