Moradores e juntas de freguesia vão passar a fiscalizar limpeza de graffiti em Lisboa
Os munícipes, as associações de moradores e as juntas de freguesia da capital deverão passar a fazer parte do dispositivo de vigilância dos tags e graffiti ilegais, ajudando as empresas contratadas pela Câmara Municipal de Lisboa (CML) a fazerem o trabalho de limpeza e de fiscalização da mesma. A ideia é que, por serem melhores conhecedores do território, tanto esses grupos de cidadãos como as 24 juntas da cidade comecem a comunicar directamente às firmas especializadas, com contratos assinados com o município, todas as situações de vandalização do património com aerossóis detectadas.
E, além disso, ajudarão também a verificar se essas empresas encarregues da limpeza estão a fazer bem o seu trabalho, comunicando eventuais falhas directamente à fiscalização – também ela contratada pela autarquia da capital. A comunicação dos sítios onde as acções de limpeza serão necessárias far-se-á através de email. Tudo isto para que Lisboa tenha um “sistema muito robusto de limpeza de tags e graffiti”, promete a câmara municipal. Algumas juntas de freguesia e associações de moradores já estarão a cooperar, mas a grande maioria aguarda instruções mais precisas da CML. Na verdade, a maior fatia dos locais considerados prioritários já identificados não está, neste momento, coberta pelo serviço de limpeza porque, explica a O Corvo a autarquia, ainda terão de ser resolvidas as complicações judiciais relacionadas com os contratos de remoção e limpeza de graffiti assumidos pela câmara.
A novidade sobre esta forma de actuar foi revelada pela câmara, durante a última reunião descentralizada do executivo, realizada a 7 de Março, e surge numa altura em que a edilidade aguarda a validação pelo Tribunal de Contas (TC) de diversos contratos de limpeza de graffiti recentemente “chumbados” por aquele órgão. A 29 de Janeiro, foi tornada pública a recusa dos juízes do TC em aceitar o recurso interposto pela autarquia à não validação, a 31 de Outubro, de três contratos celebrados, em 2017, entre a câmara e empresas especializadas para a remoção de graffiti e de cartazes, num total de cerca de 425 mil euros. Os membros daquele tribunal contestam a necessidade da CML fazer uso de ajustes directos para contratar tais serviços.
Mas a câmara municipal alegou que um hiato ou uma maior demora na limpeza e remoção “propiciam e estimulam o aumento da produção de graffitis, conduzindo inevitavelmente a maiores danos no património edificado”. Argumentos não atendidos pelo TC, recusando este estar-se perante um fenómeno que justifique “urgência imperiosa” de ajuste directo, mas sim ante um “problema sistémico ou recorrente”.
Esse é, contudo, apenas um dos problemas da câmara nesta matéria, pois a autarquia estará ainda a lidar em tribunal com a contestação por parte de concorrentes preteridos noutros contratos de limpeza e de fiscalização, referentes a algumas zonas da capital. Dos oito “lotes” ou zonas em que a mega-operação de limpeza da cidade foi dividida, seis estarão nesta situação de litigância.
Isso mesmo foi explicado por Duarte Cordeiro, vice-presidente da autarquia, na tal reunião descentralizada do executivo de 8 de Março. “Lançámos um concurso público que, no fundo, dividiu a cidade em oito lotes e aumentou substancialmente o investimento na limpeza de graffitis. O concurso está em tribunal, porque houve alguns dos lotes que foram contestados por alguns dos concorrentes. Adjudicámos dois lotes, temos os outros seis a aguardar decisão em tribunal”, explicou então o autarca, salientando que os ajustes directos, entretanto vetados pelo TC, decorrem dessa querela jurídica. Mas a referida recusa de visto pelo Tribunal de Contas aos ajustes directos, explicou, tem impedido a câmara municipal de recorrer a este expediente, enquanto os tribunais judiciais não se pronunciam sobre os seis lotes em causa.
Apesar de tantos engulhos burocráticos e legais, Duarte Cordeiro entende que é possível a câmara continuar a actuar nesta matéria. “Achamos que é possível algumas das matérias serem resolvidas com algumas pinturas, do ponto de vista da pintura de edifícios, coisas menos técnicas, não os graffiti mais complicados de limpar, mas sim os mais fáceis. Enquanto não houver uma decisão judicial, iremos proceder por empreitadas de trabalhos diversos que possam resolver alguns casos identificados”, explicou. O objectivo, garante, é que quando o imbróglio jurídico estiver resolvido, esteja em operação na cidade “um sistema muito robusto de limpeza de tags e graffiti” e, “algo que já está em curso, um contrato de fiscalização desse mesmo sistema”.
E é aqui, no que se refere à fiscalização das operações de limpeza, que entram as juntas de freguesia, os moradores e as associações por eles formadas. Nessa mesma intervenção, o vice-presidente da câmara assegurou que já terá sido “dada a possibilidade dessa fiscalização estar em contacto com as freguesias”, mas existe também a possibilidade de pôr em contacto também as empresas com as associações de moradores. “As associações de moradores, se acederem às empresas que fiscalizam as empresas que limpam, no fundo, ganhamos eficácia”, assegurou. O autarca salientou que a maior dificuldade, de momento, acaba por ser a espera pela validação judicial dos contratos já estabelecidos.
