Obras de requalificação da estação de metro de Arroios já levaram ao fecho de dez lojas

REPORTAGEM
Sofia Cristino

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VIDA NA CIDADE

Arroios

7 Maio, 2018

Os comerciantes da Praça do Chile e ruas circundantes têm tido prejuízos na ordem das dezenas de milhares de euros, desde que as obras de ampliação da estação do metro de Arroios começaram. Alguns já estão a despedir funcionários e outros acabaram mesmo por fechar as lojas, algumas ali instaladas há mais de quinze anos. O Metropolitano de Lisboa (ML) parece não reconhecer, contudo, os efeitos negativos para os comerciantes desta requalificação. Diz que a empreitada tem pouco impacto à superfície, pois desenvolve-se no interior da estação de metro, causando, assim, menos incómodo aos moradores e lojistas. O  certo é que o movimento naquelas ruas baixou muito e os comerciantes temem pelo seu emprego. “Antes atendíamos dez pessoas num minuto. Agora, nem dez pessoas atendemos por dia. Como é que o nosso patrão vai conseguir continuar a pagar-nos?”, questiona um funcionário.

Continuamos aqui”, lê-se numa faixa colocada nos tapumes que escondem as obras de ampliação da estação do metro de Arroios. Esta é a forma de os lojistas da Praça do Chile lembrarem os seus clientes que continuam a trabalhar no mesmo sítio. Aquela paragem foi encerrada no Verão passado para ser requalificada de modo a permitir a circulação de comboios com seis carruagens na Linha Verde. A obra só avançaria, contudo, em Outubro, devido a problemas financeiros do empreiteiro. Dez meses depois, a preocupação dos lojistas em perder clientes, já manifestada na altura a O Corvo, confirma-se. Nos quarteirões em redor da estação, mas também na Rua Morais Soares e na Avenida Almirante Reis, os comerciantes já sentem prejuízos na ordem das dezenas de milhares de euros e já fecharam dez lojas.

“No início das obras, ligavam-me a perguntar para onde tinha ido, porque achavam que a loja tinha fechado. Estava, apenas, tapada”, conta Carla Salsinha, proprietária de uma loja de vestidos para noivas na Praça do Chile há 42 anos, que, entretanto, mudou para a Rua José Falcão, uns metros atrás. A também ex-presidente da União da Associação de Comerciantes e Serviços (UACS), diz que nunca questionou “a bondade” da obra. Critica apenas o facto de nunca ter havido uma carta dirigida aos comerciantes a comunicar o que ia ser feito. “Quando se coloca um estaleiro desta dimensão, deviam informar-nos. Se a autarquia diz que somos a força viva da cidade, não podem fechar a porta aos clientes. Não só têm de ajudar-nos, como temos de conhecer o plano de obras. No Areeiro, ao final de um ano, fechou tudo. Só sobraram duas lojas. Aqui, já encerraram dez e as que ainda resistem têm um prejuízo muito avultado”, critica.

Lidório Pina, a vender frangos há 45 anos, diz já ter perdido metade dos clientes desde que o metro foi encerrado. “Nunca senti uma quebra de vendas assim, qualquer dia, fechamos. Passava o dia a virar frangos e vendia mais de cem por dia, agora é o que se vê”, desabafa, apontando para o grelhador sem vida à espera de um cliente. Há pouco menos de um ano, havia filas na churrascaria instalada no número 1 da Praça do Chile. O proprietário do estabelecimento não se conforma, por isso, com o que está a acontecer. “Bastava colocarem redes em vez de tapumes e as pessoas já vinham, porque as redes, como aquela ali, não tiram a visibilidade de quem passa”, diz, apontando para um pedaço de rede entre os tapumes, que deixa espreitar os pequenos avanços da empreitada.

 

Agora, vê-se um ou outro cliente já conhecido da casa. “Isto prejudica muito o comércio e até os clientes que não têm forma de vir até aqui”, comenta Manuel Oliveira,  morador dos Anjos. Ainda há, contudo, quem vá de propósito a Arroios para comprar um pacote de batatas doces fritas, que Lidório diz terem começado a ser vendidas pela primeira vez ali. “Isto é uma pouca vergonha, as obras já deviam ter acabado porque há muita gente a viver aqui”, diz a octogenária Maria Teresa Gomes, ex-moradora na Avenida Almirante Reis e a viver agora nos Olivais.

