No Mercado de Benfica elogia-se novo serviço de entregas ao domicílio, mas ainda faltam chegar as encomendas

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Sofia Cristino

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VIDA NA CIDADE

Benfica

22 Abril, 2019

As entregas gratuitas ao domicílio começaram há uma semana (15 de Abril) no Mercado de Benfica, o primeiro da rede de 28 mercados municipais de Lisboa a aderir à iniciativa. Para já, ainda não há encomendas, mas não deverá ser por muito tempo. O Corvo foi ao mercado ouvir potenciais clientes. Há quem veja no novo serviço uma mais-valia, porque se chega cada vez mais tarde a casa e esta até será uma boa forma de “preservar a compra de artigos frescos”. Mas há quem esteja relutante com a novidade. “Vir ao mercado é uma forma de sair de casa”, diz uma cliente octogenária. Os vendedores também estão divididos. Os mais novos acreditam que tem de haver “um tempo de adaptação” e estão optimistas. Os mais antigos, vários já a fazerem entregas em casa, consideram “impessoais” as novas formas de distribuição. “Os meus clientes gostam de me ver e de conversar comigo, não querem que vá lá uma empresa”, conta uma vendedora.

No mercado de Benfica, logo pela manhã, dezenas de pessoas empoleiram-se umas nas outras para alcançarem as peças de fruta com melhor aspecto. A azáfama poderia ser explicada por estarmos em vésperas da Páscoa, mas o cenário é sempre assim, neste que é um dos mercados com maior afluência da capital. Laura Ferreira, 73 anos, tenta passar através da confusão, com dois sacos de kiwis, um em cada ombro, para ela e a filha – que está a trabalhar e não consegue ir ao mercado naquele horário. Ainda está no início das compras e daqui a poucas horas já deverá estar “bem mais carregada”, antevê. O serviço de entregas ao domicílio da Câmara Municipal de Lisboa (CML) e da Junta de Freguesia de Benfica, em funcionamento desde a passada segunda-feira (15 de Abril), poderia ser uma ajuda, mas, para já, Laura não quer experimentar. “Gosto muito de andar. Às vezes, até abuso nas caminhadas, mas faz-me falta. Gosto de ver os produtos e levá-los logo, para cozinhar assim que chegar a casa. Enquanto puder, prefiro assim”, admite.

Na banca dos legumes, ao lado, Natividade Dias, 88 anos, acondiciona os sacos no trólei das compras. E também quer continuar a fazê-lo, “enquanto as pernas permitirem”, diz, entusiasmada. “Vir ao mercado é uma forma de sair de casa. Vejo o que quero e me agrada para o almoço e, depois, vou logo para casa, sem ter de esperar”, explica. O mercado de Benfica foi o primeiro da rede dos 28 mercados da capital a disponibilizar esta opção de entrega gratuita em casa dos clientes, no âmbito do Plano Municipal dos Mercados de Lisboa. O período de entregas decorre entre as 9h e as 20h, até vinte quilómetros do mercado, e quem solicitar o serviço tem de comprar artigos no valor mínimo de cinco euros. O mesmo serviço decorre num horário mais restrito, entre as 9h e as 11h, para os profissionais da restauração e, nestes casos, o valor mínimo de compras é de 50 euros e as entregas são feitas num raio máximo de cinco quilómetros. O pagamento pode ser feito através de cartão bancário ou em dinheiro, à excepção da restauração, que só o pode fazer em multibanco.

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Muitos clientes, como Laura Ferreira, preferem passear no mercado e observar de perto os produtos

No mercado inaugurado há quase meio século, os vendedores elogiam a iniciativa, mas, para já, ainda nenhum recebeu solicitações de encomendas. E sugerem explicações. “É uma boa medida, mas ainda não faz parte das rotinas das pessoas. Além disso, têm de nos fazer os pedidos com algum tempo de antecedência, para prepararmos com calma, e ainda temos de perceber melhor como o vamos fazer”, diz Emília Coelho, 55 anos, vendedora de legumes. Na banca de frutas de Teresa Barbosa, 62 anos, também ainda ninguém fez encomendas, mas a vendedora está optimista.