Isso mesmo foi agora reafirmado, por escrito, a O Corvo, pelo gabinete de Duarte Cordeiro, o qual promete a operacionalidade integral do plano “assim que a situação dos contratos de limpeza e remoção de graffitis estiver desbloqueada por decisão judicial”. E explica como a mesma funcionará: “A CML porá em execução uma das vertentes do serviço de fiscalização contratada, nomeadamente, através da relação directa entre a empresa fiscalizadora, as freguesias e os munícipes, através de envio de e-mail para endereço electrónico específico e directo, com a indicação de local que tenha graffitis que precisem de ser limpos. Recebido esse e-mail, será accionada de imediato a limpeza nos termos daquilo que for a obrigação para essa determinada localização (limpeza até 12h; limpeza até 48 h ou limpeza até uma semana)”.
E os resultados dessas operações de limpeza serão alvo de escrutínio, promete a Câmara de Lisboa. “O trabalho da execução será controlado pela empresa de fiscalização e pela CML, que depois dará nota à entidade (freguesia, munícipe ou associação de moradores) quando o trabalho de remoção de graffiti estiver concluído”, explica a mesma nota escrita. As juntas até já estarão informadas desta forma de proceder, garante o gabinete do vice-presidente da CML, notando que o processo só não se encontra a funcionar em pleno devido às tais questões judiciais. “As juntas de freguesia já se encontram a colaborar, mas em virtude de só termos dois contratos em execução e que não foram alvo de impugnação judicial (Lisboa Oriental e Linha do Elétrico 28), a maioria dos locais identificados não está ainda coberta pelo serviço de limpeza e remoção”, esclarece. “Posto isto, só quando tivermos toda a cidade coberta poderemos ter esta articulação a funcionar no seu pleno”, acrescenta o gabinete de Duarte Cordeiro.
A novidade avançada por Duarte Cordeiro na referida reunião descentralizada surgia como resposta a uma intervenção de um munícipe sobre o problema dos graffiti, feita por Rui Martins, responsável pelo movimento cívico Vizinhos do Areeiro. Contactado agora por O Corvo, Rui Martins acha perfeitamente exequível tal tarefa de fiscalização por parte das associações de moradores. Até porque, no caso deste movimento, não será novidade. “Nós já fazemos isso. Temos realizado um trabalho de levantamento dos tags e graffiti ilegais na freguesia do Areeiro e comunicamo-los à câmara através da plataforma Na Minha Rua”, explica.
Na última contagem, realizada entre o final de Fevereiro e o início de Março, a Vizinhos do Areeiro contabilizou 304 situações. O movimento diz até já ter traçado o perfil do tagger: “São sobretudo rapazes brancos, da classe média, reunidos em grupos rivais (as ‘crews’), que actuam de noite, e, ao contrário do que se pensava, são muitos e cada um faz um número limitado de intervenções dessas”. Rui Martins defende, à imagem do proferido por alguns especialistas, que a melhor forma de lidar com o problema é limpar as pinturas ilegais no máximo até 48 depois de serem feitas.
Também algumas das juntas de freguesia da capital têm já uma rotina de comunicação com a CML nesta matéria. É o caso de Santa Maria Maior, território onde se incluem bairros tão emblemáticos como Alfama, Castelo, Mouraria, Baixa e Chiado. “Quando sinalizamos à câmara intervenções à margem da lei, e pedimos para a empresa de limpeza para lá ir, eles vão. E temo-lo feito com alguma frequência”, diz a O Corvo o presidente da autarquia, Miguel Coelho (PS), explicando que, nessas intervenções feitas a pedido, é sempre privilegiada a propriedade pública, a qual a junta se sente mais obrigada a defender. Nesse aspecto, considera, a colaboração com a câmara tem “funcionado satisfatoriamente”. Mas o autarca considera que o empenho colocado pela Câmara de Lisboa contra esta forma de vandalismo nunca será suficiente para o debelar. Pelo menos nos actuais moldes.
“O problema é que limpamos uma parede, ela aguenta-se uns 15 ou 20 dias assim, e depois aparece outra vez suja”, queixa-se. “Isto deveria fazer-nos reflectir sobre se não estaremos aqui a gastar dinheiro público, sem grandes efeitos práticos. Não faço ideia se se deveria mudar o quadro legal e aumentar as coimas. Talvez nem isso funcione. Mas sei que, tal como está, assim isto não se resolve”, lamenta Miguel Coelho, admitindo que, até ver, a melhor forma de lidar com a profusão de tags e graffiti é tentar trabalhar com artistas reconhecidos.
Ao ocuparem com as suas obras algumas das paredes mais apetecíveis dos bairros, podem ter um efeito dissuasor sobre quem se sinta tentado a agir à margem da lei. “Mas mesmo isto é relativo. Estamos a falar de uma cultura que valoriza a transgressão. Há até um roteiro turístico internacional à volta disto”, diz.
O Corvo questionou a Câmara de Lisboa, no passado dia 15 de Março, sobre a possibilidade de a autarquia vir a contar com a colaboração das associações de moradores no controlo de graffiti. “Em que moldes poderá tal colaboração realizar-se? As juntas estão já a colaborar no processo de fiscalização? Qual a avaliação desta colaboração?”, eram as questões, cujas respostas não chegaram até ao momento da publicação deste artigo.