Campo de basquetebol no futuro Jardim do Caracol da Penha está a dividir vizinhança

ACTUALIDADE
Samuel Alemão

Texto

AMBIENTE

Arroios

Penha de França

16 Fevereiro, 2017


A concretização do projecto vencedor da última edição do Orçamento Participativo (OP) de Lisboa, que prevê a construção do Jardim do Caracol da Penha, num terreno dividido entre as freguesias da Penha de França e de Arroios, está a causar algumas divergências entre os residentes daquela área. Tudo porque a possível construção de um campo de basquetebol no recinto do futuro parque verde – merecedor de um número record de votos, naquele que foi o mais participado sufrágio desde a criação do OP, em 2008 – é vista com desagrado por diversas pessoas. Isto apesar de, nalguns documentos de apresentação do projecto, tal cenário estar explicitado. Os críticos pensavam que se tratava“apenas de um esboço”.

O avanço de tal solução, dizem, seria um desvirtuar da ideia original subjacente ao projecto, surgido de um movimento de base popular, criado no verão passado, em oposição à construção de um parque de estacionamento a explorar pela EMEL naquele lugar. Uma superfície de piso sintético daquela dimensão corresponderia a algo muito distinto do desejado pela população, dizem agora. No entanto, um dos porta-vozes do referido colectivo, Miguel Pinto, diz que ainda nada está definido. Mas contaria a ideia de que o campo de jogos estivesse ausente da proposta inicial. “Ele estava lá, mesmo que, em algumas alturas, se tenha optado pela designação campo de jogos multi-usos”, alerta.

De facto, a referência ao campo para a prática de basquetebol é explícita no documento anexo à apresentação da proposta 180 colocada a votação no OP: “A requalificação passaria pela limpeza da vegetação rasteira existente, abrindo caminhos pedonais e criando zonas e infraestruturas de usufruto comum, como um campo de basquetebol exterior, duas mesas de pingpong, um parque infantil, um quiosque, uma zona de convívio e piquenique (mesas e bancos) e um ou mais espaços hortícolas (onde as escolas poderiam também desenvolver projetos, até eventualmente em cooperação com os atuais cultivadores)”, lia-se na descrição da intervenção proposta. O mesmo acontece no documento de suporte da petição, que recolheu 2600 assinaturas e foi levada a discussão na Assembleia Municipal de Lisboa, em Setembro passado.

Neste momento, o processo encontra-se na iminência de entrar numa fase de “processo participativo”, com vista a aperfeiçoar aquela que será a versão final do projecto. Trata-se de uma consulta da opinião popular, partindo da ideia original colocada a votação, que visa fixar a tipologia final, os detalhes e a melhor forma de implementar o que foi prometido. Tal processo é liderado pelos serviços da Câmara Municipal de Lisboa(CML) e só depois disso é que será revelado o projecto a implementar naquele espaço.

Campo de basquetebol no futuro Jardim do Caracol da Penha está a dividir vizinhança

E esse é, precisamente, o ponto central da discórdia, com alguns dos moradores da área a afirmarem-se surpreendidos pela possibilidade de verem nascer no terreno em causa um campo destinado à prática desportiva, revestindo com piso sintético parte de uma área que, julgavam, viria a ser integralmente ocupada por espaços arborizados e relvados. “As pessoas estão a ficar incomodadas com isto”, diz ao Corvo Paulo Campos, um dos residentes da Rua Cardiff.

O morador, que se empenhou no processo de mobilização popular e cívica – do qual, numa primeira fase, havia nascido o Movimento pelo Caracol da Penha – põe agora em causa o papel desempenhado pelo núcleo duro do colectivo. “A vários moradores da zona, bem como a pessoas que votaram no projecto, chegou a informação da possibilidade da destruição do local, para a construção de um jardim partilhado com zona desportiva, um campo de basquetebol sintético ou alcatroado”, informa, antes de explicar as razões da decepção.

“Estamos preocupados com essa situação, uma vez que esse campo não respeita aquilo que nós todos votamos: a preservação dos espaços verdes, uma zona natural e não construída”, afirma, criticando também o que considera ser o previsível impacto que a edificação de tal equipamento pode trazer ao lugar “em termos de ruídos e até de possível mau ambiente”. “A possibilidade de construção de um campo de jogos com tais características foi sempre referida como apenas um esboço”, critica.

