Na Ajuda, todos estão em sobressalto com previsto encerramento do balcão da Caixa

REPORTAGEM
Samuel Alemão

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VIDA NA CIDADE

Ajuda

26 Junho, 2018

“O que é que eu acho? Malíssimo, muito mal. Está toda a gente a refilar”. Sentada na cafetaria situada no alto do Mercado da Boa Hora, e a partir da qual se obtém uma magnífica vista de postal ilustrado da Ponte 25 de Abril, Esmeralda Neves, 81 anos, dá voz ao descontentamento colectivo de uma freguesia. “Então, é ali que os velhinhos vão levantar as reformas e tratar das suas coisas. Se fecham, como vai ser?”, interroga-se. À pergunta sobre como vê o anunciado encerramento da agência da Boa Hora da Caixa Geral de Depósitos (CGD) – incluída num acto de gestão que prevê o fecho de cerca de 70 balcões a nível nacional, uma dúzia na cidade de Lisboa -, a resposta surge sempre igual, inequívoca, na boca de qualquer inquirido: mal. Todos olham com apreensão a mais que provável concretização, no final deste mês, de uma decisão que, por ali, se teme possa também vir a causar graves prejuízos no comércio local. E o presidente da Junta de Freguesia da Ajuda, Jorge Marques (PS), fala mesmo num “erro de avaliação”.

Apesar de a decisão de encerramento de balcões, tornada pública pela CGD há duas semanas – embora já circulassem rumores sobre a mesma desde há dois meses -, ter sido anunciada pela administração da instituição como consequência de uma ponderação, o que se ouve nas ruas em redor do balcão leva a crer o contrário. “Estamos numa zona com uma população muito envelhecida e os transportes não são muito bons. Este balcão da Caixa é muito utilizados pela população, sobretudo os idosos, por causa das reformas. Chegam a fazer filas enormes. Deviam de ver o movimento deste balcão, que está sempre cheio. Tanto que, muitas vezes, só para não apanhar essas filas, prefiro ir a Belém ou à Rua Luís de Camões, em Alcântara, que têm menos gente que esta”, explica a O Corvo, Maria da Conceição, 56 anos, dona de uma loja de sofás situada no topo de Rua Aliança Operária, junto ao cruzamento com a Calçada da Boa Hora, há mais de três décadas. “Não percebo que estudos é que eles fazem, deviam olhar para as estatísticas e ver que isto tem sempre gente”, acrescenta.

No comunicado justificando esta decisão estratégica, emitido a 11 de Junho, a Caixa diz que “as agências a encerrar foram objecto de análise e, além da sua actividade e resultado económico, foram tidas em consideração questões como as acessibilidades a outras agências da CGD e a mobilidade da população, resultando deste facto que a maioria das agências a encerrar se situe nos maiores centros urbanos do País, com destaque para a Grande Lisboa e o Grande Porto”. Lembrando que o Plano Estratégico negociado com as autoridades europeias em 2016 prevê uma redução de cerca de 25% do número de agências até ao final de 2020, o documento da administração da CGD explica que o banco público “optou por reduzir a sua presença nas maiores cidades, onde se tem acentuado a preferência dos clientes pelos serviços digitais em detrimento dos canais físicos, mantendo e até aumentando a presença dos seus gabinetes de empresas”. Algo que, porém, no caso da Ajuda, não podia estar mais longe da realidade.

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A contestação à decisão de fecho do balcão é consensual na freguesia

“Acho a maior parvoíce que fizeram. Esquecem-se que a população aqui é maioritariamente constituída por velhotes e eles não sabem trabalhar com a internet. Alguns nem o Multibanco utilizam”, diz a O Corvo Susana Jorge, 48 anos, proprietária de uma pequena ourivesaria na Rua Nova do Calhariz. Na florista mesmo ao lado, Ana Veloso, 50, confirma essa realidade e explica que “existem muitas pessoas idosas sozinhas, que até precisam de ajuda para resolver coisas no banco”. Tanto assim é que são por ali comuns as estórias de residentes da área que, não tendo nenhum familiar ou pessoa amiga a quem pedir o favor, se socorrem da ajuda de alguns comerciantes com quem têm mais confiança para com eles irem à Caixa resolver algum assunto. Maria da Conceição, da loja de sofás, assegura que já o fez muitas vezes.


 

A perspectiva de encerramento do balcão, situado na esquina da Travessa da Boa Hora à Ajuda com a Rua Dom Vasco, será, por isso, um sobressalto para muitos. “Isto é muito aborrecido, uma pessoa precisa de fazer uma pergunta ao funcionário, por alguma razão, e assim deixa de ser possível. Eles esquecem-se que há aqui muita gente de mobilidade reduzida, a deslocar-se com canadianas”, conta Maria Santos, 77, residente na Brandoa, mas que frequenta o bairro porque tem de cuidar da sua mãe, com 96 anos. “Ao menos, espero que não nos tirem também o Multibanco”, deseja a cliente da instituição de crédito pública. O que, só por si, não garante o sossego da comunidade, receia Vítor Silva, 69, enquanto toma café ao balcão da cafetaria do mercado municipal. “O que isto vai fazer, muito possivelmente, é o aumento de casos de velhotes enganados por pessoas que se oferecem para ir com eles ao Multibanco. Já tenho assistido a situações em que até dizem o código PIN à frente dos outros”, conta.

