O mistério dos retrovisores vandalizados que está a agitar dois quarteirões da Lapa
(A Junta de Freguesia da Estrela informou O Corvo de que, entretanto, o presumível responsável pelas acções de vandalismo dos últimos meses terá sido detido pela PSP, durante a madrugada desta sexta-feira, 23 de fevereiro)
Por entre os raios de sol do princípio da tarde em que se banha, de mãos nos bolsos, na esquina das ruas de Buenos Aires e da Sant’Ana à Lapa, Manuel Delgado, 71 anos, garante estar quase a ser resolvido o grande caso, dos últimos meses, naquelas bandas. “Sei que a polícia está a pôr agentes à paisana a circularem por aqui, a ver se o apanham. Já não falta muito para lhe meterem a mão em cima”, assevera. O porteiro do 26 da Buenos Aires, prédio que viu construir, em 1972, quando veio do “Ultramar”, está empenhado no apertar do cerco à pessoa ou grupo que, desde o final do ano passado, tem causado o caos naquela zona.
Os actos avulsos de vandalismo, cada vez mais frequentes, contra automóveis estacionados na via pública, mas também edifícios, tiraram o sossego a este recanto abastado da cidade, habituado a uma certa pasmaceira. E estão a revelar-se um caso de difícil resolução. Os retrovisores dos carros são o alvo preferencial. Apenas na madrugada desta quarta-feira (21 de fevereiro), foram roubadas ou danificadas uma dúzia de viaturas. E, na noite seguinte, pelo menos uma outra viu um dos seus espelhos partidos. A situação está a preocupar o presidente da Junta de Freguesia da Estrela, à qual muitos se dirigem em busca de explicações.
Embora esteja por descobrir quem se dedica a tais actividades, existe uma forte suspeita de a mesma ser obra de um só indivíduo. “Não sabemos quem foi, mas suspeita-se que será apenas uma pessoa, com perturbações mentais”, diz Manuel Delgado, de cujo automóvel desapareceu o espelho retrovisor por duas vezes em novembro e outra em janeiro. “É que ele não faz isto para roubar, é só para destruir. Muitos dos espelhos que não são partidos são encontrados, depois, nos contentores do lixo e nas papeleiras”, explica o porteiro, numa versão ouvida diversas vezes, por O Corvo.
“Isto começou em agosto passado, com alguns casos, e agora tem aumentado. Os retrovisores aparecem no chão ou nas papeleiras”, conta Filipe Correia, que explora o quiosque tabaco e jornais mesmo em frente. Há, contudo, quem garanta que o início destes problema apenas sucedeu em dezembro. Certo é que a sensação de insegurança se intensificou nos últimos dois meses. Desde então, têm aumentado a frequência e a dimensão dos actos de sabotagem.
Tanto que o que começou por parecer um conjunto disperso de ocorrências de vandalismo, aparentemente sem ligação entre si, foi crescendo, até se transformar no “caso” que está a dar que falar no perímetro compreendido entre a Rua de Sant’Ana à Lapa, a Travessa do Moinho de Vento e a Rua de Buenos Aires. Dois quarteirões em sobressalto. Razão suficiente para as conversas dos vizinhos desembocarem muitas vezes no tema.
“Está a tornar-se muito regular, quase diário. Como é óbvio, isto é um incómodo muito grande para as pessoas. Não me lembro de um desrespeito pela propriedade tão grande aqui nesta zona”, comenta a O Corvo Luís Newton (PSD), presidente da Junta de Freguesia da Estrela, que diz estar em contacto diário com a PSP. “Eles estão a acompanhar o caso, mas não está fácil”, admite.
O autarca confirma que as suspeitas recaem sobre um indivíduo, ainda por identificar. “Tudo aponta para que seja o trabalho de uma só pessoa”, diz o presidente da junta, à qual muitos recorrem, queixando-se das cada vez mais frequentes situações de vandalismo contra automóveis – além dos preferenciais retrovisores, outro alvo frequente têm sido as hastes dos limpa pára-brisas -, mas também contra edifícios. “Uns clientes nossos contaram que lhe meteram palitos e fósforos nas fechaduras das portas dos prédios”, conta uma farmacêutica da Rua da Lapa.
Uma cenário relatado também num salão de cabeleireiro situado na Rua Buenos Aires. Paula Oliveira, dona do estabelecimento ali instalado há 18 anos, e residente em Alfragide, viu desaparecer, por duas vezes, no mês passado, o espelho retrovisor do seu carro. Algo que aconteceu durante o dia, único período em que tem o automóvel estacionado na zona. “Isto é muito chato, é um prejuízo”, constata. Outra moradora, Maria Marecos Duarte, diz a O Corvo que, desde que esta vaga destruidora teve início, já vai no quinto espelho retrovisor substituído.
Em frente do salão de beleza, está estacionada uma carrinha Mercedes a quem foi partido o espelho retrovisor do lado direito, na última madrugada. Garante-se a O Corvo que já é a segunda vez que o fazem àquele veículo. Ao lado, fica uma pastelaria, à porta da qual está a fumar Rosa Araújo, também ela dona de um cabeleireiro, mas na Rua de Sant’Ana à Lapa. “Desde de dezembro que eles andam aí. Só numa semana, roubaram-me três vezes o botão da campainha do meu salão”, conta, antes de revelar a solução encontrada para lidar com a situação: comprou uma sineta.
Ante a reconhecida dificuldade da PSP em atender às solicitações da população que a ela se dirige – algo que acontece um pouco por toda a cidade de Lisboa -, o presidente da Junta de Freguesia da Estrela recorda que gostaria de ver as juntas assumirem competências na área da segurança. “Poderíamos, por exemplo, assegurar o reforço dos meios financeiros das esquadras da nossa área, ajudando a suportar os custos de funcionamento”, diz Luís Newton.