O fecho iminente da drogaria Pereira Leão, na Rua da Prata, marcado para o último dia do mês, tem levado ali muita gente. As montras anunciam promoções. No interior, até há uma antiga colecção de frascos de fragrâncias. Mas, na verdade, o ar que ali se respira é mais o de uma elegia por uma certa Lisboa que se apaga. O prédio vai para obras, tendo como destino a conversão em mais um hotel. Nos últimos dias, muitos têm sido os que ali vão numa espécie de turismo de mais uma “vítima do turismo”. “É como ir a um velório”, confessa uma das clientes.

 

Texto: Samuel Alemão

 

“Isto tem 40% de desconto?”, pergunta uma mulher, segurando um pincel de barbear que aproxima do rosto para observar com maior detalhe. “Sim, nessa prateleira, os produtos expostos são todos a 40%”, informa a funcionária, com uma paciência perene. À volta, gente entrava e saía, contemplava, mexia, perguntava sobre os despojos do inventário da centenária drogaria S. Pereira Leão, que deverá encerrar a actividade nesta quinta-feira (31 de março). O prédio onde está instalada, no 223 da Rua da Prata, vai para obras, que o transformarão em mais uma unidade hoteleira no coração de Lisboa. Ontem, o tom geral dentro desta loja fundada há pouco mais de um século era de uma melancolia conformada.

 

Mesmo admitindo não serem clientes habituais, os que franqueavam a porta confessavam tristeza pelo iminente encerramento. Estavam ali como que num acto de solidariedade. Mas também a testemunhar o fim de uma era que se esvai a ritmo acelerado. “É raro vir para aqui para esta zona, mas, como li no Diário de Notícias que a loja ia fechar na quinta-feira, pensei ‘já agora, vou lá ver’”, diz ao Corvo José Oliveira, 60 anos, homem de pose discreta e mala com documentos numa das mãos. Frente aos produtos em promoção expostos em cima do balcão, denota alguma indecisão. “Gostava de levar qualquer coisa, mas não um produto que se gaste, queria algo que durasse”, diz.

 

Para este potencial cliente de última hora, é pena que se tenha chegado a tal situação. Utilizador confesso do comércio tradicional, considera que não havia necessidade de se chegar a esta situação. “O prédio podia ir para obras, na mesma, faziam o hotel no andar de cima e mantinham o estabelecimento no rés-do-chão, como está”, sugere, criticando o que vê como uma alteração dramática do perfil comercial da Baixa, apontado agora à captação de receitas do crescente número de turistas que chegam a Lisboa. “É uma coisa que podia ser evitada”, considera.

 

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O mesmo pensa Filipa Pereira, 28 anos, que ali estava com uns amigos. Quiseram vir após terem lido a notícia do encerramento. “Parece mal o que lhe vou dizer, mas sinto-me como se tivesse vindo a um velório. Isto é uma coisa que sufoca”, desabafa. Habitante na zona da Graça, Filipa Pereira diz-se cliente habitual do pequeno comércio – “é onde faço as minhas compras, sempre que posso” – e confessa-se preocupada com a vaga de encerramentos de estabelecimentos tradicionais que sucede um pouco por toda a capital, sobretudo nos bairros históricos como a Baixa.

 

“Isto está a descaracterizar imenso a cidade”, considera, antes de revelar que poderá sair dali com um dos belíssimos frascos de essência relevados, nos últimos dias, pelos donos da drogaria. Expostos em cima de um balcão de madeira situado atrás do balcão principal, eram eles que atraiam mais atenções de quem entrava. “Uma descoberta arqueológica”, graceja Jonas Leão, 27, filho da proprietária, que antes havia dito a uns eventuais clientes: “É aproveitar agora, antes que venha a ASAE”. Ao Corvo, Jonas explica que tais vasilhas de vidro têm mesmo de ser vendidas, “para pagar aos funcionários e aos fornecedores”.