Também Alfredo Santos, morador na mesma rua desde que nasceu, há 66 anos, se diz surpreendido com o rumo dos acontecimentos. “Fomos contra a construção de um parque de estacionamento naquele local, então agora vamos lá pôr um piso sintético? Isso não faz sentido”, considera, contestando a hipotética opção por um campo de basquetebol no interior do futuro parque urbano. “Além de um jardim infantil, o que ali poderia ser colocado era um conjunto de aparelhos de exercício, que são mais usados por pessoas idosas. Não as estou a ver jogar basquete”, ironiza, antes de referir que “a Penha de França tem várias associações e clubes onde tal pode acontecer”.

Campo de basquetebol no futuro Jardim do Caracol da Penha está a dividir vizinhança

O que parecerá uma ideia irrealista para uns pode bem ser, todavia, o fulcro da vitalidade de um projecto que tanta simpatia tem granjeado dentro e fora do bairro. “O estar contra o campo de basquete é uma posição perfeitamente legítima. Mas nós estamos a tentar fazer um processo participativo, que dê a resposta mais alargada possível às necessidades das pessoas, que seja o mais abrangente possível”, diz ao Corvo Miguel Pinto, um dos porta-vozes do Movimento pelo Jardim do Caracol da Penha, salientando que “neste momento, não está nada definido”.

O activista urbano afirma que o mais importante “é criar um projecto que corresponda aos anseios do maior número de pessoas”. Mas sempre vai dizendo que é “completamente extemporâneo” e “um desperdício enorme de energia” estar a contestar, neste momento, aquilo que vê apenas como uma hipótese. Mas que a ser concretizado, salienta, não corresponderá a um deturpar dos pressupostos originais . “O projecto inicial prevê, ao contrário do que possa agora dizer, um campo de basquete. Na nossa proposta, desde início, e como alternativa ao estacionamento, estava um jardim, com diversas valências, entre elas um campo de jogos multiusos”, afirma.

O Corvo sabe que, para além de alguns moradores, outros colectivos de cidadãos mobilizados pela campanha de votação no OP pelo surgimento do Jardim do Caracol da Penha mostraram preocupação pela possível construção de uma superfície desportiva impermeabilizada no seio do planeado parque urbano. É o caso do Fórum Cidadania LX.

O Corvo questionou, ontem à tarde, a CML sobre o andamento do processo, mas não obteve resposta em tempo útil.

MAIS ACTUALIDADE

COMENTÁRIOS

* Nota Redactorial: Texto actualizado às 12h30 de 16 de fevereiro. Rectifica o suposto acompanhamento do processo pela Plataforma em Defesa das Árvores, que não se verifica.

O Corvo nasce da constatação de que cada vez se produz menos noticiário local. A crise da imprensa tem a ver com esse afastamento dos media relativamente às questões da cidadania quotidiana.

O Corvo pratica jornalismo independente e desvinculado de interesses particulares, sejam eles políticos, religiosos, comerciais ou de qualquer outro género.

Em paralelo, se as tecnologias cada vez mais o permitem, cada vez menos os cidadãos são chamados a pronunciar-se e a intervir na resolução dos problemas que enfrentam.

Gostaríamos de contar com a participação, o apoio e a crítica dos lisboetas que não se sentem indiferentes ao destino da sua cidade.

Samuel Alemão
s.alemao@ocorvo.pt
Director editorial e redacção

Daniel Toledo Monsonís
d.toledo@ocorvo.pt
Director executivo

Sofia Cristino
Redacção

Mário Cameira
Infografias & Fotografia

Paula Ferreira
Fotografía

Catarina Lente
Dep. gráfico & website

Lucas Muller
Redes e análises

ERC: 126586
(Entidade Reguladora Para a Comunicação Social)

O Corvinho do Sítio de Lisboa, Lda
NIF: 514555475
Rua do Loreto, 13, 1º Dto. Lisboa
infocorvo@gmail.com

Fala conosco!

Faça aqui a sua pesquisa

Send this to a friend