Insólito: PSD vota contra moção que apresentou na Assembleia Municipal de Lisboa
Algo pouco expectável aconteceu na sessão desta terça-feira (24 de Abril) da Assembleia Municipal de Lisboa (AML), quando o PSD votou contra uma moção por si apresentada, tal como a grande maioria dos deputados daquele órgão autárquico. A excepção foram as abstenções por parte dos eleitos do CDS-PP, do PPM e do MPT. Ninguém votou a favor. A decisão dos social-democratas de recusarem o próprio documento deliberativo que haviam proposto – e no qual se teciam comentários em tom sarcástico ao que consideram ser o incumprimento do presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML) em relação à promessa de construção de centros de saúde na cidade – causou um incidente no decurso dos trabalhos. Helena Roseta, a presidente da assembleia, tentou mesmo retirar a moção da votação, alegando que tal indicação de voto da bancada laranja não era admissível. Algo contestado pelo partido, alegando estar no seu direito fazê-lo.
A moção, intitulada “Saudar Medina e a conclusão das obras dos seus novos Centros de Saúde em Lisboa”, fazia alusão ao dia 14 de Março de 2017, “em vésperas de eleições autárquicas”, quando “o PS da CML e o PS do Governo, juntaram-se para anunciar a construção de catorze novos centros de saúde para servir a Cidade de Lisboa”. A lista era composta pelos seguintes equipamentos: as Unidades de Saúde (US) Alta Lisboa-Norte (freguesia de Santa Clara), a US Telheiras (Lumiar), US Alcântara (Alcântara), US Ajuda (Ajuda), US Restelo (Belém), US Alto dos Moinhos (São Domingos de Benfica), US Fonte Nova (Benfica), US Marvila (Marvila), US Campo de Ourique (Campo de Ourique), US Areeiro (Areeiro), US Arroios (Arroios), US Beato (Beato), US Sapadores-Graça (Penha de França) e US Parque das Nações (Parque das Nações).
O documento apresentado pelo PSD lembrou que, na tal cerimónia, o presidente da autarquia e o ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, haviam garantido que as obras começariam até ao final de 2017 e estariam todas concluídas em 2020. Meta que os social-democratas alegam ter considerado, desde logo, pouco exequível. “Ora, o PSD veio na altura criticar o que aparentava ser um anúncio eleitoralista, que teria como único propósito criar uma falsa expectativa junto dos Lisboetas, procurando assim conquistar a confiança destes com base única e exclusivamente em mais um pedaço de papel cheio de promessas em vésperas de eleições”, diz a moção, para, logo depois, encetar por um registo irónico: “Porém, passado mais de um ano, não podemos deixar de salientar que, não obstante nada ter sido anunciado publicamente, as promessas estarão, certamente, em avançado estado de realização, com várias obras que terão arrancado logo a seguir às eleições autárquicas”.
Mantendo o tom, a moção do PSD propunha deliberar, em primeiro lugar, “saudar o cumprimento dos compromissos pré-eleitorais de Medina, com especial destaque para a eminente conclusão da construção do Centro de Saúde do Parque das Nações” – equipamento em relação ao qual, nos considerandos da proposta, os social-democratas constatavam que “estará em fase final de construção e, certamente, abrirá até ao final do ano, cumprindo assim o desígnio de evitar que os utentes continuem a recorrer ao privado ou a ter de trocar três autocarros para chegarem ao público mais próximo”. E, depois, “atira-se” ao ministro, apelando a que se lhe comunique “que quando visita em Lisboa as obras em estado avançado dos vários Centros de Saúde que anunciou, não se deve recatar e deve mesmo convocar a Comunicação Social e esta Assembleia para o acompanhar”.
Ora, quando chegou o momento de votar a moção, Helena Roseta não escondeu a sua perplexidade pela orientação de chumbo da mesma pela banca que a propusera. “Mas a moção não é do PSD? E estão a votar contra?”, questionou, espantada, ante o riso de alguns. “É a palhaçada!”, ainda se ouvi alguém atirar. Perante a insólita situação, a presidente decidiu intervir. “Não acho que isto seja razoável”, disse, antes de propor a retirada da moção, através de um voto de “não admissibilidade” junto do plenário. Ouvindo protestos da bancada laranja em relação a tal hipótese, Roseta ainda propôs que fosse o PSD a retirar o texto da votação. Caso contrário, avançaria com a pergunta ao plenário sobre se queriam ou não votá-lo. “É uma questão de bom-senso, a democracia não se faz sem bom-senso”, comentou.
Luís Newton, líder da bancada do PSD e presidente da Junta de Freguesia da Estrela, não gostou e defendeu o que considerou o direito do seu partido a exercer uma “manifestação política”. “Quero que me esclareça dos fundamentos dessa decisão. Onde é que a mesa ou o plenário têm o direito de retirar a possibilidade a um partido de se pronunciar politicamente sobre uma matéria? Desconheço-os, por isso, se calhar, é falha minha”, ironizou. “Em vésperas de 25 de Abril, isto parece-me muito estranho”, comentou. Roseta ainda insistiu que ser o partido proponente a votar contra “não faz sentido”. “Se não há ninguém a sustentar a proposta, porque é que a vamos colocar a votação?”, interrogou.
Recorrendo à mesma arma, a ironia, o Bloco de Esquerda, pela voz de Rui Costa, expressou um inesperado apoio à posição do PSD. “Esta moção, regimentalmente, tem de ser votada. Até porque tem de ficar registado em acta este momento, no mínimo, hilário. Permitam-me que cite um deputado brasileiro, o Tiririca. Votemos isto, porque pior do que está não fica!”, apelou o líder da bancada bloquista. Com menos disposição para tiradas humorísticas estava o homólogo do PCP. “Se é o próprio partido que rejeita é uma das raras vezes que uma força política ofende a dignidade e a democracia desta assembleia”, considerou Modesto Navarro.
Luís Newton notou o que disse ter notada a “reacção que isto merece aqui à esquerda” e insistiu no considerou o inalienável direito do seu partido em apresentar a proposta e votá-la como bem entendesse. “Temos o direito de apresentar qualquer moção, sejam quais forem os termos, desde que ela não represente, em momento algum, uma ofensa a ninguém. A moção constitui um conjunto de factos”, afirmou, antes de se terminar: “Estão a impedir uma manifestação política. A forma em que se apresenta é, se calhar, diferente daquilo que os senhores deputados estão habituados”.
Exactamente antes desta última intervenção de Newton, porém, já Roseta dera o caso como perdido. “A assembleia é soberana. Se entende que a mesa não tem razão, vota contra aquilo que eu propus”. A autarca disse não querer ficar com “o ónus de impedir a votação”. E, feita a polémica votação, a presidente da AML deixou um aviso. “Temos aqui uma circunstância única. Não deixarei de levar isto à conferência de representantes, o nosso regimento deverá prever essas situações. Tiraremos as conclusões no âmbito regimental”, prometeu.