 

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Entre eles está Dina, 62 anos. Funcionária da casa há 47 anos, tenta conter o peso das emoções, atrás da sua impecável maquilhagem. “Vim para aqui fazer os 14. Como calcula, isto para mim não é só um emprego. É muito amor, muito trabalho, muita entrega. É uma vida”, resume, antes de dar atenção a um cliente. Sobre este interesse súbito das pessoas em entrar na loja, Dina não faz por o romantizar. “Sabe, é óptimo ver aqui as pessoas neste dias. Mas há aqui muita fumaça. Muita gente entra, vê, mas não compra. Nós sempre tivemos uma clientela muito fixa”, diz. Sobre o seu futuro não guarda ilusões. “Não vou arranjar trabalho. Então, se a juventude não arranja…”.

 

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Conformada também estava Maria Fernanda Silva, 69 anos, a gerente do estabelecimento. Ontem, dividia o seu tempo entre as solicitações da clientela, o telefone a tocar incessante e a necessidade de atenção por parte dos jornalistas que ali acorreram a traçar o epitáfio desta drogaria que conserva o mobiliário em madeira – o qual lhe confere o travo vintage tão ao gosto dos tempos correntes, mas cujo destino é ainda incerto. “É uma tristeza enorme, claro. Para mim, isto foi mais que uma casa”, assente. A necessidade de remodelação do edifício associada aos planos imobiliários desenhados pelo senhorio tornaram o fim numa inevitabilidade, admite.

 

  • Responder

    Que tristeza! ..!!!.mais um hotel! !..

  • Tuga News
    Responder

    [O Corvo] Encerramento de drogaria histórica da Baixa leva a romaria nos últimos dias https://t.co/ZqkcXsjVIj #lisboa

  • Natália Vilarinho
    Responder

    Foi desta Lisboa a morrer que fugi quando saí da cidade.

  • Jose Afonso
    Responder

    Acto de solidariedade? Parecem abutres…

  • Carlos Silva
    Responder

    Cheira a caril…

  • Maria Sousa
    Responder

    Deviam ser consideradas lojas de valor histórico e turístico e haver um incentivo para se manterem no rés do chão dos futuros hotéis. Seria a simbiose perfeita.

  • Sally Pethybridge
    Responder

    Encerramento de drogaria histórica da Baixa leva a romaria nos últimos dias https://t.co/H81sxVrYZn

  • Mario Fernandes
    Responder

    Tudo aos saldos. Mas como a drogaria tem assim tantos clientes, com certeza reabrirá noutro espaço ali perto. Com certeza não terá sobrevivido até agora graças a uma renda de terceiro mundo.

    • seven
      Responder

      A forma como este comércio em particular é gerido não é da nossa conta.
      O que está em causa aqui é o desaparecimento em massa destas lojas tradicionais, para darem origem a mais hotéis.

      • Vasco
        Responder

        O que não faltam são espaços para alugar nos prédios das redondezas. Qualquer loja pode reabrir noutro local perto.

  • Armando Viegas Lopes Lopes
    Responder

    Lisboa, esta a ficar descaretrizada, face a chusma de hoteis que vao nascer no centro da cidade. O que virao os turistas ver em Lisboa, se aquilo que e nacional desaparece. Estas quadrilhas politicas, estao a vender e a deixar vender Portugal, como se isto fosse a sua quinta. Os nossos filhos e netos estao feitos com a divida que nao para de aumentar.

  • Ines Paulo
    Responder

    Mais um hotel, pois está claro. Depois os turistas querem comer, dançar, passear e já não há nada para ver sem ser hoteis, Mcdonalds, wine bars e pastelarias francesas.

  • Simplesmente Tânia
    Responder

    Mais um hotel…

  • Paulo Ferreira
    Responder

    Sempre a mesma coisa. Se a romaria tivesse sido nos últimos anos e não apenas nos últimos dias provavelmente a… https://t.co/3hcTHL3y13

  • Ricardo Serrao
    Responder

    Estou a ler 8 comentarios antes do meu. 7 deles queixam-se que ira haver la novo hotel ou que a baixa esta a ficar descaracterizada…

    A baixa aos anos que esta “cheia” de predios vazios e em ruinas.
    As varias lojas que la tinha, foram fechando, nao por causa dos turistas…muitos turistas visitam portugal pelo genuino!! Pela historia e tradicional/tipico.