 

 

A acrescer aos quatro meses de atraso, o vereador da Mobilidade, Miguel Gaspar, anunciou, há duas semanas, em reunião pública de vereação, que – segundo informação transmitida pela empresa de transportes- a estação de metro só deverá estar concluída no segundo semestre de 2019, e não em janeiro desse ano, como havia sido anunciado. Já a 27 de Março, na Assembleia Municipal de Lisboa,  Miguel Gaspar havia admitido que os trabalhos poderiam não estar concluídos nessa data, porque o empreiteiro teria tido problemas financeiros, que estariam a ser resolvidos.

 

Este adiar consecutivo de datas também tem levantado muitas dúvidas junto de quem ali trabalha. Alguns comerciantes até suspeitam que a empreitada esteja parada há um mês, dado o ritmo de trabalho lento que observam. “Há semanas em que não há movimento e, se isto continua a acontecer, as lojas fecham todas. Temos dúvidas que estejam concluídas na data prevista”, diz Carla Salsinha, que estima ter quebras financeiras na ordem dos 30%.


Adriano Soares, a trabalhar há 20 anos na casa de pasto Ribeirão Preto, mesmo em frente a uma das saídas da estação de metro, também desconfia que o plano de trabalhos não esteja a ser cumprido. “Todos os dias perguntamos se há novidades e já nos disseram que esta parte da obra está pronta, mas não vemos avanços e os operários trabalham poucas horas. Isto vai ser como o Areeiro”, comenta, referindo-se às obras daquela estação de metro iniciadas em 2008 e ainda por concluir, depois de um interregno de quatro anos.

 

A maioria dos clientes, explica, eram passageiros. Saíam do metro e levavam uma sandes ou uma bifana para o caminho. Agora, com uma perda “drástica” dos clientes, temem pelo seu emprego. “Antes, atendíamos dez pessoas num minuto e tínhamos filas enormes. Agora, nem dez pessoas atendemos por dia. Como é que o nosso patrão vai conseguir continuar a pagar-nos?”, questiona Jorge Dias, outro funcionário.

 

Hai Ti, proprietária de uma loja de roupa e outros artigos na Praça do Chile, diz já ter perdido metade dos clientes e acredita que corre o risco de fechar. “Se se atrasam muito mais, não sei se aguentamos. Bastava tirarem o tapume e já se via a loja”, sugere. Márcia Ferreira, a trabalhar num quiosque ao lado, diz que já não tem alguns abastecedores porque não têm onde estacionar. “Agora tenho de ir mesmo buscar os jornais aos fornecedores e deixei de vender alguns artigos. Podiam deixá-los encostar a carrinha um bocadinho ao passeio, mas nem isso. Além de que não os vejo a trabalhar”, diz, referindo-se aos trabalhadores da obra.

 

 

A lojista diz, ainda, que chegou a ter de fechar mais cedo porque a falta de iluminação afastava muitas pessoas e, ela própria, tinha receio de sair do quiosque à noite. “Entretanto já colocaram luzes, mas foi porque pedimos. As pessoas tinham medo de estar aqui”, conta. Raúl Ferreira, marido da comerciante e funcionário da Pastelaria Raio de Luz, diz que tem sentido uma quebra financeira na ordem dos 40%. Os alunos dos colégios Sá de Miranda e Amadeu Andrés que costumavam tomar o pequeno-almoço naquela pastelaria, acompanhados pelos pais e avós, foram deixando de aparecer. “O metro tem quatro saídas e podiam ter começado a requalificar uma a uma, fecharam logo tudo e essa decisão prejudicou-nos muito”, garante.

 

Os principais afectados pelas obras do metro de Arroios são os comerciantes da Praça do Chile, mas quem trabalha na Rua Morais Soares e na Avenida Almirante Reis também já sente o negócio a desmoronar-se. Jorge Santos, proprietário do supermercado Japão, na Rua Morais Soares, diz ter perdido quase cem mil euros nos últimos seis meses e, acredita, o futuro não se avizinha melhor. “Este mês tem sido uma desgraça. Naqueles primeiros meses em que o metro esteve fechado e não fizeram obras, podíamos não ter tido tanto prejuízo, mas ninguém pensa nos comerciantes. A Junta de Freguesia de Arroios e a Câmara de Lisboa só querem ver dinheiro e nós que nos desenrasquemos. Não há regulamento nenhum, há um estrangulamento”, critica.

