Escadinhas da Costa do Castelo também estão cheias de graffiti e tags ilegais

REPORTAGEM
Samuel Alemão

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URBANISMO

Santa Maria Maior

26 Abril, 2016

À imagem do que aconteceu na Calçada do Lavra, também estas escadarias situadas num bairro histórico viram uma original intervenção artística descambar num caos colorido. Há portugueses e estrangeiros a pintar as paredes a seu bel-prazer, numa espécie de “turismo de graffiti”. A Junta de Freguesia de Santa Maria Maior diz não ter dinheiro para combater o que chama de “praga total”, embora vá pagando as operações de limpeza levadas a cabo por uma empresa ao serviço da câmara. “Há que distinguir entre arte urbana e vandalismo”, diz o presidente da junta.

 

“A última vez que cá vim, fiquei chocado com a dimensão disto”. Havia já alguns meses que Carlos Hipólito, 47 anos, não ia visitar a casa onde viveu até ao início da idade adulta e na qual habitam ainda a mãe e o irmão, nas Escadinhas da Costa do Castelo. O cenário apresenta-se bem diferente daquele que conheceu, durante décadas. As paredes deste arruamento por onde passam os turistas a caminho do Castelo de São Jorge são agora uma mancha contínua de graffiti e tags sobrepostos. Um borrão colorido em permanente mutação. “Já havia alguns, mas está completamente fora de controlo há cerca de um ano”, diz, desconsolado.

 

Tal como acontece noutras zonas da cidade, também neste arruamento da freguesia de Santa Maria Maior instalou-se uma espécie de “lei da selva” no que diz respeito às pinturas e inscrições no espaço público. Apesar das autoridades se confessarem preocupadas, a situação parace estar fora de controlo. Com a agravante de, tal como sucede na Calçada do Lavra – onde a Junta de Freguesia de Santo António decidiu pôr fim a uma experiência de “galeria a céu aberto”, por si iniciada há alguns anos -, o efeito visual deste género de intervenções contribuir seriamente para os desvirtuar da integridade paisagística de bairros do centro histórico de Lisboa.

 

“Há uma sensação de impunidade”, queixa-se Carlos, replicando um lamento ouvido noutros locais isto acontece. E tal, considera, contribui para aumentar um sentimento difuso de insegurança, não só pelo aspecto visual, mas também porque as pessoas que ali vivem temem confrontar os autores dessas pinturas – “portugueses e estrangeiros, que fazem isto de dia ou de noite” – com a natureza dos seus actos. “Se dizemos alguma coisa, respondem-nos mal ou ainda somos gozados. Nem vale a pena perder tempo”, considera. Ainda para mais porque, neste momento, não são muitos os residentes naquelas escadas. Os que existem concentram-se na antiga vila operária, fechada sob si mesma.

 

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Sérgio Gomes, 36 anos, é um dos seus moradores e não gosta do que tem observado. Segundo ele, as paredes começaram a ficar com este aspecto, após alguém ter decidido começar a intervir sobre um graffiti artístico que havia ali sido feito, em 2013, com autorização municipal. “Era um graffiti muito engraçado”, no qual se representava uma cena castiça urbana, com um fadista, um gato a tocar guitarra, uma mulher com um prato com uma sardinha e dois amigos abraçados a beberem cerveja. “Havia muitos turistas que paravam e tiravam fotografias, e muitas selfies, tanto junto do fadista, do gato a tocar guitarra, mas sobretudo junto dos amigos a beber cerveja. Essa pintura representava um pouco de Lisboa aos olhos dos turistas”, recorda.

 

“Durou três meses. Começaram a pintar por cima e estragaram tudo. Em pouco tempo, aquilo ficou coberto, é impressionante. Tenho muita pena que tenhamos passado disto para o que lá está agora”, considera Sérgio, apontando esse momento como aquele em que as coisas “descambaram”. Ao ponto de, afirma, “durante o dia, eles fazerem estas pinturas sem qualquer problema, já não têm vergonha”. “Estive a falar com um senhor inglês que me disse que isto mais parecia Beirute”, diz, explicando que das conversas que tem tido com os seus vizinhos, pode garantir que eles “estão descontentes”.

 

“As pessoas não gostam do que vêem, sentem impotência ante este cenário. Acham que isto nada tem que ver com a rua e o bairro que sempre conhecerem”, considera o morador, que lamenta o que considera ser a passividade das autoridades face ao fenómeno. “A junta de freguesia diz que não tem orçamento para limpar as paredes e a câmara municipal não faz nada”, afirma, fazendo notar que, quando confrontado com a situação numa recente reunião pública com os moradores daquela zona, o presidente da junta “disse para chamarem a polícia, se víssemos alguém a fazer essas pinturas”.

 

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Miguel Coelho (PS), o autarca em questão, admite ao Corvo as dificuldades sentidas pela junta para fazer face ao problema. “Aquilo é uma praga total, é de difícil combate. Revela-se sempre um trabalho inglório e, além disso, não temos recursos financeiros para operações desta de limpeza desta dimensão”, reconhece. Tal como acontece noutras zonas da cidade, também aqui a junta financia as operações de limpeza, que são asseguradas por uma equipa da câmara municipal. Mas este é um trabalho sempre incompleto. “Muitas vezes, está-se a gastar dinheiro e depois volta tudo a ser pintado por cima”, explica.

 

O presidenta da junta considera que esta “é uma área de muito difícil actuação, pois há que distinguir o que é arte urbana do que não é”. “A estratégia que me parece mais inteligente é sermos nós a promover a arte urbana, evitando assim a proliferação de fenómenos de vandalismo”, postula – numa postura em tudo idêntica à que esteve por trás da autorização dada pela antiga junta de São José (integrada, em 2013, na de Santo António) para um grupo de artistas grafitarem um troço da Calçada do Lavra.

 

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