Parada no tempo e cheia de problemas, Escola Secundária do Lumiar está em “situação limite”
Na única escola secundária da freguesia do Lumiar, a mais populosa de Lisboa, há água a cair do tecto na cozinha e nas salas de aula. Numa delas, até chove “como na rua”. Os chafarizes não funcionam, o mobiliário exterior está partido e, por vezes, vêem-se ratos. A maioria dos estores não fecha e as janelas estão pregadas, dificultando a entrada de luz. No Inverno, há alunos com mantas e cobertores, para suportarem o frio que se sente no equipamento escolar. À semelhança de outras escolas da cidade, esta, com 900 alunos, também tem amianto nos revestimentos. A comissão instaladora da Associação de Pais da Escola Secundária do Lumiar lançou, por isso, uma petição a exigir obras urgentes. Algo a que a Câmara de Lisboa também apela. Contactado por O Corvo, o Ministério da Educação avança, entretanto, que vai gastar 150 mil euros para substituir as coberturas do refeitório, da cozinha e dos blocos das salas de aula.
“Só há poucos meses consegui ver a sigla da nossa escola, ESL. Estava escondida pelas ervas daninhas. Cortaram a relva e as letras ficaram a descoberto”, conta uma aluna do 9º ano, à porta da Escola Secundária do Lumiar, onde também funciona o 3º ciclo do ensino básico. Inaugurada em 1984, à semelhança de outros estabelecimentos de Lisboa, nunca foi alvo de uma reparação profunda, encontrando-se já numa “situação limite” de degradação. Por isso, a Comissão Instaladora da Associação de Pais lançou uma petição pública, no passado mês de Março, a exigir uma intervenção urgente.
Além da presença de amianto e de aberturas nos telheiros, no refeitório e nas salas de aulas, há infiltrações generalizadas, chovendo num grande número de salas e na cozinha. A maior preocupação, porém, dizem os pais, é mesmo o estado de degradação das janelas, que se encontram pregadas, impossibilitando, assim, a sua abertura. A situação não só põe em risco a segurança dos alunos como impede a circulação de ar renovado na sala. Vêem-se muitos cartões nas frinchas das janelas como forma de isolamento e a maioria dos estores está avariada, não permitindo a regulação da luz natural. “Há infiltrações por todo o lado, é difícil encontrar sítios onde não há. O mobiliário está muito velho e sentimos que os nossos filhos não têm vontade de continuar aqui”, lamenta Simone Marques, presidente da Comissão Instaladora da Associação de Pais da Escola Secundária do Lumiar, criada em setembro do ano passado.
Na cozinha, o cenário afigura-se pior. Há água a cair do tecto e loiça com quase os mesmos anos da escola. As janelas estão partidas e, no Inverno, há muitas correntes de ar. Às vezes, diz quem lá trabalha, sente-se um cheiro intenso a esgotos. “É o que temos. Tenho de estar sempre a tapar aquela caixa, onde guardamos alguns temperos, porque cai água. Só não chove aqui”, diz Rita Crespo, cozinheira, apontando para o exaustor da cozinha. A funcionária da escola diz que “o mais assustador” é mesmo a sala destinada a fazer as suas refeições.
“Disseram-nos que podíamos almoçar aqui, mas, quando chove, é como na rua”, diz, apontando para o espaço, ao mesmo tempo que mostra uma cadeira ainda húmida e uma mesa de madeira apodrecida. Há ainda fortes sinais de humidade no tecto. Uma vez que existe amianto na cobertura do refeitório, os pais também estão preocupados com a possibilidade de libertação destas partículas condicionar a segurança da confecção dos alimentos. O bar, contíguo à cantina, inundou na última vez que choveu.
As infiltrações são comuns em muitas salas.
Margarida Sanches, professora de Educação Visual, está a dar uma aula na manhã em que O Corvo visita a escola. Segundo a docente, há 25 anos ali a leccionar, aquela é a sala de aulas em “pior estado”. Há um estore semiaberto, a única entrada de luz. Os restantes encontram-se fechados e não abrem. Os professores e alunos servem-se da luz artificial, mesmo em dias de sol. Além disso, o pequeno armário de madeira onde são guardados os materiais desta disciplina está sem porta. “Já trouxe um berbequim e outras ferramentas, a ver se consigo pregar esta porta. É uma vergonha”, comenta. A docente critica, ainda, o facto de só existir um contínuo por pavilhão. “Precisávamos de mais funcionários, claramente”, diz.
Ana Morais, também professora de Educação Visual, anda em arrumações na sala ao lado. “Nem experimento abrir a janela, tenho medo que o vidro caia em cima de mim ou que, depois de aberta, não volte a fechar. Isto é mesmo horrível no Inverno, porque as salas ficam geladas. Saio de casa com o casaco mais grosso que tenho e não o tiro até voltar”, desabafa a docente, a trabalhar naquela escola há 17 anos. Ana Morais lamenta, ainda, não conseguir introduzir métodos inovadores de ensino. “Gostava de lhes ensinar novas técnicas e até preparo documentos para projectar na parede, mas a falta de luz não permite visualizá-los correctamente. Estas condições comprometem o processo pedagógico”, acrescenta.
