Lavadouro de Carnide abre as portas com criação artística para lembrar como era “Lisboa de outros tempos”

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Samuel Alemão

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Carnide

27 Março, 2019

O equipamento colectivo construído no início do século passado continua a cumprir a sua função, de segunda a sexta-feira. Quem o quiser utilizar só tem de requisitar a chave no Centro Paroquial de Carnide, situado mesmo ao lado. A procura é que não será a maior. Tirando um ou outro curioso que ali aparece para lavar uma carpete, por exemplo, apenas haverá uma utente regular – a “Dona Rosa”, que trata da sua roupa, da dos filhos e da de outras pessoas. Quem nunca entrou num espaço deste género pode ficar a conhecer o de Carnide, através da visita guiada dramatizada por duas finalistas de teatro das Caldas da Rainha. Acontece nas manhãs (11h) dos últimos domingos dos meses de Março, Abril, Maio e Junho. Necessita de marcação e custa três euros, mas nela podem-se aproveitar os ensinamentos do workshop “Como Lavar Roupa à Mão”.

As portas do Lavadouro de Carnide franqueiam-se para acolher as visitas, a quem se lhes pede que se sentem num banco corrido de cimento, num dos lados da velha infraestrutura. No lado oposto, para lá dos tanques que justificam a função do edifício, em cima do outro banco transversal, está uma actriz em pé. “Observem a parede branca à vossa frente”, pede uma voz saída de uma instalação sonora. Começa então uma actuação cheia de evocações a um tempo em que ali se lavava roupa à mão e que, uma hora depois, terminará lá fora, nas traseiras, num pátio murado onde existem estendais outrora repletos de peças a secar. Junto a elas, costumava andar Teco, um gato que “adorava deitar-se ao sol e cheirava a hortelã”.

A criação de Jéssica Lopes, 21 anos, e Mariana Marques, 22, finalistas do curso de teatro da Escola Superior de Artes e Design (ESAD) das Caldas da Rainha servirá, por estes dias, como desculpa para visitar um dos últimos lavadouros públicos de Lisboa ainda no activo – funciona das 8h30 às 5 da tarde, de segunda a sexta-feira. Mas que, tirando um ou outro curioso que ali aparece para lavar uma carpete, por exemplo, afinal apenas terá uma utente regular. A “Dona Rosa”, mulher na casa dos 50, ainda costuma por ali ser vista a lavar a sua roupa, bem como a dos seus filhos e a de outras pessoas a quem presta tal serviço.

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O espectáculo "À Descoberta do Lavadouro" acontece lá dentro e junto à zona dos estendais

Quase de certeza, não será com ela que se depararão os espectadores de “À Descoberta do Lavadouro”, uma “visita guiada participativa” desenvolvida e protagonizada pelo par de alunas finalistas de teatro das Caldas da Rainha – e que terá lugar nas manhãs (11h) do último domingo dos próximos quatro meses (31 de Março, 28 de Abril, 26 de Maio e 30 de Junho). Com a representação agora em estreia pretende-se “ir além da função óbvia do lavadouro”, divulgando o trabalho de jovens artistas, mas também “devolver o espaço às pessoas”. Afinal, estamos ante uma produção artística tutelada por um colectivo que preza uma forte relação com a comunidade.


O espectáculo é um projecto do Teatro do Silêncio, estrutura de criação artística fundada em 2004 por Maria Gil e que, desde 2011, tem desenvolvido uma actividade regular no lavadouro – cumprindo um protocolo celebrado com a Junta de Freguesia de Carnide, com o objectivo de aproximar as comunidades locais à criação artística contemporânea. E se é verdade que se apresenta como “uma visita à Lisboa de outros tempos”, mostrando sobretudo aos mais novos uma actividade que caiu em desuso, esta actuação – para a qual é necessária marcação (tel: 91 463 26 75 e producao.teatrodosilencio@gmail.com) e custa 3€ – não deve ser vista como um devaneio ou uma incursão no “exotismo”. “O espaço continua em uso. Basta pedir a chave no centro paroquial, aqui ao lado”, informa Maria Gil.

 

 

Apesar de fazer questão de afastar essa ideia de mera curiosidade etnográfica quando contemplamos um equipamento colectivo deste género, a responsável pelo acompanhamento dramatúrgico do “À Descoberta do Lavadouro” não deixa de admitir que os tempos em que as pessoas a ele recorriam são coisa do passado, “felizmente”. “Na altura da crise, porém, voltou a ser muito utilizado. Havia uma senhora que vinha da Amadora carregada de roupa”, diz a directora artística do Teatro do Silêncio, função partilhada com Miguel Bonneville. “Não sabemos se, com outra crise, não voltará ser utilizado”, especula Bonneville. À cautela, poderemos sempre aceitar os ensinamentos do workshop “Como Lavar Roupa à Mão”, que complementa o espectáculo.

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