O excêntrico monumento dos polícias no qual Lisboa gastará quase 100 mil euros

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Samuel Alemão

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VIDA NA CIDADE

Campo de Ourique

Santo António

1 Dezembro, 2017




A ideia começou como uma brincadeira, mas alguns poderão vir a não lhe achar muita piada. O projecto de construção de uma peça de arte pública, denominado “Portugal em Lisboa”, “em que cada letra simbolize uma dimensão cultural” da cidade e do país e “poderá representar um produto, objecto, região, serviço ou indústria tipicamente nacional”, foi o segundo mais votado da edição deste ano do Orçamento Participativo (OP) de Lisboa, cujos resultados foram anunciados nesta segunda-feira (27 de novembro). O seus 4115 votos permitiram-lhe ser um dos distinguidos na categoria de “projectos estruturantes”, a principal das duas existentes no OP – a outra é a dos “projectos locais” – e que se destina a ideias que podem chegar aos 500 mil euros. A execução da proposta 127, da autoria de um conjunto de polícias da esquadra do Rato da PSP, está avaliada em 93 mil euros.

Montante que, tal como o dos restantes projectos vencedores, sairá do bolo de 2,5 milhões de euros que em cada ano sai dos cofres do município para sustentar o OP. “Não fomos nós a fazer o orçamento, nem fazemos ideia de como é que eles chegaram a esse valor. Mas a nossa preocupação foi sempre a de ter valores plausíveis, até pedimos alguns orçamentos, quando estávamos na fase de estudo desta proposta”, explica a O Corvo o agente Paulo Silvestre, porta-voz do colectivo de polícias responsáveis pela ideia ganhadora.

O “eles” a que se refere é a equipa da autarquia responsável pelo acompanhamento do OP, a mesma que, numa fase inicial, de apresentação de propostas, lhes terá comunicado “que isto não era elegível porque não chegava aos 50 mil euros”. Esse é o valor mínimo de custo previsível de cada proposta para que possa vir a ser considerada.

Tais elucubrações estavam, de facto, muito longe do pensamento do grupo de agentes policiais que, em janeiro passado, começaram a pensar em avançar com a ideia “Isto surgiu um pouco como uma brincadeira. Um dos nossos colegas foi a Amesterdão, onde existe lá um monumento com umas letras em grande formato que dizem ‘I Am Amsterdam’ e pensámos que podia ser engraçado fazer algo do género com Lisboa”, diz Paulo Silvestre.

O certo é que a proposta não só acabou por ser aceite para ir a votação, com uma dotação orçamental de 93 mil euros, como foi incluída na mais importante das categorias, a dos projectos considerados estruturantes ou transversais – algo que os autores da proposta também não sabem explicar, mas que poderá ter que ver com o facto de a sua concretização poder vir a acontecer em qualquer parte da capital. Isto embora o documento de apresentação aponte para o Cais do Sodré e o topo do Parque Eduardo VII como locais preferenciais, por serem zonas nobres, com uma maior visibilidade.

A dimensão real do futuro monumento poderá vir a ser ajustada, mas os valores indicativos apontam para que cada uma das letras tenha uma altura de 2,3 metros, assentando esta incomum obra sobre uma plataforma com 16 metros de extensão. Tudo para que se possa ler “Lisboa” de uma forma nunca antes vista. O “L” será feito de cortiça, enquanto o “I” terá a forma de uma garrafa de vinho. Já a letra “S” revestir-se-á a azulejo, uma das referências nacionais. A letra que se lhe segue, o “B”, será a mais peculiar e formar-se-á a partir de dois objectos: um marco do correio, ao que se lhe junta uma pasta dentífrica Couto.

“A indústria do futebol é uma característica que faz parte da nossa essência”, lê-se na justificação para que o “O” seja uma bola de futebol. Por fim, a letra “A” estilizada como um sapato de salto alto “Expressa tudo aquilo em que somos realmente bons, não só na indústria do calçado, como nas energias renováveis, tecnológica, mobiliário, cerâmica, têxteis”. Esta última letra será, aliás, a maior, com três metros de comprimento.

Paulo Silvestre diz a O Corvo que a intenção inicial do grupo de agentes da esquadra do Rato, muitos dos quais fazem policiamento de proximidade, sempre foi a de fazer “um hino ao nosso país”. Aliás, e para que não restem dúvidas, o documento de explicação da proposta postula: “Temos orgulho em ser portugueses”. “Trata-se de uma ideia um bocadinho excêntrica”, admite Paulo, reconhecendo que a tão expressiva votação foi uma surpresa. “Mesmo os nossos comandantes ficaram surpreendidos. Mas nós fizemos uma grande campanha de mobilização, que incluiu visitas a todas as esquadras da 1ª Divisão, à Divisão de Trânsito e ao Comando Metropolitano”, explica.

Questionado por O Corvo sobre a pertinência deste gasto de dinheiros públicos, sabendo-se que a cidade tem carências em várias sectores, o elemento das forças da autoridade admite que esta não será a maior das prioridades para Lisboa, mas tem uma expectativa. “Olhamos para esta iniciativa como um investimento, como algo que se constituirá como publicidade para a cidade, que atrairá visitantes. Temos a expectativa que, com isso, o dinheiro investido será recuperado muito rapidamente”, comenta.

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