Nova linha circular do metro de Lisboa: afinal o que justifica a sua criação?
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Sofia Cristino
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Metropolitano de Lisboa
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MOBILIDADE
Cidade de Lisboa
25 Julho, 2017
Os planos de expansão da rede do Metro de Lisboa (ML) prevêem a construção de uma linha circular, aproveitando a anunciada ligação entre Rato e Cais do Sodré, na qual serão abertas duas novas estações (Estrela e Santos). O novo anel subterrâneo surgirá, em 2021, da junção da Linha Verde com parte da actual Linha Amarela. A nova ligação implicará, porém, um significativo encurtamento desta última, obrigando quem vem de Odivelas a fazer um transbordo na estação do Campo Grande. O presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, acredita que a linha servirá melhor a cidade. Mas, para além da oposição, há muita gente a criticar esta solução. Zonas importantes da cidade continuam a ser esquecidas pelo diagrama da rede. Há mesmo quem peça novo debate sobre a matéria. O que justifica, então, a criação de uma linha circular?
Numa altura em que a qualidade do serviço prestado pelo Metro de Lisboa (ML) tem dominado o debate público, fazem-se cada vez mais ouvir as vozes dos que põem em causa as prioridades definidas pelo plano de expansão para este meio de transporte fundamental no esquema de mobilidade da capital. A construção da nova linha circular, feita a partir da junção da Linha Verde com parte da Linha Amarela, tem sido alvo de muitas críticas. Não só por se continuar a adiar o alargamento da rede à zona ocidental da cidade, como pela dificuldade que tal opção criará aos utentes provenientes de Odivelas e Loures.
Na última sessão da Assembleia Municipal de Lisboa (AML), a 18 de julho, foi mesmo aprovada uma recomendação do Bloco de Esquerda (BE) pedindo a reabertura de um “amplo e participado debate público sobre as possibilidade de expansão da rede metropolitano de Lisboa”. Documento votado negativamente pelo PS, que apresentou uma outra proposta, pedindo a expansão da Linha Vermelha para Ocidente e ainda a ligação directa entre o Aeroporto Humberto Delgado e a estação do Campo Grande.
Para Fernando Nunes da Silva, professor catedrático do Instituto Superior Técnico (IST) e ex-vereador (pelouro da mobilidade) de António Costa, revela-se “algo estranho como é que esta linha circular surge”. “Sempre se discutiram muito os projectos do metro e agora, de repente, ninguém discute como se proíbe que se discuta. É absolutamente espantoso como se aceita isto”, considera, em declarações a O Corvo.
“Quando confrontei alguns responsáveis deste Governo sobre o que achavam desta opção, disseram-me que foi uma opção da Câmara de Lisboa. Falei com praticamente todos os ex-secretários de Estado que não foram comissários políticos, com pessoas desde o CDS até ao PS, mais à esquerda, e nenhum deles consegue entender. A única pessoa com quem não falei é a pessoa que, neste momento, está no Governo, mas que apresentou em 2009 um plano de expansão de metro onde esta (linha circular) não figurava e, admito, que também não tenha sido essa a sua prioridade”, explica.
Já Cecília Sales, porta-voz da Comissão dos Utentes dos Transportes de Lisboa, também diz estar “surpreendida” com esta solução. “O metro degradou-se nos últimos anos porque outros serviços de transportes – a Carris, por exemplo, funciona cada vez pior – estão degradados há muitíssimos mais anos. A cidade está mal dividida e mal planeada a nível de rede de transportes e aqueles utentes que não andavam de metro tiveram que começar a andar. Acho que isto foi uma transferência que o metro não suportou. Não se percebe, por isso, como é que esta linha é prioritária”, afirma.
Fernando Medina é, no entanto, bem claro ao defender que a nova linha será “um grande anel distribuidor”. E não está sozinho em tal apreciação. “A principal vantagem da linha circular resulta da capacidade que terá de oferecer uma frequência superior na circulação de composições, distribuindo com maior celeridade os passageiros pelos vários pontos que atravessa. Ao funcionar como linha de distribuição, agilizará o tempo de resposta e melhorará a fluidez de todo o sistema, reduzindo os transbordos”, defende Pedro Delgado Alves, presidente da Junta de Freguesia do Lumiar (PS), uma área que, com o redesenho do diagrama da rede de metro, deixará de estar directamente ligada ao centro da cidade.
A Linha Amarela, que agora vai de Odivelas ao Rato, passará a terminar em Telheiras, obrigando então a um transbordo no Campo Grande para chegar ao anel central. Delgado Alves não vê aí um problema. Fernando Nunes da Silva tem outra interpretação. “A CML serviu-se de um estudo para justificar que esta solução é aquela que aumenta o número de passageiros. É evidente que sim. Se todas as linhas do metropolitano passam a ser linhas radiais e se, para ir ter a qualquer sítio da cidade, tem de se andar às voltas, o número de pessoas que passa a andar é realmente maior”, ironiza. E acrescenta: “Se isso (aumento do número de passageiros) é um argumento, então, desconhece-se por completo o que é o funcionamento de uma rede metropolitana”.
Num estudo realizado pela CML em 2005, sob o título “Lisboa: o desafio da mobilidade”, o presidente da CML na altura, Pedro Santana Lopes, garantia que “a mobilidade vai aumentar, a circulação vai tornar-se mais fluída, haverá melhoras no trânsito e no estacionamento”. No mesmo estudo constam algumas das intervenções prioritárias definidas para os transportes de Lisboa. Os prolongamentos da Linha Vermelha entre São Sebastião e Campo de Ourique, da Linha Vermelha entre o Oriente e o Lumiar (concretizado apenas até ao Aeroporto), da Linha Amarela do Rato até Alcântara e da Linha Verde de Telheiras até à Pontinha, são algumas das empreitadas que ficaram por concretizar.
