Petição quer cães a circularem sem trela e sem açaime no Jardim da Cerca da Graça

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Samuel Alemão

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VIDA NA CIDADE

São Vicente

14 Dezembro, 2017

É o regresso de uma polémica tão antiga quanto o tempo de vida do Jardim da Cerca da Graça. Um grupo de cidadãos entregou na Assembleia Municipal de Lisboa (AML) uma recolha de assinaturas a pedir o reconhecimento daquele espaço verde como “amigo dos animais”, especificamente dos cães, levando a que a Câmara Municipal de Lisboa (CML) “estabeleça que neste jardim os animais podem circular sem trela e sem açaime”. Os autores do abaixo-assinado, subscrito por 348 pessoas, dizem que o intuito da medida é que os canídeos possam circular “em liberdade e em harmonia com o meio ambiente”. O que, garantem, “não inibe qualquer tipo de responsabilidade civil ou criminal que os donos dos animais possam incorrer”. Em 2015, ainda antes da inauguração do jardim, em sentido contrário, outro abaixo-assinado queria restringir o acesso de cães.

O pedido agora dirigido à assembleia municipal, e que aguarda ainda agendamento para discussão numa das suas comissões, surge acompanhado de acusação de perseguição por fiscais municipais aos bichos e a quem os passeia. Algo que, asseguram, terá começado no passado 5 de outubro. “Até aí, e desde a sua inauguração, em junho de 2015, que o jardim sempre foi um espaço de lazer e de liberdade para quem o frequenta: moradores do bairro, lisboetas, turistas, crianças, adultos, simpatizantes de piqueniques, simples transeuntes em passeio, frequentadores do quiosque do jardim, tutores de cães e gatos, desportistas e praticantes de ioga, leitores compulsivos, adeptos de banhos de sol, amigos, inimigos, vizinhos e namorados”, explicam, lamentando mais à frente que a CML, “curiosamente, logo após eleições autárquicas”, tenha passado a “vigiar de forma ‘pidesca’ o Jardim da Cerca da Graça – com um único alvo: os cães e os seus tutores”.

Admitindo a existência de alguns problemas num espaço público de fulcral importância naquela zona da cidade – e que “promoveu novas dinâmicas na comunidade local” -, o texto da petição afirma ser “abusivo considerar que os cães são os únicos culpados e responsáveis pela situação”. “É recorrente encontramos mais fezes humanas que caninas; no relvado, há quem deixe caixas de pizza e garrafas de vidro esquecidas e partidas; os caixotes do lixo passam dias sem ser despejados, amontoando-se lixo em volta; na zona infantil, podemos encontrar preservativos usados e agulhas de toxicodependentes; podemos também encontrar também fraldas utilizadas pelo chão; há crianças que já presenciaram, na casa do escorrega, atos sexuais entre adultos”, acusa-se, no que é apenas uma parte da lista de situações detectadas.

“Para nosso espanto: perante estas informações, os guardas do parque, que passaram a vigiar insistentemente o jardim, dizem que estão ali apenas para tratar do ‘problema dos cães’”, relata o texto, já depois de, numa outra passagem, admitir ser “verdade que, muitas vezes, os animais circulam sem trela no parque, a brincar entre eles”. O mea culpa, aliás, não se fica por aí. “Certamente, que, algumas vezes, negligentemente, foram esquecidas fezes no relvado”, assume a petição, sem deixar de assinalar que os donos dos bichos nunca deixaram de cumprir a sua obrigação de colocar a trela ou de se afastarem com os animais, sempre que isso lhes é solicitado por terceiros.


Mas tal, afinal, será feito a contragosto, explica-se: “Não nos parece, aliás, que o colocar de trela obrigatoriamente dentro do jardim vá resolver, de per si, o problema das fezes ou o medo de alguns utilizadores do parque relativamente aos cães. Vai, no entanto, criar uma frustração num grande número de animais – e nos seus donos – que perdem o único espaço onde podem, fisicamente, gastar as suas energias e comportarem-se como aquilo que são: cães”. Daí que este grupo de cidadãos pretenda ver alteradas as regras no Jardim da Cerca da Graça, uma vez que, dizem, “os parques caninos existentes, criados no passado mais recente pela CML, estão aquém das necessidades reais dos animais de companhia”. E isso passa por poderem lá circular totalmente livres dos constrangimentos impostos pela trela e pelo açaime.

“Tal como foram criadas praias, que aceitam durante todo o ano, animais de companhia, devem também ser construídos espaços verdes na cidade de Lisboa em que os animais de companhia, como os nossos cães, possam circular em liberdade e harmonia com o meio envolvente”, defendem. E concluem: “Só assim se podem desenvolver animais meigos, civilizados e felizes, bem como incentivar, junto das pessoas, uma sociedade mais tolerante, mais preocupada com os animais e com o meio ambiente envolvente. Aliás, isto é o que tem vindo a acontecer nos dois anos de existência do Jardim da Cerca da Graça e é assim que queremos que se mantenha”.

Em maio de 2015, um mês antes de o jardim ser inaugurado, uma petição dinamizada por um grupo de mães daquela zona solicitava à CML que apenas uma entrada do então novo espaço verde fosse aberta aos animais e ali construída uma área dedicada aos cães, vedando o acesso deles a toda a área restante do parque. “Ou, na impossibilidade de se construir um parque especial para os cães, que seja então expressamente proibido e vedado o acesso aos animais em toda a área do jardim e do parque da Cerca da Graça”, pediam ainda. “Se não se limitar o acesso dos animais ao novo Jardim da Cerca da Graça, este transformar-se-á no enésimo depósito de excrementos da cidade, causando dano aos utentes e às crianças da zona”, acrescentavam.

A circulação de cães em grandes parques verdes urbanos de Lisboa tem sido motivo de acalorados debates. Ainda em setembro passado, o assunto deu que falar, no momento da apresentação pública da versão preliminar projecto de arquitectura paisagista do futuro Jardim do Caracol da Penha, a construir num baldio situado entre as freguesias da Penha de França e Arroios. No documento, sugeria-se a criação de uma zona arrelvada especial dentro do novo parque, à qual o acesso dos canídeos fosse barrado, através da criação de barreiras físicas. Isto sem prejuízo de na restante área do jardim existirem sanitários e bebedouros para cães. Tal solução de projecto nasceu do conjunto de sugestões feitas pela população, na fase de recolha de opiniões, muitas das quais manifestaram preocupação com a possibilidade de convívio partilhado entre humanos e animais.

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