Cidadãos querem salvar da demolição antigo Cinema Paris contra “febre da especulação imobiliária”
O veredicto estará aparentemente traçado, mas, ainda assim, existe quem tenha esperança na sua reversão. Um grupo de cidadãos lançou, no passado fim-de-semana, uma petição pública apelando à suspensão da demolição do antigo Cinema Paris, anunciada pela Câmara Municipal de Lisboa (CML), no início de Junho. A antiga sala de espectáculos, situada na Rua Domingos Sequeira, entre a Basílica da Estrela e Campo de Ourique, abriu em 1931, de acordo com o projecto do arquitecto Victor Manuel Carvalho Piloto, seguindo influências Art Déco, e encontra-se sem utilização desde há mais de três décadas. De lá para cá, as muitas indefinições quanto ao que fazer com o imóvel têm andado a par com a sua progressiva degradação. Ao ponto de já em 2003, aquando da presidência da câmara de Pedro Santana Lopes (PSD), se ter avançado que a demolição seria o destino do edifício. A mobilização popular, na altura, travou um desfecho que volta agora a ser visto como muito provável.
No abaixo-assinado “Salvaguarda do antigo Cinema Paris”, dirigido à Câmara de Lisboa e à assembleia municipal da cidade, pede-se uma “solução alternativa (…) que não implique a sua demolição mas que permita a sua recuperação e reutilização como equipamento cultural da cidade e das carenciadas freguesias da Estrela e de Campo de Ourique”. Na petição, é ainda solicitado aqueles dois órgãos autárquicos que “tomem em consideração o elevadíssimo valor urbanístico, cultural e paisagístico das envolventes à Basílica da Estrela, Hospital Militar, Jardim da Estrela, Quartel da GNR e complexo dos Ingleses, impedindo a febre da especulação imobiliária e se coíbam de aprovar projectos urbanísticos e de arquitectura que maculem aquela que é uma das poucas zonas de Lisboa onde é possível ter paz e bom ambiente”.
Decisões em relação às quais, salienta-se nos considerandos da petição, os decisores políticos e técnicos da autarquia se devem basear, após julgarem “as várias opções que há no local” e avaliarem o “Interesse Público de que se reveste esta situação”. São quatro os argumentos essenciais avocados pelos autores do abaixo-assinado para apelar às suspensão da demolição do antigo Cinema Paris e à sua reabilitação enquanto equipamento cultural: a ausência de salas de espectáculo na Estrela e em Campo de Ourique; o facto de o edifício ter sido “objecto de avaliação e recomendações várias pela sindicância feita em 2007 aos serviços de urbanismo da CML”; “o alto valor especulativo dos terrenos circundantes ao antigo Cinema Paris, designadamente nas suas traseiras, na Rua da Estrela”; e ainda porque, diz-se, a “anunciada demolição não reflecte nenhuma auscultação à cidade e, especificamente, à população da Estrela e de Campo de Ourique”.
“Trata-se de um cinema histórico, que não deveria ir abaixo, e em relação ao qual se podia encontrar uma utilidade cultural ao serviço da comunidade”, afirma, em declarações a O Corvo, Gieselle Unti, uma das promotoras da recolha de assinaturas, assumindo assim a vontade de não deixar cair uma causa dada como perdida para muitos. Moradora em frente ao Paris, vê com apreensão a prevista substituição da antiga sala de cinema por um qualquer empreendimento imobiliário e, dessa forma, mais um contributo para o apagamento da memória. O facto de a sentença de demolição ter sido já anunciada não esmorece Gisselle. “Isso deve levar as pessoas a se mobilizarem ainda com mais força, porque se aproxima um momento decisivo”, diz, lamentando ainda que a Câmara de Lisboa não assuma um papel activo na preservação deste edifício. “A câmara poderia tomar em mãos a recuperação deste imóvel, nem que fosse em parceria com um privado, pois tem obrigação de zelar pelo património histórico. Além disso, a conversão do Cinema Paris num espaço cultural faria todo o sentido, pois estes bairros, por não estarem na zona central, estão carenciados de equipamentos desse género”, afirma.
![ocorvo24072018cinemaparis3 ocorvo24072018cinemaparis3](https://ocorvo.pt/wp-content/uploads/2018/07/ocorvo24072018cinemaparis3.jpg)
As tapumes em redor do Cinema Paris são já parte do cenário há muitos anos
Não é a primeira vez que se realiza uma recolha de assinaturas a favor da preservação daquela antiga sala de espectáculos – a última vez que tal aconteceu foi há pouco mais de três anos, reunindo então apenas 166 assinaturas. Em todo o caso, tal vontade muito dificilmente conseguirá contrariar a sentença de morte do degradado imóvel, há muito anunciada e recentemente confirmada pelo vereador do Urbanismo, Manuel Salgado. Na reunião descentralizada do executivo camarário de 6 de Junho, o autarca disse que a câmara municipal se encontrava a apreciar um projecto urbanístico para o local onde ainda permanece a velha sala de espectáculos, a qual deverá ser demolida – isto porque, considerou, “do ponto de vista arquitectónico não é propriamente um edifício com grande valor”. O projecto de construção de um novo edifício naquele sítio, informou, foi entregue em 18 de Maio passado, depois de o anterior, apresentado pelo mesmo promotor há quase um ano, ter sido chumbado por um parecer da Direcção Geral do Património Cultural (DGPC).
Quando deu essa informação, o vereador tentou esvaziar as esperanças que alguns possam ter relativamente à preservação do antigo cinema – até porque o próprio Salgado admitira, já no final de 2015, como muito provável um cenário de demolição. Nesta última reunião pública, no mês passado, o autarca considerou mesmo o Paris como “uma chaga já há décadas”, relativamente à qual não restará outra solução se não a sua destruição e substituição por uma construção nova. “O valor patrimonial que o edifício tinha era, sobretudo, uma pintura no interior, uma vez que, do ponto de vista arquitectónico, não é propriamente um edifício com grande valor”, afirmou, acrescentando que “já está tudo danificado e chegou-se a um ponto de tal degradação, que já não é viável a recuperação daquele imóvel para a função de cinema ou cineteatro”.
O Corvo tentou ouvir os presidentes das juntas de freguesia da Estrela e de Campo de Ourique sobre esta questão, mas tal não foi possível até ao momento da publicação deste artigo – tendo-se o autarca de Campo de Ourique, Pedro Cegonho (PS), escusado a fazer comentários sobre a mesma. O presidente da junta da Estrela, Luís Newton (PSD), já havia manifestado, noutras ocasiões, em declarações a O Corvo, a sua resignação com a anunciada demolição.
Para subscrever a petição: peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT90130
Quando era jovem, o cinema Paris era um dos meus cinemas. Para além do Paris, tinhamos o Europa (cujo edificio já não existe), em Campo de Ourique e o Jardim Cinema, na Pedro Alvares Cabral, que actualmente é uma loja chinesa.
Fico muito contente de , finalmente, demolirem o Paris. Não serve para nada há décadas. E, se não for demolido, vai continuar como está.