Os salões de jogos de Lisboa não morreram de vez, ganharam novas formas

REPORTAGEM
Pedro Arede

Texto

Hugo David & Pedro Arede

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VIDA NA CIDADE

Cidade de Lisboa

27 Abril, 2017

Perdidas por Lisboa, ainda há máquinas de “arcade” que pedem moedas em troca de créditos. Mas, há que reconhecê-lo, os salões de jogos fazem já parte do imaginário de outros tempos. Isto apesar de nunca ter havido tantos jogadores como nos dias de hoje. Não se pense, porém, que os aficionados de videojogos e os jogadores de outros jogos deixaram de se reunir para fazer o gosto ao dedo. Muito pelo contrário. O Corvo foi descobrir alguns dos locais onde eles se encontram.

Os salões de jogos, tal como os conhecemos, têm os dias contados. Pelo menos em Lisboa. Lançados na demanda de descobrir o paradeiro das últimas máquinas arcade da capital, O Corvo deparou-se com o vazio e a nostalgia de não mais existirem espaços de jogo dedicados à sua utilização. É verdade que ainda se encontram algumas máquinas perdidas num ou noutro café ou bar. Mas estamos longe do frenesim de outros tempos, onde, apesar do ambiente pouco convidativo, era fácil encontrar grupos de jogadores sedentos de novidades, à espera da sua vez de se chegar à frente.

“Era caricato. Sem dúvida que era um ponto de encontro para apreciadores de videojogos, que gostavam de ver não só as novidades, mas também de as experimentar”, explica ao Corvo Ivan Barroso, historiador de videojogos e cronista do jornal Público. “O ambiente em si não era o mais acolhedor para crianças. Escuro, fumarento, barulhento e, por vezes, com pessoas de aspecto ameaçador”, recorda.

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Foto: Pedro Arede

Hoje, em Lisboa, o som “pixelizado” de moedas que se transformam, como por magia, em créditos já não acompanha as expressões de vitória e frustração típicas destes espaços. As razões para o declínio dos salões de jogos são variadas, e estão intimamente ligadas não só ao desenvolvimento tecnológico, e ao aparecimento de máquinas de entretenimento domésticas mais potentes e acessíveis como as consolas, mas também à própria legislação, que sempre associou estes estabelecimentos aos chamados “jogos de azar”.

“Em solo nacional, a legislação nunca ajudou ao fenómeno. Como as máquinas de arcade – segundo a legislação portuguesa então em vigor – eram comparadas com as vulgares slot-machines e variantes, havia uma proibição para menores de 16 anos em frequentar esses espaços. Muitas vezes, tanto eu, como colegas, acabámos expulsos”, conta Ivan Barroso.

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“As arcades deixaram de ser consideradas o pico da tecnologia. Em casa, as consolas, assim como os computadores, rivalizavam em termos de hardware. Depois, veio a internet, que trouxe um novo mundo comunitário. Por fim, o preço. Como as novas máquinas ofereciam experiências bem diferentes das que podiam ser convertidas em versões domésticas, com estruturas cada vez mais alucinantes, o preço para ter acesso a tanta exuberância também subiu”.

Mas, anos passados e ao contrário daquilo que possa parecer, os jogadores têm descoberto novos pontos de encontro para conviver à volta de uma boa sessão de jogos. No Parque das Nações, o 1UP Gaming Lounge é disso exemplo.

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Fundado em 2013, este estabelecimento procura recuperar o espírito dos salões de jogos, com uma fórmula que tem vindo a atrair muitos jogadores e que junta a possibilidade de desfrutar de jogos retro – e outros mais recentes -, a reparação de consolas e computadores avariados e ainda um serviço de bar. O resultado é um cocktail familiar que une jogadores de todas as idades à volta de videojogos, mas sem a necessidade de estar de pé, nem de “destrocar” notas de cinco por cinco créditos em moedas.

Ao canto, uma máquina arcade, sobrevivente de outras andanças, faz as delícias dos mais saudosistas. O ambiente é escuro e ruidoso, apesar de lá fora o sol brilhar com força sobre a calma do rio, que está ali à distância de alguns passos. Uma Atari 2600 faz companhia a uma Mega Drive, enquanto espera que alguém lhe pegue, tal é a oferta do espaço.