    As lojas foram fechando por falta de clientes que compram!! Uma loja nao sobrevive so com estes clientes das promoçoes… Ou da “1a vez por ano ou decada”.

    Se nao querem que as lojas tradicionais fechem, sejam clientes frequentes.
    Nao podem querer “exigir” lojas abertas, e depois elas nao fazerem dinheiro.

    • São Lopes
      Responder

      As lojas tradicionais são, por si, uma atracção turistica. Não devem ser “apagadas” em favor do turismo rasca mascarado de luxo, deveriam ser acararinhadas, apoiadas e mantidas tal qual qualquer pedaço da nossa cultura e história,

      • Carlos
        Responder

        E como é que isso se faz?
        Como podemos obrigar um proprietário a manter lojas com rendas obsoletas e recusar a venda por milhões? Quem se queixa dos encerramentos destas lojas alguma vez fez lá compras?
        O que se faz, cada um de nós, para evitar estes encerramentos? Nada! Os outros que assumam, que paguem, que façam… A nós basta-nos dar palpites na internet e dizermos que somos contra.
        A sugestão da Maria Sousa parece-me fazer tod o sentido… Mas teríamos que ser todos, via CML, a custear esse “valor histórico”…

      • Vasco
        Responder

        A São é daquelas que escreve palavras bonitas e depois vai às compras ao Colombo.

  • João Camacho
    Responder

    Sejam; não é possível. Sejamos talvez. Se outras políticas existissem com certeza!

  • Carlos Lopes
    Responder

    Os centros comerciais “secaram” a clientela do comércio local.

    • Miguel Jorge
      Responder

      Capitalismo selvagem mascarado de progresso.

  • Julia Rocha
    Responder

    Mas a grande machadada na Baixa também está no aumento brutal das rendas. E é triste que quando se vê um filão de negócio, todos copiem e todos sigam o mesmo figurino. Porque não há bom senso, corres-se o risco de hoje para amanhã a Baixa ser um bairro de hoteis e de estabelecimentos de restauração às moscas.

    • Vasco
      Responder

      Os indianos não parecem ter problemas em pagar rendas actuais.

  • Julia Rocha
    Responder

    Tudo se pode fazer , tudo se pode modernizar, mas as lojas tradicionais que por si só constituem também uma atracção turística devem ser mantidas e apoiadas por quem de direito.

  • Fely Perez
    Responder

    Mais uma, menos uma…..

  • Duarte Branquinho
    Responder

    Encerramento de drogaria histórica da Baixa leva a romaria nos últimos dias https://t.co/D6XAHMkOku

  • JOÃO BARRETA
    Responder

    Quando há 20 anos se falou em “trabalhar” as Baixas/Centros Históricos das principais cidades do País como “centros comerciais a céu aberto”, apostar no planeamento/ordenamento comercial e na gestão de centros urbanos, era também tudo isto que se pretendia evitar.
    Ainda não será tarde, mas já vai faltando … o … tempo.

  • Isabel Braga
    Responder

    Num futuro próximo, os turistas vêm a Lisboa ver-se uns aos outros e às lojas feitas para eles.

  • Gaizka Gorosarri
    Responder

    Si todos estos locales que dan personalidad a Lisboa van cerrando llegará un momento que los turistas dejarán de elegirla como destino turístico. Una pena, una gran pena

    • Vasco
      Responder

      Una gran pena seria Madrid e Barcelona terem rendas congeladas como Lisboa.

  • Daniele Coltrinari
    Responder

    RT @ocorvo_noticias: Encerramento de drogaria histórica da Baixa leva a romaria nos últimos dias – https://t.co/SPIPHknC2x

  • G_L
    Responder

    Acordo Ortográfico. Deixam p o fim RT Encerramento de drogaria histórica da Baixa leva a romaria nos últimos dias https://t.co/p0xaU3UZev

  • José
    Responder

    Estas LOJAS ESTÃO SEMPRE DESERTAS.
    Ninguem vai lá comprar nada, agora estão com pena.
    Os comerciantes sempre se queixaram, que o negocio vai mal.

