Biblioteca-Museu República e Resistência, criada por João Soares, vai acabar e dar lugar a biblioteca de bairro

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Samuel Alemão

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CULTURA

Avenidas Novas

13 Maio, 2019

Surgido em 1993, por decisão do então vereador da Cultura do presidente da câmara Jorge Sampaio, o espaço cultural, especializado na I República, maçonaria e resistência ao fascismo, encerra a 15 de Junho. Há quem tema que seja em definitivo. A Câmara de Lisboa diz apenas que as instalações onde se encontra desde 2001, no Bairro do Rego, vão para obras. Mas circula a informação de que poderão dar lugar a uma biblioteca ao serviço da comunidade local, desfavorecida socialmente. “Temos um bairro isolado e onde uma biblioteca será bem acolhida”, diz Ana Gaspar, presidente da Junta de Freguesia das Avenidas Novas, a quem poderá vir a ser entregue a gestão do equipamento. Tal desfecho está, porém, a causar descontentamento junto dos funcionários e do coordenador da instituição, bem como de alguns estudantes e investigadores. A presidente da junta diz que falta “fulgor” ao espaço. Mas o seu coordenador lembra que os problemas vêm de trás. “Encontrei-o moribundo, com grandes problemas do foro técnico, infraestrutural, programático e da imagem”, diz Jorge Mangorrinha.

Pouco mais de um quarto de século após a sua inauguração, a Biblioteca-Museu República e Resistência, pólo da rede municipal de bibliotecas de Lisboa (BLX) com um acervo especializado nas áreas da República, Resistência e Maçonaria, vai encerrar em definitivo. As portas fechar-se-ão a 15 de Junho. O equipamento cultural situado no bairro do Rego – para onde se mudou em 2001, vindo das primeiras instalações, situadas num edifício da antiga vila operária Grandella, na Estrada de Benfica – deverá ser alvo de obras de requalificação, para que possa acolher uma nova biblioteca da rede BLX. Um cenário já acolhido com entusiasmo pela presidente da Junta de Freguesia das Avenidas Novas, Ana Gaspar (Cidadãos Por Lisboa, eleita nas listas do PS), embora admita a O Corvo que “oficialmente” nada sabe sobre o assunto. A mudança está, porém, a causar incómodo em alguns sectores, que vêem o fim deste núcleo especializado como uma opção ideológica do pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Lisboa (CML), tutelado por Catarina Vaz Pinto.

Criada em 1993, por decisão de João Soares, então vereador com o pelouro da Cultura, num executivo municipal liderado por Jorge Sampaio, a Biblioteca-Museu República e Resistência sempre assumiu um estatuto particular dentro do universo das unidades da BLX. Demarcando-se pela especificidade do seu acervo, muito procurado por curiosos e estudiosos da história contemporânea nacional, contém um acervo de mais de meia centena de milhar de livros e documentos, na sua grande maioria relacionados com a I República, a resistência ao fascismo e a Maçonaria. Uma parte substancial do mesmo é formado a partir da Biblioteca Dulce Ferrão, nascida do espólio pessoal do jornalista Carlos Ferrão (1898-1979), o qual manifestou o desejo de baptizar com o nome da sua mulher tal colecção. Depois de a vender, em 1976, ao Estado, por um preço simbólico, a mesma ficou ao cuidado da CML, a partir de 2001, ano em que o equipamento cultural se transferiu da Estrada de Benfica para o bairro do Rego.

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Gerido pela câmara municipal ou pela junta de freguesia, o edifício albergará uma biblioteca de bairro

Na altura, a mudança para um edifício situado num aglomerado de habitação social acabado de construir, no âmbito do antigo Programa Especial de Realojamento (PER), respondia ao desejo dos responsáveis do Museu Biblioteca República e Resistência, então dirigido por João Mário Mascarenhas (1945-2016), de oferecer melhores condições aos visitantes habituais. Surgia assim um espaço que, para além de uma sala de leitura, tinha também um pequeno auditório (com capacidade para 85 pessoas) para a realização de conferências, espectáculos e cerimónias, uma sala de exposições, postos com computadores para acesso público à internet e uma cafetaria. Mas tinha também a intenção de cativar os estudantes com tais facilidades, dada a proximidade à Cidade Universitária, bem como à Universidade Católica. Ao mesmo tempo, a localização do espaço cultural num bairro com aquelas características almejava também cativar a comunidade local, contribuindo para a sua integração social.


