Videovigilância contra o tráfico de droga na Almirante Reis divide Assembleia Municipal

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Samuel Alemão

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VIDA NA CIDADE

Arroios

31 Maio, 2017


Todos estão de acordo quanto à necessidade de realizar o reforço do policiamento na zona da Avenida Almirante Reis, como forma de combater o tráfico de droga. Mas sobram divisões sobre a necessidade e a legitimidade de para tal usar um sistema de videovigilância. Apesar disso, o plenário da Assembleia Municipal de Lisboa (AML) acabou por aprovar, na tarde desta terça-feira (30 de maio), uma recomendação obedecendo a tais directivas, elaborada em março por deputados de duas das suas comissões, na sequência de um abaixo-assinado. Antes da votação final, porém, ficou clara a existência de uma grande clivagem entre as diferentes forças políticas sobre a adopção, naquela área da capital, de um sistema semelhante ao já utilizado no Bairro Alto. PCP e Bloco de Esquerda lideraram as críticas, pondo em causa tanto a pertinência do uso da tecnologia como a efectiva protecção dos direitos dos cidadãos.

Se a unanimidade prevaleceu no pedido à Câmara Municipal de Lisboa (CML) para que seja criada uma equipa de coordenação entre todos os parceiros locais e ainda para que seja reforçado o policiamento, as dissensões evidenciaram-se na hora de votar o segundo ponto da recomendação. A solicitação para “que sejam instaladas, a curto prazo, câmaras de videovigilância no eixo Avenida Almirante Reis e ruas adjacentes” mereceu os votos contra do PCP, do BE, dos Verdes, do PAN, de dois deputados independentes e ainda de um eleito pelo PSD. O pedido à câmara para que alargue aquela área o referido sistema teve, porém, o voto favorável da maioria. Para isso contribuíram o PS, o CDS-PP, a grande maioria dos eleitos do PSD, o MPT, o PNPN e quatro independentes. A única abstenção veio de um deputado municipal social-democrata. Antes da votação, foram muitos e contundentes os reparos à adopção de tal solução tecnológica.

“Além das questões relacionadas com os direitos constitucionais da vida privada, de se poder circular sem quaisquer constrangimentos – aspecto para o qual tem chamado à atenção a Comissão Nacional de Protecção de Dados -, importa também definir qual o seu verdadeiro alcance e os verdadeiros fins”, alertou Deolinda Machado (PCP), que frisou a necessidade de combater o tráfico sobretudo através da prevenção e da articulação de diferentes apoios sociais. Para a eleita comunista, que considerou que “medidas pontuais levam à deslocalização do tráfico de um bairro para outro”, estará ainda por fazer uma real avaliação da utilização da videovigilância nos locais onde ela foi implementada. Notando que o direito à segurança deve ser assegurado, perguntou quais as garantias que os cidadãos de Lisboa podem ter “quanto ao uso e abuso da videovigilância”.

Também o Bloco de Esquerda deu ênfase à necessidade de aposta na prevenção e não tanto na repressão. Uma receita que, aliás, deu a Portugal alguma notoriedade como exemplo a seguir a nível internacional no combate à toxicodependência. “Para combater o tráfico de droga, as estratégias estão bem estudadas e definidas na Estratégia Nacional de Combate à Droga. Chamam-se políticas de redução de riscos e minimização de danos”, afirmou o deputado municipal Tiago Ivo Cruz, antes de lembrar a muitas vezes debatida criação de uma sala de consumo assistido de estupefacientes na cidade de Lisboa. Notando que tal solução já foi discutida na AML – por iniciativa do BE – e nunca foi concretizada, o deputado confessou estranheza por a mesma não constar da recomendação em apreço. Fazendo notar que a questão do tráfico e consumo de droga “é bastante mais complexa do que os meios de policiamento” , Tiago Ivo Cruz considera que a videovigilância “está absolutamente fora de contexto, não resolve nada e aprofunda uma lógica que não produz resultados”.

Videovigilância contra o tráfico de droga na Almirante Reis divide Assembleia Municipal

No mesmo sentido foi a intervenção de Sobreda Antunes (Partido Ecologista Os Verdes), para quem a solução efectiva no combate ao fenómeno da venda e consumo de drogas tem de passar sempre por uma combinação do reforço dos meio de prevenção com a utilização do policiamento de proximidade como meio dissuasor. Também ele lembrou o indefinido protelamento na adopção pela Câmara de Lisboa da recomendação aprovada pela assembleia para a criação de locais de consumo assistido. O deputado ecologista lembrou ainda que, aquando da audição os elementos da polícia a propósito do abaixo-assinado denunciando o tráfico de droga na Almirante Reis, “foi concluído que a videovigilância jamais permite cobrir todos os espaços passíveis de tráfico e consumo, numa tão vasta área pública, nem tão só servir de prova condenatória”. Sobreda Antunes criticou o que considerou ser uma solução tecnológica “tipo big brother”.

Uma referência ao que muitos consideram ser os problemas relacionados com as garantias da privacidade dos cidadãos decorrentes do uso do sistema, que teve eco também na intervenção de Miguel Santos, do PAN. “A tecnologia deve estar ao serviço das pessoas. Neste caso, não me parece que assim seja”, disse, lançando dúvidas sobre as qualidades particulares do software de apoio a tal tecnologia. “Antes que uma medida destas seja tomada, que se dê mais informação à população, senão tudo isto é puro desperdício de dinheiro público. Em último caso, constitui apenas uma espécie de Xanax social, para acalmar consciências e não tem qualquer influência no tráfico e na segurança das pessoas”, acusou, com mordacidade. O deputado do PAN havia também salientado existir um desconhecimento dos verdadeiros efeitos sobre os índices de criminalidade no Bairro Alto pelo recurso a tal sistema.

Uma dúvida contestada, minutos depois, pelo socialista João Valente Pires. Recorrendo a uma notícia recente do jornal PÚBLICO, informou que os residentes daquele bairro garantiam que “a situação da segurança melhorou” desde o início do uso da tecnologia e afirmou que “não existem queixas de moradores por se sentirem ultrajados com a utilização da videovigilância”. A isso acresce, sustenta, que “a PSP diz que a criminalidade desceu”. Fazendo uso das tais afirmações de Miguel Santos (PAN) de que a tecnologia deve estar ao serviço das pessoas, Valente Pires disse que este era, precisamente, um destes casos. “Não podemos fazer parar a história”, afirmou. Para o deputado socialista, é exactamente isso que está a suceder com as muitas reservas agora apresentadas por diversos partidos à aplicação da videovigilância na Avenida Almirante Reis e arruamentos adjacentes.

Também Diogo Moura, do CDS-PP, criticou quem se opõe a este recurso tecnológico. E foi especialmente acutilante para com a Comissão Nacional de Protecção de Dados. “Esta entidade, que não tem qualquer problema com a criação de listas de devedores ao fisco e à segurança social, considera que um cidadão em incumprimento perante o Estado tem menos direito do que um criminoso comum”, afirmou. Sublinhando a necessidade de garantir a liberdade de todos os que pretendem usufruir em segurança da zona da Almirante Reis, Diogo Moura pediu a rápida aplicação dos pontos da recomendação. “Em Lisboa, as garantias de privacidade têm sido cumpridas nas várias zonas. No Bairro Alto, não é do conhecimento público a existência de queixas baseadas na introdução da videovigilância”, disse.

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