Juntas de Lisboa querem mais poderes, dinheiro e melhores remunerações
Depois de quatro anos a exercerem novas competências, antes depositadas nas mãos da Câmara Municipal de Lisboa (CML), as juntas de freguesia da capital querem aprofundar o processo de descentralização. E acham que apenas poderão realizar as suas funções de forma adequada, respondendo assim às solicitações dos fregueses, se virem alterado o quadro legal em que operam, reforçados os orçamentos e alterado o estatuto dos seus eleitos – com a correspondente revisão da remuneração, permitindo o exercício dos mandatos em regime de permanência. Pedem, por isso, ao Governo, uma alteração legislativa nesse sentido. E têm o apoio da CML, que, apesar de qualificar como “enorme sucesso” a delegação de competências nas juntas, considera que a cidade em 2018 é muito diferente da que existia em 2012.
A reforma agora proposta trata-se, no fundo, da formalização daquilo que começou a ser ouvido amiúde, aquando da assunção das novas responsabilidades: as juntas de freguesia da capital passaram a funcionar com “mini-câmaras municipais”. E a nova dinâmica da cidade, com destaque para o turismo, veio afinal aumentar-lhes responsabilidades e despesas. Há que agir em conformidade, pede-se. As exigências fazem parte de uma recomendação e de uma proposta aprovadas pelo plenário da Assembleia Municipal de Lisboa (AML), na tarde desta terça-feira (20 de fevereiro), tendo por base as conclusões do oitavo e último relatório de avaliação da Reforma Administrativa de Lisboa.
Apesar de os considerandos dessa recomendação da AML à Câmara Municipal de Lisboa (CML) – que foi redigida em conjunto por Inês Drummond (PS), presidente da Junta de Freguesia de Benfica, e Luís Newton (PSD), presidente da Junta de Freguesia da Estrela – fazerem um balanço claramente positivo da descentralização de competências implementada a partir de março de 2014, pede-se um aprofundamento do processo. No mesmo texto, refere-se a necessidade de se rever o “elenco de missões de interesse geral e comum a toda ou parte significativa da cidade, bem como dos espaços, das vias e dos equipamentos de natureza estruturante para a cidade”.
Em causa está, alegam os relatores, a distinção das funções que realmente competem à câmara e às juntas. Estas queixam-se de terem recebidos meios insuficientes ou já em fim de vida. É dado o exemplo das viaturas afectas ao serviço de limpeza e de higiene urbana ou dos equipamentos instalados em escolas. Mas também da sinalização vertical espalhada pela cidade. Solicita-se, por isso, a criação de uma “nova geração de contratos de delegações de competências” entre a CML e as juntas.
“O desenvolvimento global da cidade, nomeadamente, com o acréscimo de actividades várias na cidade, sejam elas de natureza recreativa, cultural, desportiva e social, bem como o aumento significativo do turismo gerou necessidades que não eram, de todo, previsíveis à data da Reforma Administrativa”, lê-se na proposta, antes de se acrescentar: “Entre tais necessidades, é hoje absolutamente pacífico o reconhecimento da necessidade do reforço dos serviços de limpeza pela cidade e, particularmente, nas zonas de maior pressão turística e nocturna.
A este respeito, as Juntas de Freguesia têm vindo a procurar responder de acordo com os meios que têm ao seu dispor, que urge reconhecer são manifestamente insuficientes para fazer face às atuais necessidades da cidade”. Além disso, invoca-se, “a cidade dispõe hoje de um conjunto de novos e renovados equipamentos, à disposição dos cidadãos, que não existiam ou estavam inactivos, à data da Reforma, razão pela qual não foram previstos os respectivos custos de funcionamento, manutenção e conservação”.
Os representantes das 24 juntas de freguesia de Lisboa salientam que já estão, em grande medida, a assumir tal aumento de despesa não prevista – “em nome da valorização do seu território e da melhoria da qualidade de vida das suas populações”. E desejam, por isso, a criação de “contratos interadministrativos” entre freguesias e CML “com vista à salvaguarda e necessária articulação dos interesses dos cidadãos, no respeito e consideração pela coesão social e preservação da qualidade do ambiente urbano”.
