Obras da escola António Arroio pararam há seis anos e moradores queixam-se da degradação da zona

REPORTAGEM
Sofia Cristino

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VIDA NA CIDADE

Penha de França

1 Outubro, 2018

Na Escola Secundária António Arroio, na Penha de França, os alunos almoçam no chão por falta de um refeitório, os professores improvisam reuniões nos corredores, o bar funciona num contentor velho e há livros que ainda não foram desencaixotados porque a biblioteca não está pronta. A situação arrasta-se há oito anos, desde que as obras de um dos edifícios do estabelecimento de ensino pararam, devido a problemas com os empreiteiros. O estado de abandono do estaleiro também já está a afectar os moradores da zona. Os tapumes partidos e vandalizados ocupam parte do passeio e, por vezes, caem na via pública. A acumulação do entulho, “uma verdadeira lixeira a céu aberto”, dizem os habitantes, atrai baratas e ratos, e a zona está mais insegura. A junta de freguesia assegura que em breve realizará a limpeza do espaço público ao lado da obra. Já o Ministério da Educação diz estar a aguardar a assinatura da nova portaria de extensão de encargos pelo Ministério das Finanças, não avançado datas para a conclusão da obra.

Os alunos da Escola Secundária António Arroio, na Penha de França, estão há oito anos sem um refeitório, uma biblioteca, um auditório e outras infraestruturas, porque parte da escola ainda está em construção. O bar funciona num contentor velho há oito anos, uma solução pensada como provisória. “A água infiltra-se e cai por todos os lados, o tecto do monobloco está podre, não é nada bom para os alunos”, diz Maria Goreti Simões, coordenadora dos assistentes operacionais e ali funcionária há 38 anos. A falta de uma cantina leva os alunos a trazerem comida de casa ou a levantarem as refeições – servidas em caixas de plástico – no bar.

 

Durante os três anos do ensino secundário, os estudantes vêem-se ainda obrigados a comerem nos corredores e na entrada da escola, no passeio junto à estrada, numa zona de convívio a que chamam “ilha” e onde a evidente falta de condições já se tornou banal para alguns. “Como comemos no passeio, já houve imensas malas e telemóveis atropelados. Acho que deviam fechar a rua para almoçarmos aqui à vontade”, diz Eduarda Abreu, 18 anos, aluna do 12º ano. Numa tentativa de adaptação à falta de uma cantina, a escola já adquiriu sete microondas. As filas para os alunos aquecerem as refeições trazidas de casa, porém, são enormes e muitos optam por levar pratos frios.

A biblioteca está, neste momento, a funcionar numa sala pequena e há muitos livros que nem sequer chegaram a ser desempacotados por não haver espaço para os arrumar. Há cursos, como o de comunicação audiovisual, para o qual é necessário outro tipo de ferramentas de trabalho, que não funcionam bem por não haver um sítio para guardar os materiais. As salas são insuficientes para alunos, professores e funcionários, situação que os leva, muitas vezes, a improvisar soluções. “Todos os dias, há cadeiras de um lado para o outro. Há pouco tempo, andámos a acartar cadeiras para uma reunião, com 200 professores, no corredor. Não temos onde pôr o material de informática nem o de limpeza, está nas casas-de-banho”, conta Maria Goreti.

 

A escola artística que, todos os anos, recebe centenas de candidaturas, não está a conseguir aceitar mais estudantes devido ao número reduzido de salas de aula. Este ano, tem 460 alunos, mas 95 ficaram de fora. “Temos de fazer um esforço muito maior para conseguirmos que os alunos caibam todos aqui”, diz ainda Goreti. A trabalhar com menos recursos, mas com mais alunos, o número de funcionários e de professores foi-se adequando às necessidades do estabelecimento de ensino, mas há uma grande lacuna no número dos assistentes operacionais e dos técnicos. Uma das funcionárias, que não quis ser identificada, diz que vai à escola aos fins-de-semana limpar os corredores, por não conseguir assegurar o trabalho todo durante a semana.

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O pavilhão inacabado faz imensa falta a uma escola a funcionar no limite das capacidades

A empreitada de requalificação do estabelecimento, a cargo da Parque Escolar, responsável pela modernização da rede pública das escolas secundárias, começou em Junho de 2009. O primeiro edifício a ser reabilitado está a funcionar desde 2011, depois de dois anos em obras, mas os trabalhos de construção do segundo edifício estão parados desde Setembro de 2012. Na infra-estrutura inacabada vai funcionar um refeitório, um bar, uma biblioteca, um museu com uma galeria de arte, um auditório, mais salas de aulas, oficinas e gabinetes para serviços administrativos. Valências fundamentais para “pôr de pé o plano educativo da escola por onde já passaram grandes nomes da área artística”, diz o director da Escola Secundária António Arroio, Rui Madeira. O responsável critica ainda o estado de abandono do edifício inacabado, onde também serão realizadas actividades de cariz social e cultural. “Acredito que poderá ser um pólo cultural atractivo da freguesia da Penha de França. Neste momento, o edifício é um autêntico mono, é pena estar assim”, lamenta Rui Madeira, director da Escola Secundária António Arroio.


