Santa Camarão, pugilista de fama mundial crescido em Alfama, é agora herói de BD

REPORTAGEM
Samuel Alemão

Texto

CULTURA

Santa Maria Maior

São Vicente

20 Novembro, 2017

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edição
Chili com Carne

De modesto fragateiro e estivador, residente no bairro de Alfama, viu-se catapultado para a fama internacional como um atleta temido pela força empregue nos seu golpes. Mas à ascensão meteórica, que incluiu a disputa pelo título europeu, combates no Madison Square Garden de Nova Iorque e a participação em filmes, seguiu-se um súbito ocaso, até ao esquecimento generalizado. Natural de Ovar, onde viveria após os anos de glória e até à morte, é agora resgatado ao esquecimento por uma banda desenhada de um conterrâneo a viver na capital – onde existe, junto ao Jardim do Campo Grande, uma Rua José Santa Camarão.

“As pessoas, em Ovar, identificam-se muito com o Santa. Cresci a ouvir contar estórias das suas proezas, era tema de conversa com frequência e motivo de orgulho, claro. Acaba por ser uma coisa identitária”, admite Xavier Almeida, 37 anos, o autor do livro “Santa Camarão” (edição Chili com Carne) e artista plástico. Apesar de privar desde miúdo com esse semi-culto local daquele que é hoje considerado o maior pugilista nacional de todos os tempos, Xavier apenas se sentiu impelido em contar a sua história a partir do momento em que se apercebeu o quão oculta permanecia tal figura no resto país.

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Tudo começou, em 2012, com um artigo de jornal, onde se traçava o perfil biográfico do herói desportivo que aos 10 anos rumou a Lisboa para acompanhar o pai na estiva e nas lides de fragateiro. “Um amigo enviou-me o artigo do PÚBLICO, que contava a sua história incrível, e, a partir daí, fiquei a ver que ninguém conhecia o Santa Camarão”, recorda. Os contornos melancólicos de uma vida dura e o olvido a que fora votado tal personagem fascinaram-no de imediato. Isso o facto de ser alguém de Ovar vindo para Lisboa.



“Ele era muito naif, uma pessoa muito melancólica, tristonha e solitária. Tinha complexos por ser muito alto, pelos comentários de que era alvo. Era visto um pouco como um freak, como uma aberração”, descreve a O Corvo Xavier Almeida, reconhecendo que tal enquadramento acabou por conceder a todo o percurso do atleta uma aura de “uma quase epopeia” e um “sentido épico”. Às narrativas de gente que contorna a adversidade para conquistar a glória conhecemos-lhe o perfume irresistível. Muito do qual exalado por décadas de produção cinematográfica. Seria difícil resistir a mais esta.

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Por ironia, Santa Camarão acaba por ser ele mesmo uma referência para o cinema nacional. O filme alemão Liebe Im Ring (1930), realizado por Reinhold Schünzel, em Berlim, e onde contracena com o pugilista Max Schmeling é unanimemente referenciado como o primeiro em que alguma vez se ouve o idioma português na sétima arte. Nessa altura, conhecia o auge da sua carreira e de popularidade. No ano anterior, perdera para o belga Pierre Charles a disputa pelo título de campeão europeu. Isso não o impediria de rumar à grande experiência americana.

Nos Estados Unidos da América, fez diversos combates. Do seu currículo naquele país constam 31 vitórias consecutivas. Mas os embates que mais deram que falar foram os realizados no Madison Square Garden, em Nova Iorque, contra os campeões Max Baer e Primo Carnera. Foi também por lá que o português encontraria aquela que viria a ser a sua mulher, a luso-americana Mary Loreto. Quando terminou a carreira, em 1933, decidiu regressar à sua Ovar natal, com a companheira. Mas a pequena terra portuguesa revelar-se-ia de horizontes muito curtos para Mary, que, em 1949, decide regressar aos EUA com o filho adolescente.

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Santa ficaria outra vez sozinho, até morrer em 1968, apesar de ser uma figura popular na comunidade. Prezavam-lhe a simplicidade e o espírito de abnegação. Uma estória triste, mas com sentido épico, como salienta o ovarense Xavier Almeida. E se já empatizava com ele, sentiu o tal artigo de jornal como o propulsor da obra agora publicada. “Pensei ‘é urgente fazer um livro sobre ele’. E aí, quando decidi avançar, começou a pesquisa à séria”, recorda.

Aos desenhos de Xavier, junta-se o argumento adaptado do caderno autobiográfico “A vida de José Santa Camarão contada por ele mesmo”, com os diálogos escritos por Pato Bravo – alter ego do cantor B Fachada. Foi sua a proposta de utilizar a memória escrita pelo pugilista como guião do livro de banda-desenhada. “Eu estava um pouco sem foco, mas ele perguntou-me por que não utilizava o caderno, pois o argumento já lá estava. Pensei um pouco e, de facto, ele tinha razão”.

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