Uma das preocupações principais das juntas é a necessidade de ficar bem claro que os custos com a manutenção dos equipamentos considerados “estruturantes” para a cidade serão pagos pela autarquia liderada por Fernando Medina. Mas não se ficam por aqui. Pretendem também que a CML assegure a “substituição e reforço dos materiais e equipamentos transferidos, que se revelaram defeituosos ou obsoletos, designadamente na área da limpeza urbana e prevendo o fornecimento da sinalização vertical”.
Mas, para além destes pedidos à Câmara de Lisboa, as freguesias e a Assembleia Municipal de Lisboa querem também uma mudança legislativa, que, a concretiza-se, terá um forte impacto: mais dinheiro, mais poderes e a revisão do estatuto dos eleitos locais das freguesias da capital, com a respectiva alteração do seu estatuto remuneratório. A criação de um grupo de trabalho sobre o processo legislativo da descentralização foi a solução criada pela assembleia municipal. Este grupo ouvirá a CML e as juntas, com o objectivo de produzir uma proposta de recomendação para futuras negociações entre o executivo municipal e o Governo relativas à desejada alteração legislativa.
Independentemente das outras questões e necessidades que venham a surgir no decurso das audições, já se conhece a parte essencial do caderno reivindicativo que o grupo de trabalho da AML remeterá para administração central: Ajustamento dos recursos financeiro; Reforço das verbas; Reforço e clarificação das competências próprias das Juntas de Freguesia; e Revisão do estatuto dos eleitos locais das freguesias de Lisboa. Apenas o PCP e o PEV (Partido Ecologista “Os Verdes”) votaram contra a criação deste grupo de trabalho, tendo o PAN abstido-se – as restantes forças votaram a favor.
Tendo por base a lei de 2012 que desenhou a reforma administrativa da cidade – com a redução de 53 para 24 freguesias, em outubro de 2013, e a descentralização de competências CML para as juntas, em março de 2014 -, os deputados municipais e as juntas pedem, através do processo agora iniciado, um ajustamento financeiro que compreenda “as alterações e ajustes identificados como considerados necessários” e um reforço de verbas que dê resposta à “regularização de vínculos precários na administração pública”. Ainda com essa lei como referencial, é solicitado ao Governo o “reforço e clarificação das competências próprias” das juntas “como forma de se aprofundar o ímpeto descentralizador em que cidade de Lisboa foi pioneira no país”.
A grande novidade está, contudo, reservada para a quarta e última recomendação – para já – de alteração legislativa: a revisão do estatuto dos eleitos locais das freguesias de Lisboa, “nomeadamente no que respeita a delegação de competências do presidente nos vogais e pessoal dirigente, alargamento do exercício dos mandatos em regime de permanência e estatuto remuneratório”. Ou seja, pede-se o alargamento às juntas de um sistema de funcionamento em tudo similar ao das vereações municipais.
Antes da aprovação, pelo plenário da assembleia municipal, deste grupo de trabalho para iniciar o processo de revisão da lei, o vice-presidente da autarquia, Duarte Cordeiro, lembrou o “enorme sucesso” da reforma administrativa encetada há quatro anos, mas falou na necessidade de a melhorar. Apesar dos ganhos na melhoria da qualidade de vida da população, disse, “é absolutamente evidente que uma reforma desta dimensão precisa de ser acompanhada e reformulada, se necessário”. “Ao fim de quatro anos, há matérias que carecem de ser modificadas. E isso exige uma reformulação da lei ou novos contratos”, disse o autarca, referindo-se aos anunciados contratos interadministrativos – contra os quais votaram também o PCP e o PEV, tendo PAN e MPT abstido-se.
A criação de uma nova forma de “autorização prévia genérica” para a Câmara Municipal de Lisboa poder delegar competências nas juntas foi o ponto mais contestado na sessão desta terça-feira. O Bloco de Esquerda (BE), pela voz do deputado municipal Rui Costa, considerou mesmo que tal prorrogativa “é ilegal”. “As delegações de competências têm que ser discutidas uma a uma, aqui na assembleia municipal”, disse. Já o CDS-PP, através de Diogo Moura, equiparou a referida autorização prévia a um “cheque em branco”. Por isso, ambos os partidos, BE e CDS-PP, votaram contra, tal como PCP, PEV, PAN e PPM. O MPT absteve-se. Duarte Cordeiro considerou esta nova “autorização prévia genérica” de delegação de competências como uma “forma de agilização”.