Aumenta a contestação à colocação de uma vedação e à imposição de horários no Miradouro de Santa Catarina

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Samuel Alemão

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URBANISMO

Misericórdia

4 Setembro, 2018

Depois do choque inicial, a mobilização crescente. O encerramento do Miradouro de Santa Catarina para obras de requalificação, em final de Julho, acompanhado do anúncio pela Câmara Municipal de Lisboa (CML) de que o mesmo passaria a ter uma vedação com o intuito de melhor controlar a entrada dos seus frequentadores, está a ser cada vez mais contestado. Um grupo de cidadãos que, duas semanas após o fecho ao público do popular lugar de confraternização, se reuniu em torno da página de Facebook “Make Adamastor Public Again”, lançou neste domingo (2 de Setembro) uma petição dirigida à CML e à Assembleia Municipal de Lisboa (AML) exigindo um urgente e amplo debate neste órgão autárquico sobre os planos da autarquia para aquele espaço. E, enquanto tal não sucede, pede-se a sua reabertura imediata, em nome da “convivialidade democrática e transversal”.

Uma preocupação a que a petição – a qual, ao final da tarde desta segunda-feira (3 de Setembro), havia reunido 860 assinaturas – dá especial ênfase, ao insistir nos receios, expressos há pouco mais de duas semanas, quando o grupo de cidadãos mostrou receio com o que considerou um processo de “higienização social”. Agora, o colectivo de cidadãos refere-se ao projecto de requalificação daquele espaço, levado a cabo pela câmara, e à colocação de uma vedação e imposição de horários de funcionamento como algo decorrente de uma “lógica da engenharia social”. Uma acusação que nasce da convicção, expressa nos considerandos da recolha de assinaturas e cada vez mais veiculada na opinião pública, de que a operação em curso mais não servirá do que para legitimar a entrega da exploração do quiosque do Adamastor e respectiva esplanada ao Hotel Verride Palácio Santa Catarina, situado mesmo ao lado.

Um cenário solidificado pelo facto de a gerente da referida unidade hoteleira ter já, publicamente, mostrado ter conhecimento antecipado dos planos existentes para o local, antes que os mesmos tenham sido apreciados pelo resto da comunidade. O texto da petição agora lançada refere um artigo do jornal Público, de 17 de Agosto, no qual a referida responsável assegura que a câmara “informou o hotel do plano” para o miradouro, explicando ainda que o tráfego de droga teria diminuído desde a instalação da vedação provisória, a 27 de Julho. No tal artigo, a directora salientava ainda que  haveria “todo um conjunto de medidas” necessárias,  com as quais a Câmara de Lisboa já se haveria comprometido. O receio de tão linear mudança de locatário decorre do anúncio da mais que provável rescisão de contrato com a arrendatária de longa data do estabelecimento, feito pelo vice-presidente da CML, Duarte Cordeiro, no momento de revelar o plano em curso.

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A contestação à intervenção realizada pela Câmara de Lisboa tem vindo a crescer

Na reunião pública do executivo municipal de 25 de Julho, a última antes das férias de verão, o vereador explicou que as medidas prestes a ser postas em prática se justificavam pela “carga excessiva” do Miradouro de Santa Catarina, com óbvias consequências na higiene, manutenção do espaço público, sobretudo a área ajardinada, a e segurança dos cidadãos. “O espaço é público e continuará a ser público. Mas queremos, por um lado, recuperá-lo, e, por outro, desejamos rever as responsabilidades que quem tem actividade comercial  tem sobre o próprio espaço, seja ao nível da limpeza, da segurança e também em todos os aspectos relacionados com a manutenção dos espaços verdes”, disse, naquele momento, após ter sido interpelado sobre o assunto pela vereadora comunista Ana Jara. Justificando a colocação da vedação, Duarte Cordeiro disse ainda que há muitos espaços públicos da cidade “que têm a possibilidade de serem encerrados, como os jardins da Estrela, de Santos ou a Quinta das Conchas, onde existe também um horário de funcionamento”.


