A mais importante loja de revistas e jornais internacionais em Lisboa fecha esta semana por falta de clientes

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Kátia Catulo

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CULTURA
VIDA NA CIDADE

Santo António

25 Fevereiro, 2019

Ao fim de quase 30 anos na Avenida da Liberdade, a Sunrise Press, mais conhecida como Tema, fecha as portas esta quinta-feira (28 de Fevereiro). A falta de clientes ditou o fim da loja que, na década de 1990, permitiu ter acesso a muitos títulos da imprensa estrangeira antes inacessíveis no mercado nacional. “Havia muitos escritórios, havia mais residentes, havia muita gente que passava por aqui todos os dias ou todas as semanas. Agora, só há turistas”, conta um dos dois funcionários da loja.

Quem entra pela primeira vez na Sunrise Press, em Lisboa, corre o risco de se sentir um pouco perdido. Nesta loja, dentro do centro comercial Xenon, entre o fim da Praça dos Restauradores e o início da Avenida da Liberdade, há revistas de tudo e mais alguma coisa, arrumadas num corredor tão estreito, que duas pessoas mal cabem lado a lado. As publicações são às centenas, nacionais e estrangeiras – americanas, francesas, inglesas ou italianas –, mas tanto Eduardo Conceição como Tiago Costa estão ali para ajudar os mais desorientados. Se é ciência, política, história, psicologia, filosofia, viagens, música, artes, pornografia, design, arquitectura, culinária, cinema, automobilismo, astronomia, qualquer que seja o tema, eles sabem onde está e vão buscar.

Mas quem ali entrar pela primeira vez, esta semana, já vai tarde. A Sunrise Press fecha esta quinta-feira, dia 28 de Fevereiro, pondo um ponto final num percurso de quase 30 anos. O problema foram precisamente os novos clientes, que não existem. E também os antigos, que foram desaparecendo com as mudanças que a Baixa – e a Avenida da Liberdade em particular – sofreram nos últimos anos. “Havia muitos escritórios, havia mais residentes, havia muita gente que passava por aqui todos os dias ou todas as semanas. Agora, só há turistas”, conta Eduardo Conceição, funcionário de 46 anos, a trabalhar ali desde 1997.

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O fim de uma era: outros tempos, outros hábitos de consumo

Nesse tempo, recorda ele, a loja abria às nove da manhã e fechava às onze da noite. Havia quatro funcionários que rodavam em dois turnos e o corredor estava sempre apinhado de clientes a acotovelaram-se para alcançarem as revistas. Vinham sobretudo à procura de revistas especializadas, informática, tecnologias ou publicidade – mas também de news magazine “directamente importadas” do estrangeiro – The New Yorker, Harper’s, Atlantic Monthly, Cereal, Kinfolk, Wired, The New York Review of Books ou ainda a BD com os super-heróis da Marvel.


 

Hoje, são dois funcionários que mantêm a porta aberta até às nove da noite, mas, “a partir das 19h, não se vê vivalma”, diz Eduardo. Os anos 1990 fazem parte de um passado que se colou nas memórias dos lisboetas mais velhos. Para uma boa parte dos quarentões, cinquentões e por aí fora, esta loja é uma referência. Não como Sunrise Press, o nome porque é conhecida desde 2013, quando passou a ter uma nova gerência. Mas antes como Tema, o nome pelo qual os maiores de 40 reconhecem como uma das primeiras lojas, em Lisboa, que lhes abriu os horizontes para lá da imprensa nacional.

 

“Estamos a falar de uma altura em que quase ninguém tinha net ou computador em casa e não havia viagens low cost”, explica Eduardo. E, como tal, o que quer que viesse do estrangeiro era uma novidade “ansiada todas as semanas”.

 

 

Havia, portanto, umas “poucas centenas” de clientes a reservarem por antecipação a revistas preferidas. E havia tantas encomendas, que os armários à entrada não chegavam, os sacos e saquinhos amontoavam-se pelos cantos. Esses armários, entretanto, desapareceram, tal como a secretária, no fundo do corredor, para tratar dos pedidos dos clientes e devoluções: “Hoje, se sobram uma dúzia de clientes fixos, já é capaz de ser muito, mas não consigo dizer quantos são.”

 

António Ramalho é uma dessas aves raras. Alimenta todas as semanas o vício das revistas. Mais do que um vício, é uma doença, mas “uma doença saudável”, diagnostica o médico reformado de 69 anos. Viagens, decoração, moda, música e automobilismo são as suas principais áreas de interesse. As revistas para ele não são descartáveis. Não são para ler e deitar fora. Estão todas “muito bem” guardadas. Nestes últimos 20 anos, coleccionou alguns milhares, pelos menos cinco mil já saíram da Sunrise Press e foram parar à casa dele. Estão todas arrumadas nas estantes que quase tocam o tecto: “É a minha biblioteca pessoal, só que em vez de livros, tem revistas, organizadas por temas e por anos.”

