Cuidadores de gatos acompanham 295 colónias na cidade de Lisboa

REPORTAGEM
Rita Ponce

Texto

Nuno Nunes e Paula Ferreira*

Fotografia

VIDA NA CIDADE

Cidade de Lisboa

19 Junho, 2015


Está em curso um programa de captura, esterilização e devolução de gatos vadios, com o objectivo de controlar as populações de gatos da cidade. Assenta numa colaboração entre a Casa dos Animais de Lisboa, associações de protecção de animais e munícipes voluntários que cuidam das colónias. Estes cuidadores são elementos chave do programa. O Corvo foi ver como funciona a assistência aos milhares de gatos existentes na capital, animais importantes para controlar pragas potencialmente nocivas para os humanos.

Todos os dias, em Sapadores, às nove horas da manhã, Cândida Gonçalves vai ao pátio por detrás de sua casa. “Já estão todos à minha espera. Parece um comício”. A rotina diária é sempre a mesma. “Dou ração, água, uma festinha a um, uma festinha a outro…”.

Cândida Gonçalves é um dos 300 colaboradores voluntários do programa CED (Captura/ Esterilização/ Devolução), levado a cabo pela Casa dos Animais de Lisboa (CAL) para o controlo das populações de gatos. Começou só por alimentar os felinos, mas o desagrado dos vizinhos pela presença da colónia levou-a, já há uns anos, a contactar a câmara e a aderir a este programa.

Tornou-se, por isso, responsável por esta colónia de 30 gatos. Os animais já foram todos esterilizados. Para além de os alimentar, fornece abrigos e mantém a zona limpa. Cândida acha que os vizinhos aceitam melhor os gatos, agora que viram que a colónia é também acompanhada pela CML.

Os animais são capturados e os serviços da CAL, antigo Canil/Gatil Municipal de Lisboa, esterilizam, desparasitam e asseguram o pós-operatório e eventual tratamento veterinário. Os gatos esterilizados são marcados com um corte na orelha esquerda, para que possam ser identificados e são devolvidos à colónia de origem. As colónias são acompanhadas por cuidadores voluntários, que assinam um acordo de colaboração com a CAL.

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“O nosso objectivo é manter a população de gatos silvestres e assilvestrados sob controlo”, esclarece Marta Videira, médica veterinária e responsável técnica da CAL. Isto é importante, explica, porque cada gata pode ter duas ninhadas por ano, dando origem a milhares de gatos em alguns anos. “As campanhas CED são muito eficazes, pois páram o crescimento descontrolado dos gatos e também porque eliminam os problemas de insalubridade e os incómodos provocados pela presença das colónias”.

Os gatos estão saudáveis e, com a esterilização, desaparecem os miados, as lutas e o cheiro da urina, que estão associados à reprodução. A alimentação com comida seca ajuda a manter limpo o local. Com o apoio dado pelos cuidadores, a zona mantém-se limpa.

Embora o programa CED já exista desde 2006, apenas funcionava com acções pontuais em resposta a pedidos de moradores, como no caso de Cândida Gonçalves. Recentemente, e associado às grandes mudanças na CAL, assumiu maiores dimensões. Desde Janeiro de 2015, esterilizaram-se 411 gatos errantes, chegando a atingir um ritmo de 40 animais por semana, que é a actual capacidade máxima da CAL.

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* Paula Ferreira

A CAL tem registadas 295 colónias de gatos e estima existirem dezenas de milhares de gatos errantes em Lisboa. Marta Videira acredita que este é o caminho certo: “O caminho não é ignorar os gatos, não é abater os gatos. Este é o caminho, mas é um desafio gigantesco”.

No passado, o controlo era feito por remoção e abate dos gatos, medidas que a prática e os dados científicos mostraram ser ineficazes, além de saírem mais caras. “Ao retirar os gatos de um local, cria-se um efeito de vácuo, e o seu lugar é rapidamente ocupado por outros gatos errantes”, explica Marta Videira.

A presença de gatos na cidade é muito importante no controlo de pragas, como roedores, explica. “Um gato, mesmo bem alimentado, continua a caçar”, o que evita crescimento de pragas que podem ser portadoras de doenças graves para humanos.

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Existem outros programas como este em Portugal, mas, segundo Marta Videira, um programa municipal desta dimensão é dos poucos no nosso país. Não se trata de uma originalidade portuguesa. Outros países, nomeadamente Itália e Grécia, onde os gatos são vistos como elementos importantes da cidade, recorrem a estratégias semelhantes.

Fundamentais para o crescimento deste programa foram também os protocolos assinados com duas associações de defesa dos animais: o Grupo de Lisboa da Campanha de Esterilização de Animais Abandonados (GLCEAA) e a Associação de Animais de Rua. As associações são responsáveis pela informação e sensibilização dos munícipes e pela captura dos gatos. Actualmente, as associações também estabelecem a ponte entre a Casa dos Animais de Lisboa e muitos cuidadores. Por vezes, os cuidadores são também voluntários das associações.

A Animais de Rua colabora com a CAL desde 2011 e actua por toda a cidade. Para além dos animais que são esterilizados na CAL, tem também acordos com algumas clínicas veterinárias, permitindo-lhes acompanhar mais colónias. O GLCEAE iniciou a colaboração com a CAL em Setembro de 2014 e tem actuado em São Vicente e em Santa Maria Maior. Não só acompanharam várias colónias, como tiveram sessões de esclarecimento sobre a campanha e distribuíram panfletos explicativos aos moradores.

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Não muito longe da colónia cuidada por Cândida Gonçalves, na Graça, o fotógrafo Nuno Nunes acompanha a colónia que vive por detrás do seu atelier. Há dois anos, quando foram feitas obras no prédio, passou a ter vista para as traseiras e descobriu uma colónia de gatos. Começou a alimentá-los, mas, quando se apercebeu que iam tendo ninhadas sucessivas, contactou associações de protecção de animais.

Acabou por se tornar cuidador desta colónia e também voluntário para a Associação Animais de Rua. Agora, já estão todos esterilizados. Nuno está satisfeito com o seu trabalho de voluntário. “Sei que estou a contribuir para a melhoria da vida dos gatos”.

Carla Lopes, médica veterinária na Graça, conhece esta campanha desde o seu início, há uns anos, na zona do Castelo. “Agora, as populações estão controladas e saudáveis”. Além disso, “tem havido uma mudança de mentalidade, o animal é mais valorizado”. Destaca o trabalho dos voluntários, pois conhecem as colónias de perto. “Dão o seu tempo, gastam dinheiro, tudo por dedicação aos animais”.

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* Paula Ferreira

O programa tem contribuído para a melhoria da relação entre gatos e munícipes, mas nem sempre corre na perfeição. Pessoas bem intencionadas deixam restos de comida que atraem outros animais, e as condições de higiene nem sempre serão as melhores.

Um pouco mais abaixo na colina, num pátio de Alfama, os gatos estão deitados a tomar banhos de sol. Um morador, António Gori, conta que, embora a limpeza nem sempre seja feita, no geral corre tudo bem. António gosta de ver os gatos ali, lembram-lhe Roma, a sua cidade natal.

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