 

“As pessoas ainda não sabem como funciona e é preciso um tempo de adaptação. Vai ser muito bom para quem tem mais dificuldade em andar, a maior parte dos nossos clientes”, considera, enquanto arranja vários sacos de vegetais para Paulo Sá, 48 anos. O cliente, morador na Amadora, já compra legumes no mercado há vários anos, mas, desde que o filho é vegetariano, passou a procurá-lo ainda mais. Ali encontra sempre a batata doce, os cogumelos frescos e outros artigos que, nos supermercados, aparecem em menores quantidades e “com pior aspecto”. “Aqui compramos só o que precisamos e produtos de uma qualidade muito superior à do supermercado. Também gosto de vir aqui e conversar, o que não acontece nas grandes superfícies, que evito ao máximo”, conta.

 

Apenas há oito meses a gerir um espaço de venda no mercado de Benfica, Vânia Roberto, 54 anos, está muito entusiasmada com as entregas ao domicílio. Vários clientes já perguntaram como funciona o novo serviço e, para uma fase inicial, “está, pelo menos, a gerar muito interesse”, explica. “É uma excelente ideia, já devia ter sido posta em prática há mais tempo. Como as entregas são na zona de Benfica, chegam mais rápido, tem tudo para correr bem”, acredita. A vendedora de café moído, cereais e frutos secos a granel assinala, porém, algumas falhas do espaço comercial. “É preciso renovarem e modernizarem o mercado, que carece de obras, e alargarem os horários para atraírem os mais jovens, que só conseguem vir ao sábado”, sugere.

 

 

Noutra extremidade do mercado, na padaria Pão Pão Maria, Raquel Alves, 39 anos, também acredita que a adesão é “uma questão de tempo”. “É muito cedo para se falar do novo serviço de entregas, mas as pessoas estão a levar folhetos e comentam que tiveram conhecimento nas redes sociais. Muitas também ainda não perceberam que podem vir ao mercado na mesma e, depois, nós levamos”, explica. Ao final da manhã, a vendedora dos tradicionais pães de Mafra e alentejano já tem a montra vazia. Ainda há quem apareça à procura do pão que, garantem os clientes, “ali é o melhor”, mas já não há nem uma carcaça. À padaria, garante Raquel, chegam, todas as semanas, clientes de Carcavelos, Oeiras, Póvoa de Santa Iria e de outras zonas. “Vêm de muito longe”, afirma.


 

Noutra loja de pão, Isabel Albuquerque, 48 anos, ainda está atarefada a arranjar sacos de broa de maçã e passas, uma das especialidades, e embrulhos com amêndoas de chocolate branco com limão e framboesa, “as que têm mais saída, nesta altura”. No balcão tem vários panfletos a anunciar o novo serviço de entregas, mas, para já, está só a dá-lo a conhecer. “Neste corrupio, sozinha não consigo dar conta de tudo. É preciso preencher umas folhas para as entregas e isto dá trabalho”, diz. Reconhece que “é uma boa ideia, mas que acaba por funcionar melhor com os produtos mais pesados”. “Já perguntam do que se trata e uma cliente até ficou com o meu contacto para encomendar, mas ainda não ligou”, conta ainda.

 

 

Habituada a preparar sacos de batatas e outras encomendas pesadas, Isabel Santos, 63 anos, está muito expectante com a iniciativa da Câmara de Lisboa. “Acho que poderá ser uma excelente ideia para preservar a compra de artigos frescos, que começa a perder-se porque as pessoas não têm tempo”, considera. E algumas clientes confirmam. “Às vezes, saímos tão cansados do trabalho, que só nos apetece que nos entreguem a comida em casa. Acho que vai ser muito bom”, diz Velta Nogueira, 38 anos. Por outros motivos, Conceição Bidas, 78 anos, desabafa o mesmo. “Já fui operada várias vezes, a diferentes órgãos, e não posso fazer grandes esforços. Hoje, vim cá porque a minha filha insistiu comigo para espairecer, estou a recuperar de uma operação ao coração. Depois, vou precisar de mais apoio”, admite Conceição.