 

A loja nos Restauradores vai fechar no fim do mês e António Ramalho foi apanhado desprevenido. Habituou-se de tal maneira a ir todas semanas à Sunrise Press, que agora vai ter de “investigar à pressa” uma alternativa em Lisboa para dar seguimento a um hábito “também ele em vias de extinção”, reconhece o médico, enquanto se despede dos funcionários com um “até para semana”.

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COMENTÁRIOS

  • António
    Responder

    Não é a primeira a fechar.
    Com um espaço bem maior, até um bar tinha no interior, existiu uma loja do mesmo tipo na Avenida Marquês de Tomar, se não me engano no cruzamento com a Visconde de Valmor, mas já fechou à alguns anos.

  • teresa
    Responder

    triste…Diminuíram de tal forma o poder de compra das pessoas, os salários, que tiveram de ir viver para fora de Lisboa, essa zona quase não tem habitantes…depois, como os horários de trabalho são selvagens e as pessoas acabam de trabalhar às tantas, não têm tempo par passear na Baixa.
    Faz muita pena que uma loja assim feche, talvez se mudassem para outro local, tipo Cascais shopping ou Colombo?

    • Ana
      Responder

      Sim, a redução do poder de compra para quem gasta habitualmente uma certa quantia do seu orçamento familiar em publicações obrigou essas pessoas a desistirem de muitas delas, ainda que fossem lidas por várias pessoas do seu agregado familiar. Como aconteceu com o encerramento de tantas outras lojas, Lisboa ficou mais pobre.

  • Maria
    Responder

    Todas

  • Maria
    Responder

    E se as lojas com história e carisma que estão em risco avisassem antes de uma decisão irreversível? Talvez pudesse haver um movimento de cidadãos para as preservar, como já tem acontecido…

  • Joao De Sousa
    Responder

    Ha certamente varias razões para este fim infeliz.
    As gerações mais jovens (e não so) não são consumidoras de informação especializada nesta forma, preferem a internet e as as redes sociais.
    As grandes superficies e os centros comerciais, com stands de imprensa, embora mais reduzidos, desenvolveram-se na periferia das cidades.
    O turismo mudou as regras do jogo e de vida dos cidadãos. Com os seus aspetos positivos e negativos, tem estado a apertar toda a hipotese de manter tradições.
    A cidade transformou-se num grande hotel, onde os lisboetas não encontram mais os seus espaços de vida.
    Os poucos lisboetas que restam, ficam como uma tribu curiosa que o turista e o estrangeiro vem visitar e/ou partilhar a s suas vidas.
    Partilhar? talvez não seja bem assim. Antes viver vidas paralelas, com poder de compra muito diferente.
    Penso que os politicos se enganam, so têm vistas a curto prazo. Tudo para enfeitar orçamentos , sem falar dos casos de corrupção.
    Porque um dia a mudança vai acontecer e então a queda vai doer.
    Este comentario é valido não apenas para esta loja, mas igualmente para muitos outros comércios.

  • António C.
    Responder

    Fui cliente quase desde o início da Tema e visitante assíduo se bem que, especialmente nos últimos anos, comprador menos frequente. Espaços como a Tema mais do que loja, prestam um importante serviço cultural que, de maneira nenhuma é colmatado apenas com a internet. A experiência visual e sensorial da manipulação do papel, o cheiro a textura do material impresso é impossível de reproduzir de outras formas. Esta é uma perda importante para quem é apaixonado pela leitura e pelo papel. Lisboa a transformar-se num grande parque de diversões, despida de gente e alma…

  • Leife
    Responder

    Que grande mentira nao tinha clientes???? eu gastava cerca de 30 euros todas as semanas sobretudos em revistas de carros classicos, aviaçao e historia…Tive 3 dias antes na loja e essa besta que está na foto não teve a gentileza de me avisar…..isto é mais uma negociata dos indianos…que também lixaram o Bazar Tadeu…e dezenas de lojas na baixa. Bem avisou a Zezinha Nogueira Pinto….a proxima ofensiva é a secular feira da ladra….que querem transformar numa feira de coisas turisticas made in china….

  • duno
    Responder

    Que grande mentira nao tinha clientes???? eu gastava cerca de 30 euros todas as semanas sobretudos em revistas de carros classicos, aviaçao e historia…Tive 3 dias antes na loja e essa besta que está na foto não teve a gentileza de me avisar…..isto é mais uma negociata dos indianos…que também lixaram o Bazar Tadeu…e dezenas de lojas na baixa. Bem avisou a Zezinha Nogueira Pinto….a proxima ofensiva é a secular feira da ladra….que querem transformar numa feira de coisas turisticas made in china….

  • duno
    Responder

    cortaram o meu comentario tirem me da vossa newsleter palhaços

  • José Colaco
    Responder

    Ainda há uma loja de revistas na Rua Artilharia Um, junto ao Pateo Bagatela. Não tem tantas revistas, mas é o que há. Sou do tempo em que os lisboetas eram cerca de 900.000. Hoje somos 500.000 mas vamos chegar aos 200.000. A CML bem tenta.

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