Calçada portuguesa banida do Miradouro de Santa Catarina

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Francisco Neves

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URBANISMO

Misericórdia

19 Março, 2013


Quando o Verão chegar, o histórico miradouro de Santa Catarina, junto ao bairro da Bica, terá nova cara. A profunda modificação arrancou nos últimos dias de Janeiro, no âmbito de um projecto de melhoramentos urbanos que abrange artérias das imediações. A estátua do Adamastor, de 1927, vai ficar mais destacada, a inclinação do recinto sobranceiro ao Tejo diminuirá e o pavimento, bem como os bancos, passarão a ser de lioz, desaparecendo a calçada portuguesa. E é este o principal motivo do desagrado de alguns moradores.

A questão foi levantada logo na apresentação pública do projecto, em Dezembro passado, pelo vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Manuel Salgado, na companhia dos presidentes das juntas de freguesia de S. Paulo e Sta. Catarina, dois entusiastas da obra. As principais reticências vieram então de arquitectos residentes ou com atelier na Bica, que vêem na pavimentação do miradouro com lioz, um calcário duro semelhante ao mármore, um luxo “de novo rico” contrário ao espírito do lugar, onde deixará uma fortíssima marca negativa.

Segundo eles, o projecto em construção – levado a concurso numa anterior gestão camarária –, com as suas grandes peças de lioz maciço, seria mais próprio para um local novo, sem história. A obra, lamentaram, não é uma reabilitação, mas uma alteração completa. Dois dos arquitectos críticos da intervenção não quiseram prestar declarações ao Corvo sobre o assunto, alegando que tal seria inútil.

Embora a intervenção não padeça de qualquer irregularidade, tendo seguido os formalismos correspondentes, alguns moradores organizaram no Verão passado um abaixo-assinado tentanto impedi-la. Nesse texto, endereçado aos vereadores Manuel Salgado, Sá Fernandes e Helena Roseta, apelavam a um “verdadeiro projecto de requalificação em Santa Catarina”. O abaixo-assinado apelava a uma intervenção não apenas paisagística, mas também social e notava: “O miradouro é, há mais de dez anos, um centro de venda e consumo de droga, facilitadíssimo pela total tolerância das autoridades”.

Um bom projecto de requalificação, lia-se mais adiante, “não vai acontecer por se porem grandes lajes abancadas de lioz branco”. Os signatários, entre os quais alguns criadores, como o realizador João Botelho ou Natxo Checa, fundador da Galeria Zé dos Bois, criticavam ainda a segurança do futuro gradeado a instalar e o “nervoso desenho ‘moderno’” do recinto por “não ser seguro para as crianças” e de “difícil manutenção e limpeza”. “Este projecto não é de requalificação, é de alteração e descaracterização”, argumentavam. Sem resultado.

“Na apresentação pública do projecto, houve uns arquitectos que acharam que seria melhor outra fórmula, mas a obra fazia muita falta pois o miradouro estava degradado”, comentou Fernando Duarte, presidente da Junta de Freguesia de São Paulo. “O projecto foi muito bem concebido. A estátua do Adamastor estava parcialmente enterrada na zona de relva e agora voltará à situação original e terá mais visibilidade”, argumenta o autarca, lembrando que também o passeio de acesso ao elevador da Bica já foi aprimorado com o vistoso “mármore” da região de Lisboa.

“É da pedra melhor que existe”, corroborou a sua colega da Junta de Freguesia de Santa Catarina, Irene Lopes, tal como o primeiro contactada num intervalo da Assembleia Municipal de Lisboa”. O local exige bons materiais e a estátua muito mais realce”, acrescentou.

O vereador do Ambiente Urbano e Espaços Verdes, José Sá Fernandes, comentou que o antigo pavimento, de pedra branca enquadrada em faixas de pedra preta, “não era a calçada artística e desenhada que tem o seu expoente máximo na Baixa. De resto, o lioz é uma pedra bem lisboeta”, contrapôs.

O miradouro, disse o vereador independente, “estava degradadíssimo e com relvados em muito mau estado”. Concordou que a frequência do local por gente ligada ao consumo e venda de droga, que as obras arredaram temporariamente para outros locais, como o Largo de Camões, é um problema a resolver. “Acho que a maioria das pessoas estão satisfeitas com a intervenção. O que eu quero é que aquilo fique bonito e apetecível”, acrescentou.

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