 

Quem trabalha há mais anos no mercado está, porém, mais relutante à mudança. “Estamos aqui há quarenta anos e, de repente, querem fazer entregas ao domicílio. As pessoas não estão habituadas. Não tive encomendas nenhumas, não sei se isso vai avante. Os clientes gostam de ver o tamanho e a cor dos legumes”, explica José Ferreira, 66 anos, vendedor de legumes. Alzira Marques, 78 anos, uma das vendedoras mais antigas, nem sequer aderiu ao programa de entrega ao domicílio. “Já faço entregas a meia dúzia de clientes habituais e eles só me querem a mim. Gostam de me ver e de conversar comigo, não querem que vá lá uma empresa de entregas. Um deles até me disse que não recebia a empresa de entregas”, conta.

 

 

A dificuldade na mudança de rotinas, explica Conceição Santos, 56 anos, também poderá ser um entrave à adesão do serviço de entregas. “Os meus clientes já estão habituados a mim, ligam-me a dizer o que querem e, quando vou lá entregar, gostam de ficar a falar comigo”, explica. E há mais pessoas a sentirem o mesmo. Rosa Maria, 55 anos, diz que entrega ao domicílio há vários anos. “Para muita gente deve ser boa ideia, mas para mim não”, desabafa.

 

Há menos tempo no mercado, mas com “largos anos de experiência” neste sector de actividade e fornecedor de vários restaurantes, Carlos Costa, 47 anos, não reagiu bem à novidade. “A transportadora que vai fazer as entregas chegou aqui um dia e pediu-me os contactos dos meus clientes, mas disse que não dava. Demorei anos a angariá-los, não ia dar os contactos, que me garantem mais de metade das vendas. Estou um bocado desconfiado, acho que querem controlar o que vendemos”, receia. O vendedor de legumes e frutas diz que não recusa encomendas, mas preferia ser o próprio a entregar. “Há uma relação de fidelização que criamos com os clientes e eles gostam de nos ver”, explica.

 

 

Em algumas peixarias, no talho e na charcutaria gabam a iniciativa das entregas ao domicílio, mas não aderiram. “Não temos a certeza se os produtos frescos, como o queijo fresco, chegam em boas condições. A partir do momento que saem daqui, deixam logo de estar à temperatura que devem estar para se conservarem e não sabemos exactamente a que horas entregam. Se alguma coisa corre mal, quem perde clientes somos nós”, diz Patrícia Santos, 36 anos, vendedora de queijos e enchidos, que já acompanha os pais neste ofício desde criança. Reconhece, contudo, que “a ideia é boa”, mas não para todos os tipos de artigos.

 

A peixeira Glória Fernandes, 73 anos, e a talhante Lucília Antunes, 60 anos, não aderiram ao projecto da autarquia porque, explicam, “as pessoas levam muito pouco, não se justifica”. “Tenho poucos clientes e, quando compram, é em pequenas quantidades, achei que não fazia sentido”, considera Lucília Antunes, enquanto corta um frango em bocados. Em frente ao talho, algumas bancas de peixe em círculo aguardam por clientes que teimam em aparecer. “Não compensava aderir às entregas ao domicílio, porque as pessoas compram cada vez menos”, diz Maria da Conceição, 77 anos, ali desde a inauguração do mercado, a 19 de Outubro de 1971. “Havia muitas pessoas a comprarem peixe, ainda não existiam as grandes superfícies comerciais”, recorda. Nem todas as vendedoras de peixe comungam, porém, desta opinião. “Acho que as entregas ao domicílio vão ser muito úteis, mas ainda temos de acertar os horários, porque não conseguimos estar a aviar peixe e a atender os clientes ao mesmo tempo”, diz Ana Henriques, 33 anos, há quase duas décadas no mercado.

 

 

Ermelinda Pereira, 63 anos, arranja um molhe de espinafres para uma cliente habitual, enquanto vai explicando a melhor forma de confecção. É uma das últimas tarefas daquela manhã, e começa a preparar-se para fechar. Na passada manhã de quinta-feira (18 de Abril), não teve muitos clientes. Mas Emerlinda não aderiu às entregas ao domicílio porque, explica, para ela “não fazem sentido”. “Não tenho clientes de grandes empresas e os meus clientes levam poucas quantidades”, diz. Perdeu vários clientes, conta ainda, desde que a Empresa de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL) começou a entrar na freguesia de Benfica. “Isto precisava de um grande parque de estacionamento, para recuperarmos clientes. E também necessita de obras, que andam a prometer há anos”, sugere ainda.

 

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