A Escola Secundária do Lumiar está a participar, pelo segundo ano consecutivo, no Orçamento Participativo das Escolas (OPE), uma iniciativa do Ministério da Educação através da qual os alunos do 3º ciclo e do ensino secundário fazem uma proposta para melhorar a qualidade da sua escola. Há dois anos, a proposta vencedora recomendava a reabilitação das instalações sanitárias e a deste ano tem a ver com a reparação do mobiliário exterior. O ano passado, segundo a direcção da escola, foram colocados dispensadores com sabonete para as mãos, suportes para o papel higiénico e espelhos para as casas de banho.
Mas, segundo Pedro Costa, encarregado de educação, esta obra não foi bem concretizada. “Continuam sem papel higiénico e o sabão não é reposto. A minha filha disse-me que pediram espelhos para todas as casas de banho, mas parece que pegaram nos espelhos de uma casa de banho e puseram um em cada uma”, critica. Além disso, alerta, os chafarizes continuam sem água e já foram encontrados ratos entre o refeitório e uma sala de aulas.
João Martins, presidente da Escola Secundária do Lumiar, concorda que a escola tem “muitas debilidades”. “Têm sido feitas intervenções, aqui ou ali, mas obras profundas nunca teve. Qualquer edifício com quase 40 anos, sem um esforço de manutenção, só pode deteriorar-se”, observa. O Ministério da Educação chegou a fazer uma intervenção em algumas janelas e nos estores e, num dos pavilhões onde ocorrem as aulas, fez-se a substituição dos toldos que ligam os vários blocos. Estas são, contudo, “intervenções muito pequenas, que não resolvem o problema de fundo do estabelecimento escolar”, repara.
A última aquisição de mobiliário foi feita há um ano. “Entrava-se na sala e o panorama era horrível, havia seis mesas de tamanhos diferentes e com falhas. Conseguimos ter algum mobiliário novo, mas ainda há muitas salas assim”, explica. As salas não intervencionadas, diz ainda, correm o risco de ficarem “irremediavelmente para trás”. “Há situações que parecem de menor relevância, como um estore não funcionar, mas acabam por causar um transtorno muito grande. As janelas estão pregadas porque não há outra forma de as manter”, esclarece.
Quanto à climatização das salas de aulas, João Martins diz serem “exageradamente frias no Inverno e muito quentes no Verão”. Tanto que há alunas a trazerem cobertores e mantas, o que dá “um aspecto desagradável, mas é uma forma de combater o frio”. Ainda chegaram a comprar alguns aquecedores, mas depois verificaram que o quadro eléctrico ia abaixo por não suportar tantos equipamentos ligados.
A Escola Secundária do Lumiar, a única escola secundária da freguesia do Lumiar, também recebe alunos da freguesia de Santa Clara, onde não existe nenhuma escola pública deste grau de ensino. Tem 900 alunos, sendo que mais de 60% dos estudantes beneficiam de apoio educativo. No último ranking das escolas secundárias e, à semelhança de outros anos, a Escola Secundária do Lumiar surge em último lugar entre os estabelecimentos da cidade de Lisboa. Classificação que não faz sentido para o presidente da escola. “A nossa escola rivaliza com privadas, não é uma competição justa. É importante que tenham boas notas, mas também nos interessa muito saber que saem daqui com bons valores. Isso não é contabilizado nestes rankings. Os nossos alunos participam em projectos interessantes e isso vale zero”, lamenta.
A 28 de fevereiro, A Câmara Municipal de Lisboa aprovou (CML), por unanimidade, em reunião pública, uma moção considerando que a reparação da escola deveria ser encarada como uma prioridade. Situação que deixa o director da Escola Secundária do Lumiar mais esperançado. “Se a escola tivesse tido uma manutenção programada, os custos iam-se diluindo e nunca chegaríamos a situações limite. Há promessas reiteradas de intervenção e a justificação mais usual para que nada seja feito é a falta de condições financeiras. Esperamos que da moção aprovada resulte numa intervenção significativa nas condições da escola”, diz.
Recentemente, foi realizado um inquérito para tentar perceber qual o motivo de os alunos do 9º ano não quererem prosseguir os estudos nesta escola. A primeira razão apontada para não prosseguirem os estudos na mesma foi justamente o estado de degradação das salas e do mobiliário. A segunda, foi as condições oferecidas por outras escolas. “É normal, algumas parecem hotéis de luxo”, conclui o presidente da Escola Secundária do Lumiar.
O Ministério da Educação, em depoimento escrito a O Corvo, avança que vai gastar 150 mil euros para a substituição de coberturas do refeitório, da cozinha e dos blocos das salas de aula, não dizendo, contudo, para quando está prevista tal intervenção.