Objectivos que alguns consideram terem-se esgotado ou estarem hoje longe de serem cumpridos. A começar pela presidente da Junta de Freguesia da Avenidas Novas, Ana Gaspar (Cidadãos por Lisboa, eleita nas listas do PS), que a O Corvo comenta ter aquele equipamento “perdido muito do seu fulgor”, com uma procura reduzida por parte da comunidade, notando ainda que a cafetaria, por exemplo, deixou de funcionar há vários anos. Apesar de elogiar o trabalho desenvolvido por aquela dependência camarária e todo o seu historial, a autarca reage com entusiasmo ao cenário de transformação daquele espaço numa biblioteca de bairro – integrada no Programa Estratégico Biblioteca XXI – Uma Rede de Bibliotecas Públicas Municipais para a Cidade de Lisboa -, com acervo e serviços vocacionados para todos os moradores daquela área da cidade. “Temos ali um bairro que está isolado e onde uma biblioteca com essas características seria muito bem acolhida”, diz.

 

Ana Gaspar ainda não foi notificada oficialmente pelo pelouro da Cultura da Câmara de Lisboa sobre a mais que provável mudança – embora tenha agendada uma reunião sobre o assunto com a direcção da BLX -, mas vai dizendo que tal “seria uma ideia extraordinária”. E vai já fazendo planos para o que poderá ser a nova vida daquele equipamento cultural, o qual poderá ficar sob tutela municipal ou até da junta de freguesia. Se for este o caso, a presidente da autarquia diz ter já acervo bibliográfico para integrar a sala de leitura, grande parte dele resultante do espólio das antigas instalações do núcleo de São Sebastião da Pedreira. A chegada desses livros e a mudança de vocação do espaço – que no átrio conta com mural da autoria de Maria Keil – justificaria, então, sabe a autarca das Avenidas Novas, a transferência do actual espólio do Museu Biblioteca República e Resistência para o Museu do Aljube – Resistência e Liberdade,  inaugurado em 2015 e também ele administrado pela câmara municipal.

 

 

Um cenário que, contudo, carece ainda de confirmação por parte da CML e em relação ao qual são ainda escassas as informações concretas. Mas que, sabe O Corvo, estará a causar descontentamento entre os seis funcionários do museu cuja existência se aproxima do fim, incluindo o seu coordenador, Jorge Mangorrinha – que ali chegou em Setembro de 2016, após a morte de João Mário Mascarenhas. “A câmara tem aqui uma forte responsabilidade, pois este é um equipamento singular. Isto é feito em cima do joelho, sem qualquer sensibilidade pela história e pelas origens desta casa”, critica um dos elementos que trabalha na instituição, pedindo anonimato. Questionada por O Corvo, a autarquia limitou-se a confirmar o encerramento da biblioteca para obras, a 15 de Junho, informando ainda que, “enquanto estiver encerrada, os livros serão disponibilizados na Biblioteca Palácio Galveias”.

 

Há quem critique a prolongada falta de investimento camarário no equipamento, que se reflectirá em diversas patologias nas instalações, a mais relevante das quais é a crónica avaria do sistema de ar condicionado. Mas a maior preocupação está relacionada com o acervo. “Esta colecção não pode ser desagregada. Um biblioteca especializada, como esta, enriquece qualquer rede de bibliotecas”, diz o mesmo funcionário, garantindo que o equipamento cultural recebe “entre 10 a 15 pessoas diariamente”. No dia em que O Corvo ali esteve, na semana passada, os serviços administrativos da instituição haviam recebido um pedido de marcação de visita das instalações, a 7 de Setembro próximo, por parte de um professor da Universidade de Joanesburgo, na África do Sul, e dos seus alunos. Teve de ser declinado. “Um espaço com tais características, especializado nesta área, deveria ser mantido”, comenta um dos frequentadores, Luís Vasconcelos, 60 anos.

 

Na mesma ocasião, O Corvo teve oportunidade de confrontar, no local, o coordenador da biblioteca-museu com o mais que provável encerramento e a subsequente extinção. “Este equipamento tem uma história e um acervo consideráveis, mas encontrei-o moribundo, com grandes problemas do foro técnico, infraestrutural, programático e da imagem”, diz o dirigente, sublinhando que os problemas vinham de trás. E refere que tinha indicações expressas da tutela, quando aceitou o convite para cargo. Os objectivos, salienta, passavam, sobretudo, por “organizar a colecção e as obras de arte, bem como de reforçar o tema da ‘República’, para que a ‘Resistência’ possa ser continuada pelo Museu do Aljube”.

 

 

Orgulhoso com o trabalho por si desenvolvido e pela equipa que lidera, Jorge Mangorrinha não tem dúvidas: “Creio que temos agora condições, caso a hierarquia o considere, para criar uma ‘Casa da República’, para que esta receba o acervo ligado à temática, neste ou noutro local, e para que o actual edifício tenha as obras reclamadas”. O coordenador escusou-se, todavia, a tecer considerações adicionais sobre a forma como o processo está a ser conduzido pela Câmara de Lisboa, considerando que caberá à hierarquia pronunciar-se mais aprofundadamente sobre as razões por detrás da decisão. Apenas acrescenta: “A decisão de fecho e retirada dos conteúdos não é minha”.

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