Jardim do Caracol da Penha é o grande vencedor do Orçamento Participativo 2016
Um triunfo da mobilização popular. Mas também um indicador de que algo poderá estar a mudar na forma como os cidadãos vivem a cidade. O projecto para a construção do Jardim do Caracol da Penha foi o grande vencedor da edição deste ano do Orçamento Participativo (OP) de Lisboa, cujas propostas ganhadoras foram anunciadas ao final da manhã desta segunda-feira (28 de novembro), nos Paços do Concelho. Desta vez, ganhou a preferência pelos espaços verdes em detrimento de mais lugares para carros.
Com uma votação recorde a rondar os 9.500 votos, o projecto com o número 180 do OP 2016-2017 acabou por ser aquele que reuniu as preferências de um leque mais alargado de votantes na categoria dos projectos considerados “estruturantes”, a mais importante e com uma dotação orçamental máxima de 500 mil euros para cada um. Algo que acontece na edição mais participada de sempre do OP, com 51.591 votos. Cresce assim a pressão sobre a Câmara Municipal de Lisboa (CML) para abandonar o plano de construir um estacionamento num baldio de 8 mil metros quadrados, situado entre Penha de França e Arroios.
O outro projecto vencedor desta categoria principal foi o número 172, para a construção do Pavilhão Multiusos de Carnide e patrocinado pela junta de freguesia local – tal como aconteceu já em edições anteriores. Entras estas duas propostas, será dividido o bolo de um milhão de euros disponibilizado pela CML para os referidos “projectos estruturantes”, através do seu orçamento para 2017. A categoria referente a projectos mais localizados distribuiu 1,5 milhões de euros para cerca de uma dezena e meia de outras ideias, cuja concretização não poderá ultrapassar os 150 mil euros.
“Estamos muitos satisfeitos, porque o objectivo da nossa mobilização saiu vencedor. Ainda por cima com esta expressão. A votação maciça prova a existência de um claro apoio das pessoas à necessidade muito grande de criação de um espaço verde nesta zona da cidade”, diz ao Corvo um dos porta-vozes do Movimento Pelo Jardim do Caracol da Penha, Miguel Pinto, que confessa a surpresa dos membros do colectivo com o número de votos obtido, apesar de sempre terem acreditado na popularidade daquilo que propõem.
“Provámos que isto não era um mero capricho de meia-dúzia de pessoas. Com a vitória no Orçamento Participativo, a população falou e a Câmara de Lisboa tem, agora, um sinal muito forte de quais as reais necessidades da cidade”, afirma o mesmo membro do colectivo, que começou a ganhar força a partir de uma reunião ocorrida a 9 de julho. Nela foi apresentada à população a proposta de construção de um espaço verde num terreno com vegetação diversa, e para o qual a autarquia propõe a construção de um parqueamento para 86 automóveis, a explorar pela Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL).
Esse momento foi importante. “Não estávamos à espera que atingisse esta dimensão. Pensávamos que iriam aparecer para aí umas 15 ou 20 pessoas, mas acabámos por ter cerca de 200. Notou-se, a partir dessa altura, uma crescente mobilização do bairro e isso deu-nos uma grande energia. A comunidade foi muito generosa, envolveu-se com esta ideia”, diz Miguel Pinto, recordando a importância do genuíno activismo urbano, patente na participação graciosa de muitos artistas no festival cultural em prol da proposta 180, ocorrido a 29 de outubro.
Em simultâneo, durante o verão passado, os membros do colectivo apartidário e muitos moradores envolveram-se numa recolha de assinaturas para uma petição, dirigida à Assembleia Municipal de Lisboa (AML), pela mesma causa. No documento, que recolheu o apoio de 2.500 pessoas e foi entregue naquele órgão a 12 de setembro, salientava-se o facto de as duas freguesias pelas quais se divide o baldio (Penha de França e Arroios) terem uma população agregada de cerca de 60 mil pessoas e um dos mais baixos rácios de área verde por habitante. Ambas fazem, de resto, parte do lote das cinco freguesias de Lisboa com menos área verde.
O assunto ainda se encontra em discussão numa das comissões da assembeia municipal, onde está a causar discórdia entre deputados municipais. Mesmo entre eleitos do mesmo partido. Tal ficou evidente na derradeira sessão ordinária da AML, ocorrida na última terça-feira (22 de novembro), quando uma recomendação do Bloco de Esquerda (BE) a pedir a suspensão do processo de construção do parque, até haver a uma discussão da petição em plenário, foi chumbada pelo PSD e por quatro deputados do PS. A maioria dos eleitos socialistas preferiu abster-se, tal como os independentes e o representante do Parque das Nações Por Nós. A favor votaram, além do BE, o PCP, o CDS-PP, o PAN e o MPT.
Agora, e com a clara vitória no OP, o Movimento Pelo Jardim do Caracol da Penha acredita que estão criadas as condições para que se desista de ocupar com um estacionamento aquela colina situada no coração da tecido urbano, sobranceira à Avenida Almirante Reis. “As portas do diálogo estão abertas. Vamos chegar a uma boa solução, estou convicto”, afirma Miguel Pinto.
Lista completa dos vencedores: www.lisboaparticipa.pt/projetos-vencedores/ciclo-op/570fa437f41ec1c4356c007e