E é contra isso que o grupo “Make Adamastor Public Again” agora se manifesta, criticando um acto que apodam de “lesa-cidade”. Lamentando a falta de discussão ou de apresentação pública do plano de requalificação previsto para o espaço, consideram que o encerramento súbito do espaço com os objectivos conhecidos como uma “medida arbitrária e autoritária”. Por isso, a petição solicita a marcação de uma sessão da Assembleia Municipal de Lisboa aberta ao público “na qual seja explicada a lógica das acções tomadas e partilhados os planos de obras existentes para o local” e ainda “interrupção imediata de quaisquer obras entretanto iniciadas e garantia de que não serão retomadas até que o plano das mesmas tenha sido amplamente discutido em sessão pública”.

 

Os peticionários querem ainda a “clarificação do processo que presidirá à escolha de um novo locatário do quiosque sito no local”, lançando suspeitas sobre o processo em curso. Isto porque o mesmo, alegam, referindo-se ao actual ocupante do quiosque, mostra “toda a aparência” de ter sido “desenhado com o intuito de excluí-lo”. Pede-se, por isso, a realização de um concurso público, com regras claras. Por tudo isto, a petição apela a que se proceda à devolução imediata do espaço ao público. “O Miradouro deve permanecer aberto até que todos os pontos acima tenham sido devidamente esclarecidos, e o plano de obras de requalificação tenha sido discutido e obtido amplo consenso social, e não apenas a aprovação tácita dos interesses privados que nos últimos anos se têm instalado em Santa Catarina”, exige-se.

 

 

Ao Corvo, um dos responsáveis pela dinamização da contestação, Manuel Pessôa-Lopes, sublinha estar em causa “uma questão de princípio”. “Há uma tentativa de privatização subtil do espaço público, com a colocação da vedação e a imposição do horário. Com a entrada de um novo concessionário do quiosque, os preços praticados não serão os mesmos, com certeza, logo as pessoas a frequentarem o espaço também não serão as mesmas. Ora, isto não pode acontecer com o espaço público. A rua não pode ser fechada”, afirma o produtor cultural, que assumiu esta luta, juntamente com outros três activistas, e se confessa satisfeito com a resposta entusiástica de muita gente no apoio à causa. A petição atingiu, logo no primeiro dia, e em muito pouco tempo, as 150 assinaturas requeridas para ser discutida em Assembleia Municipal. Os promotores esperam, porém, coligir alguns milhares para demonstrar a dimensão do descontentamento.

 

Manuel Pessôa-Lopes reconhece que, “obviamente, existem problemas por resolver no Adamastor, situações preocupantes, relacionadas com a segurança, a higiene e a iluminação pública”. O problema, sustenta, é que a solução encontrada pela Câmara de Lisboa não será a mais adequada, critica. “Dizer que os problemas se resolvem desta forma é demagogia. O Jardim de Santos também foi encerrado, colocaram-lhe uma vedação e, por isso, pouca gente agora lá vai. Podemos até conceber que o Jardim da Estrela tenha uma vedação porque ali existe um acervo botânico. Agora, no Miradouro de Santa Catarina não existe um jardim, como se alega, mas sim um canteiro”, diz este dinamizador da petição, para quem a resolução dos problemas cabe à Câmara de Lisboa e à Junta de Freguesia da Misericórdia – as quais “devem fazer um esforço” para encontrar as melhores soluções, incluindo o reforço do policiamento. “Mas tem de ser através de um processo participado por todos”, apela o activista, revelando ainda que, a partir desta semana, os finais de tarde e princípios de noite (a partir das 18h30) de quarta-feira passarão a ser de protesto popular no Adamastor, através da concentração do maior número de pessoas possível. Até que o espaço volte a estar aberto sem constrangimentos, como antes.

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