 

Após o início da intervenção na escola, o empreiteiro entrou em falência e só em Setembro de 2016 viria a ser lançado um novo concurso público internacional. Em Janeiro de 2017, foi conhecido o vencedor, mas o processo voltou a estar parado um ano e meio, por desistência do novo empreiteiro. A 9 de Abril de 2018, o Ministério da Educação assinou a nova portaria de extensão de encargos e libertou 3 milhões de euros, a verba necessária para a conclusão da obra, mas ainda nem sequer foi lançado novo concurso. Por isso, os alunos estão a estudar ao lado do estaleiro de obras há oito anos, não se sabendo até quando vão continuar nesta situação.

 

 

“Não sei se de hoje a um ano já teremos a obra em curso, não faço ideia. A Parque Escolar mostrou vontade, já fez novos projectos de especialização e está a ser feito um novo caderno de encargos, com uma actualização de preços que ronda mais 800 mil euros”, explica Rui Madeira, que se deparou com a paragem da obra assim que chegou à escola. O responsável critica ainda a falta de condições de segurança do edifício onde decorrem as aulas. “Temos um plano de emergência, mas não temos possibilidade de o executar. Se, numa situação de risco, tivermos de ordenar a evacuação, não conseguimos, porque o edifício não está concluído, o que acresce riscos à nossa estadia aqui e ao nosso trabalho”, alerta.

 

Nos últimos anos, o prolongamento da paragem da obra começou também a incomodar os moradores da zona envolvente à escola. Os habitantes estão apreensivos quanto ao estado de abandono e degradação do estaleiro. “As traseiras da escola, em frente a minha casa, são uma verdadeira lixeira a céu aberto. É vergonhoso como a situação perdura há anos”, critica Rita Oliveira, 46 anos, moradora num prédio na Rua Engenheiro Santos Simões, junto à Escola Secundária António Arroio.

 

 

Ali, consegue-se ver as obras deixado ao abandono, com tapumes partidos e vandalizados a ocuparem parte do passeio público, e ervas daninhas a nascerem desordenadamente. Os moradores dizem que a acumulação de lixo está a degradar a zona, atraindo baratas e ratos, uma situação já “insustentável e descabida”. Pedro Nascimento, 38 anos, um dos primeiros a morar no prédio, viu o início de todo o imbróglio e tem ainda mais reparos a fazer. Quando as obras de remodelação da escola artística começaram, em Junho de 2009, os alunos mudaram-se provisoriamente para contentores, construídos ao lado destes prédios. O morador acredita que o bairro começou a deteriorar-se precisamente nesta altura.

 

“Era um sítio agradável até haver obras. Os edifícios começaram a ser grafitados e no logradouro do prédio dormiam pessoas. Tivemos de contratar seguranças, porque havia muitos delinquentes por ali, como drogados a injectarem-se, além dos gastos que tivemos na limpeza das paredes”, conta. Pedro Nascimento critica ainda o estado de “completo abandono” da empreitada. “Com a chuva e o vento, os tapumes caem e ficam abandonados na via pública durante muito tempo, até alguém os retirar ou desviá-los. Há tufos de erva a saírem dos tapumes, há ratos e baratas porque os detritos se acumulam. Se quiser vender a casa, ninguém compra, tal é o mau aspecto. Já nem me sinto bem a convidar os meus amigos a visitarem-me”, lamenta.

 

 

Patrícia Santana, a viver ali desde 2006, diz sentir-se insegura. “Ou tiram os tapumes e põem a rua mais agradável, ou pintam o edifício em obras. Parece um cenário de guerra, às vezes, tenho medo de passar ali à noite. Não sei até que ponto os tapumes já não terão sido mexidos e não estará gente a dormir ali. Um vizinho disse-me que já viu colchões lá. Não há qualquer supervisão da escola, está completamente ao abandono”, critica. Tal como os vizinhos, Patrícia acredita que os problemas se agravaram com o início da empreitada. “Quando os estudantes vieram ter aulas junto a minha casa, foi horrível. Os miúdos estiveram ali, durante um ano, e a zona ficou altamente degradada, grafitavam tudo. O vandalismo atrai outro tipo de pessoas”, diz. Depois da colocação dos tapumes, criticam ainda, o estacionamento “já limitado da rua” ficou ainda mais reduzido.

 

Confrontado com as queixas dos moradores, o director da escola diz que a obra é da responsabilidade do Ministério da Educação. “Não podemos intervir ou alterar o que seja que diga respeito à obra ou ao edifício, quando a propriedade ficou na alçada de uma entidade”, esclarece. Questionado por O Corvo sobre a data prevista de lançamento de novo concurso público da empreitada e a previsão da conclusão, o Ministério da Educação diz, em depoimento escrito, que está a aguardar a assinatura da nova portaria de extensão de encargos pelo Ministério das Finanças, não avançado datas. “Estima-se que o prazo de execução da empreitada seja de cerca de 10 meses, após a consignação da obra”, adianta.

 

A Junta de Freguesia da Penha de França, em depoimento escrito a O Corvo, diz também que a conservação do estaleiro é da responsabilidade do Ministério da Educação. Ainda assim, a autarquia garante ter informado a Câmara Municipal de Lisboa (CML) da necessidade de intervenção na vedação da obra, a qual, por sua vez, já deu nota da ocorrência à Parque Escolar. Além disso, a Junta de Freguesia avança que, recentemente, procedeu à desmatação do talude, do outro lado da rua, e que a intervenção do lado dos tapumes só ainda não está terminada porque “estão ali estacionadas viaturas de dia e de noite, impossibilitando os trabalhos”. “Vamos procurar fazer tal intervenção num futuro próximo, sendo que esta implicará a retirada da totalidade das viaturas estacionadas”, adianta.

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