 

O proprietário do supermercado, que mantém o negócio já com muita dificuldade, avança que – ao contrário do que desejava – vai também ter de despedir dois funcionários. Os problemas já começaram a surgir quando a renda do rés-do-chão onde está subiu para o dobro, há dois anos. Com as obras de requalificação previstas para aquela rua, no âmbito do programa da CML Uma Praça em Cada Bairro, Jorge Dias diz já não ter esperança no futuro.

 

 

“Quando estiver resolvido o problema do metro, começam a reabilitar a rua e, agora, já andamos a contar migalhas. Tinha clientes do Lumiar que já não vêm, porque quem vai para Chelas já não entra aqui”, explica Jorge Dias, que também já reuniu com o Metro de Lisboa, tendo-lhe sido dito que não seria ressarcido pelos atrasos na obra. “O nosso maior medo é que atrase como a do Areeiro”, desabafa, referindo-se às obras desta estação de metro.

 

Ana Silva, funcionária de uma loja de roupa e tecidos há 24 anos na Morais Soares, partilha a mesma opinião. “Isto está caótico, esta chegou a ser das melhores ruas de comércio de Lisboa e já não se vê movimentação nenhuma. Abrindo o metro, começam as obras na rua e aí é que, se calhar, fechamos, é uma tristeza”, diz.

 

Há lojas fechadas para férias e outras que antecipam o encerramento, com montras a anunciarem a “liquidação total” dos seus artigos. Tal como outros comerciantes, Carla Salsinha diz que não se vê ninguém naquelas ruas à saída do metro e que a perda de movimento é “preocupante”. “Há um empresário na Morais Soares que teve uma quebra na ordem dos 75 mil euros e fechou uma loja que existia há 40 anos. Os comerciantes estão aflitíssimos, só a sensibilidade da CML nos poderá ajudar”, apela.

 

 

Contactado por O Corvo, o Metropolitano de Lisboa (ML) diz que as obras de requalificação da estação de Arroios não estão a prejudicar os lojistas ali à volta. “A empreitada tem pouco impacto à superfície, dado que esta se desenvolve no interior da estação de metro antiga, de modo a causar a menor perturbação possível aos moradores, lojistas, ao trânsito rodoviário e à população em geral”, afirma a empresa pública, avançando que a reabertura da estação está prevista para o início do primeiro trimestre do próximo ano, ao contrário do anunciado, no final do mês passado, pelo vereador da Mobilidade.

 

O ML nega, ainda, a suspeição dos comerciantes de uma eventual paragem da obra. “Não está parada, encontrando-se em curso os trabalhos previstos”, garante o gabinete de comunicação da empresa de transportes. De acordo com o planeado, já estão concluídos os estaleiros exteriores e o cimbre de protecção da via nos túneis. Além da ampliação do cais de embarque para 105 metros de comprimento, de forma a receber comboios de seis carruagens, este projecto contempla ainda outras melhorias. A saber: instalação de elevadores do cais até ao átrio e do átrio até à superfície; de oito escadas até ao átrio; de quatro novos acessos (dois no átrio Norte e dois no átrio Sul) e máquinas de venda automática. Destes trabalhos, resultará uma “estação modernizada, funcional e esteticamente mais apelativa”, promete o ML.

 

Quando questionado por O Corvo sobre os sucessivos atrasos na obra e por que razão não foram avisados os comerciantes lesados do arranque da mesma, o ML diz apenas que tem mantido “uma estreita relação com as Juntas de Freguesia de Arroios e da Penha de França, com as quais foi veiculada, nos meios disponíveis, a informação sobre o assunto dirigida aos seus fregueses e aos clientes”. Apela, ainda, à “compreensão” dos utentes do metro para “eventuais incómodos temporários” que possam surgir no decurso da realização destes trabalhos.

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