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“O 1UP surgiu do gosto que tenho por videojogos e por ser algo que o público procurava”, conta ao Corvo José Amendoeira, proprietário e gestor do estabelecimento. O público pedia um espaço onde pudesse reunir, jogar e falar de videojogos, num local 100% dedicado. Por isso, temos consolas de todas as gerações e também computadores de grande performance dedicadas aos e-sports”, explica o proprietário.

Contrariando a ideia de que os videojogos promovem o isolamento, José Amendoeira defende também que, nos últimos anos, se tem assistido a um “voltar atrás” na forma como as pessoas vivem os videojogos. “Apesar do advento das comunicações, os videojogos são cada vez mais um pretexto para nos juntarmos e estarmos juntos”, explica.

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Nuno tem 41 anos e, sempre que possível, juntamente com a mulher, leva os dois filhos ao 1UP para uma tarde de diversão. “Basicamente, gostamos de cá vir jogar uns jogos com os nossos filhos. Aqui podemos jogar coisas que não temos em casa”, conta ao Corvo. Tiago tem 28 anos e gosta de frequentar o espaço para jogar e ver outros jogadores treinar no simulador de futebol FIFA. “Infelizmente, nunca fui a nenhum salão de jogos, mas acho que espaços como o 1UP se assumem como os salões de jogos dos novos tempos”, aponta.

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Quem passa na Rua Andrade Corvo, nas Picoas, dificilmente consegue imaginar que, uma vez por semana, depois do jantar, a pastelaria Tentações se enche de jogadores dispostos a passar lá o serão. Aqui não há máquinas de arcade, consolas ou bilhares. Mas sim jogos de tabuleiro para todos os gostos.

Apesar de a vertente ser diferente, é fácil perceber que todas as quartas-feiras o ambiente que ali se vive é em tudo semelhante ao de um salão de jogos de outros tempos. Não são necessárias moedas e também não corremos o risco de nos perdermos nas melodias digitais emanadas por diferentes fontes. Mas o ruído de fundo é sensivelmente o mesmo. Fala-se alto e celebram-se as vitórias trazidas, tanto pela sorte, como pela perícia. São cerca de meia-centena as pessoas divididas, em grupos, pelas mesas do Tentações.

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Foto: Pedro Arede

“Venho cá todas as semanas e experimento sempre jogos novos”, conta Helena, de 39 anos. “Isto acaba por ser um escape para muita gente e uma forma de trabalhar a mente, durante o nosso tempo de lazer, após o trabalho”, explica.

À entrada do Tentações, há uma pilha de jogos por onde escolher. Basta pegar e começar a jogar. Há também quem traga os seus próprios jogos de casa e pessoas que ficam simplesmente de pé a observar as jogadas dos outros. Aqui não se joga a títulos clássicos como o “Monopólio” ou o “Risco”, mas sim uma nova vaga de jogos que tem atraído cada vez mais seguidores, como é o caso do jogo “Descobridores de Catan”.

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Foto: Pedro Arede

O evento é organizado pelo Grupo de Boardgamers de Lisboa. Além das quartas-feiras, o colectivo tem por hábito reunir-se na terceira sexta-feira de cada mês e no sábado seguinte, numa sala do Instituto Superior Técnico. O grupo realiza ainda um encontro nacional anual, o LisboaCon. O Corvo procurou contactar por email o responsável do Grupo de Boardgamers de Lisboa, mas não obteve resposta até à publicação deste artigo.

Apesar de não faltarem soluções digitais que permitam aceder aos mais diversos tipos de jogos, mesmo de forma comunitária e sem sair de casa, ainda há quem faça questão de se juntar num espaço físico para jogar. É certo que os tempos são outros e que os salões como os conhecemos fazem parte do passado. Mas os seus “descendentes possíveis”, como os apelida Ivan Barroso, mantêm o seu espírito vivo e ainda podem ser encontrados em Lisboa. Resta saber até quando ou, no futuro, de que forma.

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Foto: Pedro Arede

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