 

E se o caixa automático – cinco disponíveis neste balcão da CGD – é vital para qualquer comunidade, a sua eventual permanência solitária na Boa Hora não dará garantias mínimas de serviços bancários de qualidade aos moradores. Pior, muitos temem que venha a contribuir para o acentuar da crise nas lojas da zona, as quais já conheceram melhores dias. “Não tenho dúvidas de que isto prejudicará enormemente o comércio. As pessoas deixam de vir aqui ao banco e isso leva a que as lojas à volta também passem a ter menos movimento”, diz Fernando Pinto, 59, gerente de uma óptica integrante de uma grande cadeia e situada paredes-meias com o acossado balcão da CGD. Tal como outras pessoas ouvidas na manhã desta segunda-feira (25 de Junho) por O Corvo, também ele realça o facto de apenas existir uma outra agência bancária na freguesia, a do BPI, na Rua da Aliança Operária. Fernando não tem dúvidas: “Esta semana, vou deixar de ser cliente da Caixa e vou abrir conta no BPI”.

 

Do outro lado da Travessa da Boa Hora à Ajuda, noutra óptica concorrente, Vítor Vicente, 68, emociona-se ao pensar nos efeitos que a decisão terá sobre uma comunidade muito fragilizada pelo peso da idade, da carência económica e dos maus transportes públicos. “Tenho um carinho muito grande pelas pessoas aqui do bairro”, confessa, contendo as lágrimas, já depois de confessar a sua perplexidade por esta decisão. “Acho isto um erro muito grande. Além disso, esquecem-se que, apesar de estarmos próximos, não há transportes para Belém”, analisa. Mesmo ao lado, também Said Rahman, 35, comerciante originário do Bangladesh, diz não perceber a razão do anunciado fim da agência. “Quando o meu Multibanco não funciona, as pessoas atravessam a rua e vão ali levantar dinheiro”, explica.

 

Por tudo isto, o presidente da Junta de Freguesia da Ajuda, Jorge Marques (PS), considera que o anúncio feito pela administração do banco público “só pode partir de um equívoco, de um erro de avaliação”, até pelas “evidentes dificuldades que as pessoas deste escalão etário têm na utilização dos meios digitais”. Lembrando que cerca de 30% da população da freguesia tem mais de 65 anos – sendo uma das três freguesias mais envelhecidas da capital -, o autarca está convencido de que, se o temido cenário se concretizasse, tal teria um impacto negativo muito grande naquela parte da cidade. “Por um lado, avaliaram mal o impacto social, esquecendo que se trata de uma zona com uma população muito envelhecida, com grande dificuldades de mobilidade, numa freguesia situada numa encosta, com terreno acidentado, e mal servida de transportes. Por outro lado, avaliaram também mal o potencial económico da decisão, pois a freguesia está em renovação, há novas famílias a chegar”, diz Jorge Marques, lembrando ainda a localização do balcão numa “área fulcral em termos de comércio”.

 

 

O presidente da junta considera, por isso, que este é um tema em torno do qual toda a comunidade está unida. Tanto assim é que, na quarta-feira (27 de Junho), pelas 17h, realiza-se uma marcha organizada pela junta pelas ruas da freguesia, com concentração junto à agência ameaçada de encerramento. Na sexta-feira (29 de Junho), pelas 10h30, o protesto será em frente da sede da Caixa Geral de Depósitos, ao Campo Pequeno.

 

Nesta terça-feira (26 de Junho), a Assembleia Municipal de Lisboa (AML) deverá aprovar uma moção apresentada pelo PS – partido que detém a maioria dos assentos naquele órgão -, pedindo à administração da entidade bancária detida pelo Estado para “reequacionar a decisão de encerramento da agência da Boa Hora, na Ajuda, fundada provavelmente em erro de avaliação da real situação económica e social do tecido urbano em que se integra aquela agência, como sintetizado acima”. A mesma moção apela ainda ao Governo “enquanto tutela e representante do accionista único público da CGD, a orientar as políticas de gestão da Caixa no sentido do primado do interesse público e, no caso concreto, a ajudar a mostrar à Administração o erro estratégico que constitui o encerramento da agência”.

 

Também o PCP e o Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV) apresentam nesta sessão da assembleia municipal moções contra o encerramento, não apenas do balcão da Boa Hora, mas da dúzia que está prevista fechar em Lisboa. Os outros são: Avenida Estados Unidos da América, Instituto Superior Técnico, ISCTE, Rua Saraiva Carvalho, Chiado, Colombo, Gare do Oriente, Praça do Comércio, Santa Clara e Restelo

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COMENTÁRIOS

Comentários
  • Carla
    Responder

    Agora imaginem que vivem numa localidade onde o único banco existente é a CGD, onde os transportes públicos existentes são escassos e para se ir à cidade se vai de manhã para regressar à hora de almoço. Ter carro não é uma realidade para todos os velhos que vivem nestas localidades e a maioria dos filhos quando regressam é ao fim de semana. É esta (e muito mais) a realidade do nosso interior que todos se lembram em época de festas e eleições mas que se esquecem no dia a seguir. Assim de repente viver na Ajuda e ficar sem o balcão da CGD não é assim tãm mau

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