Fernando Nunes da Silva diz que a fusão das linhas Azul e Verde no Campo Grande vai impedir qualquer extensão destas linhas ou a sua “articulação eficiente” com a linha Vermelha, adiando-se, assim, “questões prioritárias”. “A grande prioridade deveria ser consolidar a rede no interior da cidade e, sobretudo, nos bairros que não estão servidos”, postula.
Transbordo no Campo Grande: transtorno ou oportunidade?
Com a construção das novas estações (Santos e Estrela), através do surgimento da ligação entre o Rato e o Cais do Sodré, de acordo com o Plano de Desenvolvimento Operacional da Rede, a Linha Amarela terá um significativo encurtamento, uma vez que uma grande parte do seu actual traçado será aproveitado, juntamente com a quase toda a actual Linha Verde – excepção feita a Telheiras -, para constituir a nova linha circular. Esta alteração obrigará a que os utentes do metro que saem de Odivelas passem a ter que fazer transbordo na estação do Campo Grande para se deslocarem até às outras estações que, neste momento, fazem parte da Linha Amarela.
Por isso, também a Câmara Municipal de Odivelas já manifestou o seu desagrado com esta opção do Governo. “Não podemos deixar de demonstrar a nossa discordância, porquanto o nosso concelho de Odivelas, parte interessada, não foi ouvido no processo decisório e considera que, com esta alteração de percurso, os seus munícipes saem, manifestamente, prejudicados”, comentou o gabinete da presidência do município, através de um comunicado, a 10 de maio.
Na altura, o presidente da autarquia de Odivelas solicitou uma audiência, com carácter de urgência, ao ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes – que tem a tutela dos transportes públicos -, e à administração do Metropolitano de Lisboa, para lhes transmitir as preocupações e implicações que a anunciada alteração poderá trazer ao concelho e ainda para lhes comunicar “a expectativa que existia em ver expandir, e não suprimir, os acessos a este território”.
“Consideramos ser de enorme importância a reestruturação da rede do Metropolitano, nomeadamente no que diz respeito ao seu alargamento, mas sem deixar de garantir mais mobilidade e melhores acessibilidades aos cidadãos da área metropolitana de Lisboa”, diziam. Contactado agora por O Corvo, o presidente da Câmara de Odivelas, Hugo Martins (PS), confirmou já se ter encontrado com o ministro do Ambiente e diz aguardar uma “avaliação” por parte do governante. Mas o plano de expansão apresentado foi avalizado pelo ministro do Ambiente que, no final de junho, defendia, no parlamento, que o Metro de Lisboa está a funcionar “muito melhor”. “Sou um cliente assíduo do Metro de Lisboa e testemunho que está a funcionar muito melhor”, garantiu.
A Comissão de Utentes dos Transportes de Lisboa critica fortemente a opção. “Não se percebe o que é que o Ministério do Ambiente quer fazer ao dar prioridade a esta ligação, que vai degradar a oferta à população do Norte da cidade, bem como à de Odivelas e de Loures, que são servidas pela Linha Amarela. Penso que é um desperdício de investimento e não vai resultar, porque só uma minoria de utentes pode beneficiar, esquecendo uma parte significativa da cidade”, completa.
Já Pedro Delgado Alves (PS) acredita que a temática tem sido discutida com base num “equívoco parcial”, que “importa começar a desfazer”. “O que foi dado a conhecer para fazer funcionar a linha circular e para expandir o metro para outras zonas não obriga, necessariamente, a que a Linha Amarela seja explorada da forma como tem sido apresentada em vários diagramas de rede. A Linha Amarela pode continuar a servir o mesmo território, indo até ao centro da cidade, partilhando o percurso da Linha Verde, como é, aliás, o mais comum nas cidades europeias que têm linha circular. Esta raramente está ‘sozinha’ nos túneis, antes sendo as estações no seu percurso utilizadas por mais de uma linha”, explica.
Porquê (e para quem) uma linha circular?
Com diversos problemas de engenharia e riscos associados à construção da linha circular já identificados por especialistas em transportes, com a oposição declarada de uma Comissão de Utentes e a constestação a tal projecto por parte do município de Odivelas, é legítimo perguntar: quem vai, afinal, beneficiar com a construção da linha circular? Para Fernando Nunes da Silva, a resposta é clara: “Acho que já toda a gente percebeu que são os grandes projectos imobiliários que justificam a concretização desta linha”, acusa.
“Há, neste momento, um conjunto de terrenos e projectos extremamente apetitosos. No fundo, isto é uma linha que vai fazer uma ligação entre todos os potenciais grandes projectos imobiliários mais valiosos da cidade de Lisboa”, revela. “O desinvestimento dos governos anteriores nos transportes foi enorme. A ideia, e penso que não devemos estar muito enganados, é que estas questões dão muito trabalho ao Estado. O Estado chuta-as, não resolve as grandes prioridades, e, depois, quem paga isso tudo são os utentes”, acrescenta Cecília Sales.
A linha circular vai custar 216 milhões de euros e será financiada por fundos comunitários e pelo Banco Europeu de Investimento (BEI). A data de conclusão está prevista para final de 2021.