  • TexSan7177
    Responder

    RT @SallyRose49: Encerramento de drogaria histórica da Baixa leva a romaria nos últimos dias https://t.co/H81sxVrYZn

  • JMF
    Responder

    Acho imensa graça a estes comentários bacocos…
    Um estabelecimento comercial tem que ser isso mesmo… comercial!!!
    Lojas, históricas ou não, tem que vender produtos que o publico queira comprar e, através do seu empreendedorismo sobreviver como qualquer outra empresa… não são museus nem podem manter-se à custa dos senhorios e das rendas miseráveis que pagam, nem de apoios das autarquias que nos custam a todos!!
    A razão do encerramento de todas estas lojas moribundas é só uma. A falta de capacidade dos proprietários de se regenerarem e se manterem relevantes na vida urbana do séc. XXI.
    Ninguém lá compra nada porque não há lá nada de necessário ou interessante para comprar… Lisboa está cheia delas que estão condenadas a ir fechando devido a isso mesmo… a falta de visão dos proprietários! Mais uma vez… não culpem os turistas ou os senhorios que parecem ser sempre o alvo mais fácil!!…

    • João Fernandes
      Responder

      Concordo com tudo o que disse, há de facto muitas lojas assim, mas estabelecimentos viáveis e com procura também estão a ser fechados e expulsos (ou em vias) desta forma?
      Adega dos Lombinhos, Palmeira, Fabrica de Sant’Anna, Jamaica, entre outros.

      Não parece que alguém tenha culpado os turistas (Turismo é diferente) ou os senhorios … mas também não vamos culpar os inquilinos que nos casos que referi até se disponibilizaram para actualizar as rendas.

      • Vasco
        Responder

        O prédio do Palmeira está em ruínas.

      • JMF
        Responder

        João Fernandes, não estou a responsabilizar inquilinos, turistas, turismo ou senhorios nem a defender modelos de gestão específicos, estou simplesmente a referir que as lojas fecham, em Lisboa, no Porto, em Madrid, Paris ou Londres, em Freixo de Espada a Cinta ou em qualquer outro local do Mundo, porque não são financeiramente sustentáveis ou comercialmente relevantes.
        Se fossem sustentáveis e viáveis não fechariam ou não teriam passado várias décadas moribundas, sobrevivendo única e exclusivamente por via dos salários baixos que pagam aos seus funcionários e da lei de rendas que Salazar promulgou e que congelou as mesmas, iniciando a destruição do edificado de Lisboa a partir dos anos 1950, penalizando senhorios que sem rendimento suficiente, abandonaram pura e simplesmente o dever de manutenção das suas propriedades, as mesmas propriedades que estão agora em ruínas sobre estas lojas que, durante décadas ninguém notou devido à sua inutilidade, e que agora, subitamente ao que parece, toda a gente descobriu sem nunca lá ter entrado……
        Se estas lojas fossem viáveis ou relevantes, poderiam, e deveriam, certamente reabrir nas mesmas zonas, ou mesmo nos mesmos espaços remodelados conforme se verifica, por exemplo, com a Barbearia Campos no Largo do Chiado (o que espero que aconteça também com a Fábrica de Sant’Anna embora também não perceba quem é que lá compra pois passo frequentemente e nunca vejo ninguém, nem mesmo os acérrimos defensores das tais “lojas históricas”. Eu, honestamente não vejo lá nada que me apeteça comprar…), e com outras que se vão reabilitando e mantendo abertas por toda a cidade de Lisboa devido ao empreendedorismo e dinamismo dos seus antigos, ou novos, proprietários.
        Considerando os milhares de pessoas que circulam diariamente por toda a baixa de Lisboa haveria concerteza mercado para que muitas lojas destas ditas “históricas” (também não entendo muito bem porque é que uma drogaria decrépita, sem obras há décadas, e acima de tudo sem clientes, poderá, ou deverá, ser considerada uma loja histórica…) se mantivessem abertas com sucesso desde caso os proprietários assumissem uma atitude empreendedora e tivessem a intenção de as tornar competitivas e relevantes para o público que compra (residentes ou turistas, é perfeitamente indiferente!!).

  • Miguel Jorge
    Responder

    A última compra que lá fiz foram dois sabonetes Roger et Gallet.A senhora era de uma educação e um aprumo a falar com os clientes…tenho pena.

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